OSSERGORP E MEDRO

Febre aqui em Joanesburgo é um tal de “cobertor de espelho retrovisor”. Uma bandeirinha dos participantes da Copa pra amarrar no espelho. Compramos uma pra identificar o carro – como em qualquer lugar, ser reconhecido como brasileiro geralmente favorece.

 Ao instalar o negócio, quase cai ao ler o dístico do nosso Pendão da Esperança. Tava lá: “Ossergorp e Medro”. Os sujeitos imprimiram do contrário! E me levaram 40 rands na mão grande. Pelo menos, no começo do papo, o sujeito pediu cem…

 Nossos símbolos pátrios andam apanhando por aqui. Nos dois amistosos, contra Zimbábue e Tanzânia, os hinos nacionais estavam errados.

 Precisa tocar mais por aí, pra turma acostumar. Vai Rubinho!

Quisse Mavota na TV Brasil

O VT foi ao ar na segunda-feira, dia 7.
Veja aqui no site de Reporter Brasil.

PS 1: teclando do hotel na Africa do Sul pela primeira vez, morto de cansado depois do primeiro dia. Por isso, tah tudo sem acento.

PS 2:fui ao jogo de Portugal e Mocambique logo que cheguei. O cara que inventou essa tal de vuvuzela merece uns 50 anos de cadeia.

Quisse Mavota na Agência Brasil

A ida a Escola Secundária Quisse Mavota rendeu uma matéria para a Agência Brasil, publicada nesta sábado (5).

Já a entrevista com o curandeiro Fernando Mathe rendeu calafrios na Bélia. Ela não foi porque estava com malária. Mas ficou com as tranças arrepiadas ficou sabendo da visita.

Também fiz uma reportagem para a TV Brasil, que irá ao ar oportunamente. Saiu lá, eu ponha aqui também.

Tem mais de Quisse Mavota no blog da Sandra (aqui e aqui). Abaixo, a matéria da Agência.

E você não sabe quem é a Bélia? Veja aqui, ou role a página um pouco para baixo.

05/06/2010
Caso registrado em escola de Maputo mostra conflito entre conhecimento científico e tradicional

Eduardo Castro
Correspondente da EBC para a África

Maputo (Moçambique) – Desde maio, 71 alunas da Escola Quisse Mavota, em Maputo, capital moçambicana, perderam os sentidos durante as aulas. Em um único dia, foram 25 casos. As primeiras hipóteses levantadas pela direção do colégio foram anemia ou desnutrição. O Ministério da Saúde foi chamado para estudar os casos e anunciou que o motivo era psicológico.

“São causas emocionais”, afirmou, em entrevista coletiva, a diretora da Seção de Saúde Mental do Ministério da Saúde, a psiquiatra Lídia Gouveia. “O quadro de medo e de ansiedade é muito marcante. O que elas têm, realmente, são manifestações de pânico” disse, lembrando que as provas de meio de ano estão chegando. Segundo o médico, em vários casos não há sequer o desmaio propriamente, mas apenas uma perda momentânea de sentidos.

O nome da escola é uma homenagem a um dos últimos chefes tribais de Moçambique, Quisse Mavota, que liderou sua comunidade na região onde está hoje o bairro do Zimpeto, na periferia de Maputo. A escola pública secundária foi construída no terreno em que ele vivia e batizada com o seu nome.

Muitos moradores do bairro do Zimpeto acham que o motivo dos problemas registrados com os estudantes é outro: “Vovô Quisse” estaria reclamando de alguma coisa, por intermédio das meninas, tomadas pelo espírito. Isso já teria ocorrido em 2006, por ocasião da construção dos prédios da escola.

“São os espíritos malignos, querendo uma cerimônia ou algo tradicional”, diz a aluna Berta Nvate. “A escola foi construída onde era um cemitério”, afirma. “Isso aí é briga pela terra” acredita um vizinho da escola que não quer se identificar. “Mas o espírito pode estar zangado também”, completa, sem deixar de lado qualquer possibilidade.

O diretor da escola, Artur Dombo, entregou o caso aos líderes comunitários. “É a comunidade que está trabalhando nisso, porque a escola é da comunidade”. Foram chamados representantes das famílias Mavota e Magaia, que dividiam o terreno. A decisão foi fazer um “mhamba” – ritual – realizado a portas fechadas no último sábado (29).

O Poder Público local comprou cabritos e bois para a celebração. Depois, houve uma festa com a vizinhança. Um curandeiro foi chamado para mediar os trabalhos, fato muito comum em Moçambique. São mais de 30 mil “médicos tradicionais” no país – também chamados de “curandeiros” ou “feiticeiros”. Nas áreas mais afastadas, são a primeira resposta – quando não a única – para os problemas de saúde da população.

“Nós não curamos tudo, mas algumas coisas – principalmente as ligadas ao espírito – só nós podemos tratar”, afirma Fernando Mathe, porta-voz da Ametramo, a Associação dos Médicos Tradicionais de Moçambique. “Quando o problema não é da nossa área, encaminhamos o doente para o centro médico ou hospital. Somos limitados àquilo que sabemos fazer.”

Mathe usa a mesma lógica para analisar o diagnóstico dos psiquiatras do Ministério da Saúde. “Eles [o Ministério da Saúde] fizeram o que estava ao seu alcance. Não podem dizer ‘isso aqui é espírito’ porque não entendem de espírito”. Mas Mathe alerta que, no caso de Quisse Mavota, o curandeiro que conduziu a cerimônia do sábado não é dos quadros da associação. “Só mais adiante vamos ver se foi bem feito. Espero que sim”.

Para Carlos Serra, diretor do Centro de Estudos Africanos da Universidade Eduardo Mondlane, é um caso típico de “conflito de saberes”, entre o conhecimento científico e o tradicional (que ele chama de “simbólico-analógico”). “Conflito é sempre bom, porque impulsiona”, diz. “Mas a forma como isso foi feito parece conduzir a uma espécie de legitimação de um dos saberes [o dito tradicional] em prejuízo aparente do saber científico. E isso não me parece correto.”

Serra organizou um seminário para tratar do assunto, que lotou o auditório do Centro de Estudos Africanos com uma centena de alunos e professores de diversos cursos. A psiquiatra Lídia Gouveia reiterou que a questão emocional permeou todo o caso e informou que as meninas estão sendo avaliadas individual e coletivamente para um estudo aprofundado, que será divulgado em breve.

Os representantes da Ametramo – entre eles, o porta voz Fernando Mathe – defenderam a ação dos médicos tradicionais e reclamaram de não terem sido “oficialmente” chamados para acompanhar o caso de Quisse Mavota de perto.

Também esteve presente o diretor da escola, Artur Dombo, que informou à platéia que “por um motivo ou outro, desde a cerimônia há um sossego na escola. Desde sábado, não há quedas ou desmaios na Quisse Mavota”.

Nós, a África e o comércio

Na semana passada postei aqui algumas matérias sobre possíveis saídas para a economia africana, dando voz ao economista Tomaz Salomão, da SADC. Para ele, o jeito é chutar as receitas ditadas por gente que não consegue entender que “a África é um continente com mais de 50 países com realidades socioculturais diversas”. Uma das sugestões dele foi olhar para o caminho que o Brasil escolheu trilhar.

Abaixo, mais sobre Brasil e África. Reportagem da Agência Brasil.

03/06/2010
Aproximação comercial entre Brasil e África não é imperialista, diz cientista africano

Gilberto Costa
Repórter da Agência Brasil

Brasília – Ao longo da última década, a corrente brasileira de comércio (soma das exportações e importações) com os países africanos quase quadruplicou. Segundo o Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior (MDIC), em 2008 o volume bateu recorde e atingiu US$ 307 bilhões – sem contar a Argélia, Líbia, Tunísia, o Egito e Marrocos, que fazem parte do bloco do Oriente Médio.

O interesse pela África fez com que o governo aumentasse, nos últimos oito anos, o número de embaixadas brasileiras no continente, passando de 19 para 35. Além disso, grandes empresas brasileiras como a Votorantim, Camargo Corrêa, Odebrecht e Petrobras também se instalaram naquele país para a construção de infraestrutura e produção de energia.

A maior presença brasileira no continente e o crescente interesse comercial não assustam os africanos, como afirma o intelectual zimbabuano Sam Moyo, presidente do Conselho para o Desenvolvimento da Pesquisa em Ciências Sociais em África (Codesria).

“Países como o Brasil obviamente têm interesses políticos e comerciais, mas representam uma mudança em relação aos padrões coloniais imperialistas anteriores. Vejo, sem ingenuidade, que há interesses, mas que há um novo movimento político”, disse o cientista social à Agência Brasil, após a aula inaugural no programa de pós-graduação de sociologia da Universidade de Brasília.

“A aproximação é bem diferente daquela que acontecia sob a lógica de Bretton Woods”, disse Sam Moyo, referindo-se ao sistema de comércio internacional estabelecido em 1944, ao final da 2ª Guerra Mundial.

“Os termos dos contratos que os países africanos têm com o Brasil não seguem a cartilha anterior, quando os países do norte emprestavam dinheiro e tinham nos contratos cláusulas dizendo que os governos não podiam investir em desenvolvimento local, para continuarem dependentes.”

Sam Moyo, que é professor adjunto da Universidade de Fort Hare, na África do Sul, vê diferenças entre o Brasil, Zimbábue e a África do Sul nos processos de anistia e reconciliação nacional, respectivamente após a ditadura militar (1964-1985), o fim da colonização (1980) e o apartheid (1994).

“No Zimbábue, com o fim da colonização, houve um processo de anistia geral, como aconteceu no Brasil. Lá, como aqui, as pessoas querem ter tribunais de verdade e reconciliação, mas as pessoas têm que ter muito cuidado com isso. O processo de reconciliação na África do Sul foi um processo coletivo de discussão do que é a verdade, do que é justiça e do que é reconciliação.”

Segundo o cientista social, o processo de reconciliação não foi perfeito na África do Sul. “Falta um elo na cadeia entre a reconciliação, a verdade e a reparação pelas perdas e sofrimentos que aconteceram. Não basta apenas uma reconciliação moral, há um lastro material muito forte que precisaria ser enfrentado de outra maneira”, afirmou Moyo.

Edição: Andréa Quintiere

Bélia voltou. O cabelo dela não.

Tia Sandra (a Bélia a chama assim sempre), a menina Rosália, e Bélia e outro cabelo

Bélia Machava é a produtora. Machava aqui tem um monte – é o “Silva” de Moçambique. Agora, Bélia… só tem essa. Mesmo.

Ela tem 23 anos e um filho pequeno. Mandou o marido embora porque, segundo ela, era um “mafioso”. Mora longe, no bairro Mahotas. Mas mal percebe a distância porque “vem fazendo amigos no chapa”. Ou seja: falando sem parar, com quem estiver dentro da van.

“Xê!”, diz a Bélia quando se espanta com algo. “Ishh yowê”, diz a Bélia quando fica brava. “Hei de aprender bem, sr. Eduardo”, diz a Bélia quando descobre algo novo que gosta e quer fazer. É esperta, a Bélia. Já apresentou programa de rádio, trabalhou em protocolo de festas chiques e deu aula de dança. Com o seu “hei de aprender”, está mesmo aprendendo. E me ajudando.

Bélia vê muita TV brasileira. Entende tudo o que falam. Mas nem sempre o que querem dizer. Daí ela vem: “Sr. Eduardo, onde é Carapicuíba?” “Sr. Eduardo, o que é caviar?” “Sr. Eduardo, o que é orelhão?”

Pois Bélia ligou segunda-feira achando que estava com uma “malariazinha”. Fez o exame – que sai na hora, igual de gravidez. Era malária mesmo. O de “dois x”. Grave, portanto. Morreu de dor segunda e terça. Ontem tinha sono. Hoje voltou pro serviço. Mas voltou diferente.

Gabriel Jr, Bélia e seu cabelo, e eu

Não foi a primeira vez, aliás. Em um mês trabalhando comigo, é o quarto cabelo da Bélia. O natural é curto. Daí veio com um outro, também curto, mas nem tanto – era, segundo ela, uma “perruca cosida no próprio cabelo. Xê!”. Hoje apareceu de tranças. “Mas fiz no sábado, sr. Eduardo. Antes da malária.”

Tá bom, Bélia, ficou ótimo seu cabelo… “Mas daqui a pouco eu canso e mudo tudo. Ishh…”

Bélia e suas tranças

Então tá, Bélia. Só uma coisa: como eu já falei um milhão de vezes, “sr.” Eduardo é a sua mãe…

“Não, sr. Eduardo. Minha mãe é Clementina”, diz a Bélia, rindo.

Clementina Machava. Machava são várias. Bélia, só uma.

A Copa e o banheiro do papa

Faltam poucos dias pra Copa. E cada vez mais, me lembro do banheiro do papa.

“El Baño del Papa” é um filme uruguaio. Conta como a pequena Melo, na divisa com o Brasil, preparou-se intensamente para a fugaz passagem do Papa, em 1998. Todo mundo pensa num jeito de lucrar com a vinda do Papa – todo mundo. Vender comida, bebida, bandeirinhas de papel, souvenires. Até que Beto – contrabandista de profissão – acha que sua “window of opportunity” é fazer um banheiro na beira da estrada. Uma forma de encontrar o alívio entre uma oração e outra.

A cidade junta-se à frente da televisão e o repórter diz: “milhares de brasileiros a caminho de Melo pra missa”.

Chegaram uns quatro ou cinco ônibus.

É mais ou menos a sensação que tenho lendo revista, jornal, internet. Cá em Moçambique ou nos vizinhos. A Copa. A Copa. A Copa.

A caminho da terceira copa e com uma olimpíada no lombo, vi – talvez tenha visto mal, nunca descarto isso – que o que fica de um desses evento pro povo não são as estradas, trens ou estádios. Aliás, estádio novo sempre tem; trem e estrada, nem sempre. O grande ganho, mesmo, é na auto-estima. Principalmente se o país vai bem no evento.

Turismo? Claro, tem lucro – desde que não suba muito preço. Serviços? Ganha, mas nunca tanto quanto esperava. Empregos? É… tem, vai. Mas sempre acho que fica um pouco de gosto de cabo de guarda chuva na boca de um monte. “Síndrome do Banheiro do Papa”.

Não me refiro, obviamente, aos empreiteiros contratados, autoridades civis, militares e eclesiásticas, anunciantes oficiais, jornalistas/similares e organizadores do evento. Pra esses (eu incluído, pois) tem bem mais que banheiro.

Quisse Mavota e o curandeiro

Quisse Mavota é o nome de uma escola secundária de uma bairro afastado aqui de Maputo. Um mês atrás, mais ou menos, meninas começaram a desmaiar sem razão aparente. Uma, outra, outra… em uma mês eram 71! Foi lá a Secretaria de Educação. Foi lá o Ministério da Saúde. A explicação encontrada e anunciada: razões psicológicas.

A comunidade não se convenceu. Acha que, ao chegar a essa conclusão, as autoridades esqueceram um elemento importante: a escola foi construída sobre um cemitério. Que tal perguntar aos espíritos o que estaria acontecendo? Perguntar envolveu comprar bois, cabritos e galinhas, pagos pelo governo local, para uma cerimônia tradicional.

Essa história – que pode soar como realismo fantástico – me levou hoje à tarde ao bairro do Zimpeto (onde fica a escola), à Universidade Eduardo Mondlane e ao consultório do porta-voz da AMETRAMO – Associação dos Médicos Tradicionais de Moçambique. Vão virar reportagens na TV Brasil e na Agência Brasil até o final da semana.

Sandra já falou um pouco disso no Mosanblog (veja aqui). Pelo meu relato, diria tio Sílvio… aguardeeeemmmm.

De novo na Mafalala, falando de Eusébio

Eusébio, jogando no Benfica

Agora na TV. Tio Isufo e a garotada do bairro onde nasceu o maior jogador da história de Moçambique, da África e de Portugal. Aqui a reportagem que foi ao ar no Repórter Brasil da segunda-feira, dia 31 de maio.

Caso não tenha visto, também publiquei uma matéria na Agência Brasil sobre a visita. Está aqui.