Imaginar é uma coisa. Sentir é outra

Fui inúmeras vezes a Soweto neste mês que estou aqui em Joanesburgo. Sempre bem recebido – mesmo quando não estava vestindo o uniforme da TV Brasil. Já tinha comido lá algumas vezes, mas só nas “áreas turísticas”, pontos próximos aos monumentos ou museus, como no restaurante da família de Nelson Madela ou o famosíssimo Wendy’s.

Hoje foi diferente.

Fomos acompanhar uma carreata montada para “elevar o espírito de Copa” (aliás, éramos a única TV brasileira no troço – coisa a que já me acostumei na minha cobertura). Ônibus que lembravam trios elétricos levavam artistas, tocavam música e distribuíam bandeiras da África do Sul.

Lá no meio de Soweto, deu fome. Longe dos monumentos e postos históricos, entramos no Jabulani Mall. Jabulani quer dizer felicidade, além de ser o nome da bola da Copa. As lojas e restaurantes eram rigorosamente os mesmos que cansei de ver aqui em Randburg, Sandton ou no centro de Joanesburgo: KFC, Mc Donald´s e quetais.

A diferença era o público.

Soweto surgiu na década de 60, literalmente como depósito de negros. Nem nome tinha o lugar. Soweto é uma sigla: SOuth WEst TOwnships, que quer dizer, como já expliquei noutro post (veja de novo aqui), Área Segregada do Sudoeste. Foi criada depois que os brancos resolveram que os negros estava morando em lugares que eles queriam ocupar no centro da cidade.

Virou a maior área de Joanesburgo. Uma favelão com 3, 4 5, 6 milhões de habitantes (depende da fonte). Hoje tem áreas com casas ótimas e locais turísticos. E vários pontos que ainda são favela. Nos trechos mais pobres, há só negros.

Esse shopping Jabulani serve a todo Soweto, mas fica perto das áreas mais simples. Plano, grande, lembra o Center Norte, de São Paulo. Mas o público dele é inteiramente negro. Eu e cinegrafista Ulov éramos os únicos brancos no restaurante, no shopping inteiro. E na vizinhança toda.

As pessoas demonstravam até certa surpresa, mas me senti extremamente bem recebido. Muitos se aproximaram pra conversar. No restaurante pediram pra tirar foto conosco. Nos corredores, vinham brincar por causa da desclassificação do Brasil.

Agora pense num negro em qualquer shopping da Barra da Tijuca ou dos Jardins. Precisa dizer o que iria acontecer? Será – oh, que dúúúvida, meudeusdocéu! – que ele seria recepcionado como eu fui num lugar “só deles”?

Pergunto isso por que – claro – “não há preconceito no Brasil”, como a gente está cansado de saber pelos jornais.

Se você ficou na dúvida (ohhhh, que dúúúúúvida!), leia aqui o que aconteceu com a atriz moçambicana Lucrécia Paco num shopping de São Paulo um tempo atrás.

Estamos fora. Nós Brasil. Nós África.

Assisti ao Brasil e Holanda na Casa Brasil, com telão ligado na Globo. Finalmente um jogo com gritaria de narrador! Se bem que a voz do nosso estrelo-maior na esgoelação esportiva foi igual à seleção brasileira: ficou pelo caminho.

Faz diferença. Futebol tem que ter grito, emoção. Não dá pra narrar gol com o mesmo entusiasmo de um arremesso lateral, como fazem aqui.

Foi duro aguentar uma ou outra demonstração de sapiência ou de pitonismo. Sem contar o discursinho no fim. Mas Casão, Júnior e Falcão garantem o equilíbrio.

Quanto terminou o jogo, foi aquele velório. Aliás, quando nós vamos viver a derrota no futebol com mais naturalidade? 31 perdem na copa. Ganha só um.

Pelo menos a tristeza rende belas fotos…

Depois fui ver Gana e Uruguai num bairro de imigrantes aqui em Joanesburgo, que parecia uma cidade de Gana.

Deu uma pena!

Com Gana vencendo por um a zero, eles comemoraram no intervalo com se o jogo tivesse acabado! E no final, morreram de raiva. Ficaram decepcionados. Ficaram tristes na hora. Mas, pelo menos ali, a sexta-feira à noite prosseguiu com cara de sexta-feira à noite.

Aqui, mais fotos do Marcello Casal no jogo do Brasil. E aqui as imagens do Ulov Flamínio no jogo de Gana.