Fiz essa entrevista com Tomaz Salomão na sala VIP do aeroporto de Maputo, pouco antes dele voltar para Botswana, onde mora há 4 anos. Rendeu duas matérias na Agência Brasil (reproduzidas abaixo) e uma reportagem para a TV Brasil, que ainda será exibida (e quando for, vem pra cá também). (PS: já veio. Tá aqui, ó)
24/05/2010
África tem que acordar e dar menos atenção a organismos internacionais, defende especialista
Eduardo Castro
Correspondente da EBC para a África
Maputo (Moçambique) – É hora de a África acordar e deixar de ouvir com tanta atenção as receitas dos organismos econômicos internacionais. A opinião é de Tomaz Salomão, secretário executivo da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC, sigla em inglês para Southern Africa Development Coordination Conference), que engloba a África do Sul, Angola, Botsuana, a República Democrática do Congo, o Lesoto, Madagascar, o Malawi, Maurício, Moçambique, a Namíbia, Suazilândia, a Tanzânia, Zâmbia e o Zimbábue.
Para Salomão, a África não deve sujeitar-se a modelos criados por intelectuais que “não sabem que a África é um continente com mais de 50 países com realidades socioculturais diversas”. Para ele a crise internacional surgida nos Estados Unidos em 2008 ajudou a provar que o formato de ajustamento estrutural imposto pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial e por outros organismos não responde aos desafios dos países em desenvolvimento. Para ele, as política adotadas pela China, Índia e pelo Brasil servem de exemplo na atual crise.
Moçambicano, Salomão foi ministro das Finanças, Transportes e Comunicações de seu país. É doutor em economia pela Universidade John Hopkins, de Maryland, nos Estados Unidos. Leia a seguir os principais trechos da entrevista exclusiva à Agência Brasil.
Agência Brasil: Como é a crise econômica afetou e ainda afeta a África?
Tomaz Salomão: Em 2009, os mercados começaram a colapsar, nossos produtos perderam acesso e nossas exportações caíram drasticamente. As receitas fiscais também caíram e os governos se viram na obrigação de adotar planos de contingência para fazer face a isso, pelo menos não adiando aquilo que são as despesas urgentes e prioritárias, então começamos a sentir isso na pele. Obviamente que países com economias dependentes, sobretudo [os setores] de minerais, turismo e manufatureira, em particular a indústria têxtil, ressentiram-se. E julgo que até hoje, e nos próximos tempos, vamos continuar a sentir esses efeitos, que ainda não passaram. Basta ver o que acontece na Europa.
ABr: A Grécia precisou pegar dinheiro emprestado, a Espanha fez um corte drástico no orçamento, Portugal teve que aumentar impostos. Algo do gênero aconteceu na África?
Salomão: Os países estão tomando medidas extraordinárias. Botsuana teve que aumentar impostos, por exemplo. Não há qualquer tipo de dúvida de que as reformas que alguns países fizeram criaram alguma robustez para fazer face ao problema. O fato de alguns terem tido a capacidade de criar alguma reserva também ajudou-nos a aguentar isso, mas por quanto tempo? É a questão. É preciso olhar para as causas do problema. Nós estamos lidando com um modelo econômico que mostra claramente que não resolve os problemas de África, não resolveu no passado. Fizemos programas de ajustamento estrutural penosos do ponto de vista social para as nossas economias, sob o pretexto de que iriam criar condições para um desenvolvimento mais rápido. Tal coisa não aconteceu. E, pelo contrário, estamos agora a pagando um preço por problemas cuja origem é estranha e desconhecida. Somos economias mais frágeis, mais débeis e os mais afetados. Estamos pagando um preço elevadíssimo por isso.
ABr: Qual foi essa “receita que não deu certo”?
Salomão: Eu estou falando do modelo de ajustamento estrutural que está sendo aplicado na África, o apoio aos programas de ajustamento decorrentes das negociações feitas no quadro do Artigo 4 do Fundo Monetário Internacional e todos os entendimentos subsequentes. As pessoas vão sempre dizer ‘olha, vamos fazer ajustamentos aqui, ajustamentos acolá, vamos emendar aqui, emendar acolá’, mas, no essencial, tudo fica na mesma [condição]. Eu penso que está chegada a hora de os africanos despertarem. E não temos outra opção. O continente é rico em recursos e estamos a criar – e devemos criar – adicional capacidade humana para fazer face aos nossos desafios, em particular aos aspectos que se prendem com tecnologias de informação, investigação e empreendedorismo.
ABr: “Acordar” significa romper exatamente com o quê?
Salomão: Romper com o estigma e com o pensamento de dependência de ajuda. E passar para um modelo em que mobilizemos recursos para transformar nossa agricultura de subsistência em agricultura comercial, que nos transforme de “pedintes” ou importadores de produtos alimentares em grandes exportadores. Um modelo que nos ajude a mobilizar os recursos disponíveis para a modernização das nossas economias, em particular nos aspectos relacionados com a infraestrutura, porque vão gerar recursos que nos vão permitir pagar.
ABr: E como é que se sai dessa condição, que o senhor mesmo chamou de “pedinte”?
Salomão: É chegada a hora de os intelectuais, economistas, empresários e políticos deixarem as diferenças à parte, assentarem um modelo de boa governança, criar consensos onde é possível e dizer ‘este é o caminho que vamos seguir’. Seguir bons exemplos.
ABr: Quais?
Salomão: Temos a referência do Brasil, da Índia. Há países africanos que se encontram onde a China se encontrava há 20, 25 anos, e hoje todo mundo fala da China como um modelo. Então não devemos temer partir para esse desafio. Devemos preparar-nos com o necessário arcabouço técnico e científico, criando consensos onde for necessário. E eu estou seguro de que vamos mudar isso, e, seguramente, vamos ter amigos e países que apoiem esae novo pensamento, essa nova maneira de estar do continente.
ABr: Quando o senhor fala de amigos, está pensando no Brasil?
Salomão: O presidente Lula é um dos grandes apoiantes desse novo pensamento, que os africanos pretendem pôr em cima da mesa. E seguramente haverá o mesmo nos Estados Unidos, na Europa, na Grã-Bretanha… Pessoas que simpatizarão com esse novo posicionamento e o apoiarão. Cabe a nós ousar partir para esse desafio.
ABr: Como vai o relacionamento Brasil-África e como ele está comparado com outros momentos?
Salomão: Eu penso que está bem melhor. Nós podemos olhar para o Brasil como um parceiro que tem consciência dos desafios que a África enfrenta e está preparado a apoiar os países africanos para eles saírem, em longo prazo, da situação em que se encontram. Não há qualquer tipo de dúvida de que lidamos com um Brasil completamente diferente, que percebeu que uma das suas responsabilidades é apoiar a África a sair da situação em que se encontra. O Brasil, a África, Índia e China são fundamentais, porque todos nós sabemos o que é subdesenvolvimento. Mas alguns, como o Brasil, souberam adotar as políticas e estratégias corretas para sair da situação em que se encontravam.
ABr: O Brasil vai passar por eleições presidenciais este ano e o presidente Lula deixará o cargo. Isso pode afetar as relações Brasil-África?
Salomão: Acredito que é algo que os brasileiros devem assumir como uma responsabilidade. É uma conquista que os brasileiros fizeram. Cabe a eles consolidar, saberem que não há outra opção senão olhar para África como um parceiro, como um amigo com quem se pode estabelecer uma relação econômica para novas bases.
Edição: Juliana Andrade
24/05/2010
Países da África Subsaariana ainda sentem reflexos da crise financeira de 2008
Eduardo Castro
Correspondente da EBC para a África
Maputo (Moçambique) – A crise econômica internacional agravou a já difícil situação da economia dos países da África, abalada em 2007 e 2008 pela subida dos preços dos produtos alimentícios e pela crise energética. Além disso, a África depende fortemente de ajuda e doações internacionais.
Os efeitos foram particularmente fortes nos países da chamada África Subsaariana que formam a Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral, a SADC (sigla em inglês para Southern Africa Development Coordination Conference), que inclui a maior economia do continente – a África do Sul –, além de diversos países (Angola, Botsuana, República Democrática do Congo, Lesoto, Madagascar, Malawi, Maurício, Moçambique, Namíbia, Suazilândia, Tanzânia, Zâmbia e Zimbábue).
Os países do grupo têm uma população somada de cerca de 210 milhões de pessoas. Mais da metade dela não tem acesso a água potável e infraestruturas sanitárias. O Produto Interno Bruto (PIB) do bloco é de aproximadamente US$ 700 bilhões. Significativo para a região, especialmente levando-se em conta as economias dos países vizinhos. Mas equivale à metade do PIB do estado norte-americano da Califórnia. E é exatamente o valor que foi destinado, em 2008, pelo então presidente George W. Bush para salvar as instituições financeiras dos Estados Unidos, quebradas devido à especulação financeira.
O Produto Interno Bruto (PIB) dos países da comunidade africana cresceu apenas 2,7% em 2009, o que representa uma redução em relação à já baixa taxa de 4,8%, registrada em 2008. Nos cinco anos anteriores à crise, a África Subsaariana cresceu em média 6%, com taxas de inflação na casa de um dígito. O déficit fiscal da região aumentou para 5,5% em 2009, contra a 2% em 2008, por causa de empréstimos nos mercados interno e externo. A União Europeia (UE) é o principal parceiro econômico externo ao grupo. Mas parcela do mercado europeu abocanhada pelo grupo diminuiu nos últimos anos – cerca de 3% atualmente contra 7% na década de 1980.
Os países que mais sentem os impactos da crise são os que dependem da mineração, turismo e da indústria têxtil: Angola, África do Sul, Botsuana, República Democrática do Congo, Lesoto, Ilhas Maurício, Namíbia e Zâmbia.
Para Tomaz Salomão, as saídas para África seriam incrementar o comércio entre os países do continente (hoje quase insignificante); aumentar investimentos em infraestrutura de transportes, energia e telecomunicações; transformar a agricultura de subsistência (principal meio de vida em toda África) em parte do agronegócio internacional; compor um colchão de reservas para as contingências, reforçar os laços comerciais com países asiáticos como China, Índia, Malásia, Filipinas e a Tailândia.
No plano político, seria indispensável a estabilidade política e jurídica ao continente, além do firme combate à corrupção.
Essas duas materias me lembraram de um artigo que li sobre um livro da escritora africana Dambisa Moyo, que fala justamente sobre isso. O livro é: DEAD AID – WHY AID IS NOT WORKING AND HOW THERE. Não li o livro mas lembro que o artigo falava que essa posição de ajuda a Africa dos outros países, atrapalham a Africa a crescer e buscar novos rumos na economia. Achei muito interessante. E no Brasil, uma das coisas que sinto de bom do Governo Lula é não ter mais aquelas reportagens da vinda do FMI pra renegociar a dívida. É sair da posição de devedor pra produtor. Estou gostando de conhecer a Africa pelo seu blog e pelo blog da Sandra. É como viajar. Parabens pelo seu trabalho.
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