Maputo (Moçambique) – O Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) suspendeu nessa quarta-feira (29) o embargo para a compra de armas que havia sido imposto a Serra Leoa em 1997. A decisão foi unânime, com votos dos 15 membros do colegiado.
A medida não se justifica mais, segundo o órgão, porque o país conseguiu restabelecer o controle de seu território e desarmar os antigos combatentes. Entre 1991 e 2002, uma guerra civil matou mais de 50 mil pessoas, deixou milhares de mutilados, expulsou de casa mais de um terço da população e fez com que mais de meio milhão de cidadãos buscassem refúgio em outros países.
As Forças Armadas locais retomaram o controle completo do país depois da saída da tropa de paz da ONU, em 2005. Uma missão internacional civil (em inglês, UN Integrated Office in Sierra Leone – Uniosil) passou a acompanhar a situação desde então.
A última eleição presidencial foi em 2007 e, segundo a ONU, o governo de Ernest Bai Koroma tem se empenhado em restabelecer a democracia completamente, criar empregos e combater a corrupção endêmica. Mesmo assim, o mandato para a missão internacional foi renovado por mais um ano.
Serra Leoa fica na África Ocidental, banhada pelo Oceano Atlântico. Ex-colônia britânica, tem 6,5 milhões de habitantes. Como a vizinha Libéria, é rica em diamantes. Um dos motivos da guerra civil foi a disputa pela administração das minas, que respondem por mais da metade das exportações do país.
Metade da população vive da agricultura de subsistência e a indústria é praticamente inexistente. É um dos países mais pobres do mundo, com o terceiro pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), à frente apenas do Afeganistão e do Níger.
Quando vi as imagens – são da agência Reuters – lembrei de Serra Pelada, no interior do Pará, onde estive em 1996. A corrida mesmo foi antes, na década de 80. Dez anos depois, restavam o buraco no chão, os garimpeiros sem trabalho e a pobreza.
O imenso buraco, que antes parecia um formigueiro, tinha sido tomado pela água, depois que o ouro acabou e a atividade foi proibida.
Na região em volta, milhares de pessoas esperavam, por anos, poder voltar ao garimpo. Enquanto esperavam… esperavam. Praticamente não tinham o que fazer. Viviam na miséria.
Muitos devem estar lá até hoje. Esperando.
Lembro da frase de um deles: “Tinha muito ouro aqui. Mas, hoje, só na boca. Se a fome apertar demais, ainda dá pra vender os dentes.”
Como disse outro dia aqui e na Agência Brasil (clique aqui pra ver), a coisa é ruim, mas está melhorando.
Conversei com dois especialistas brasileiros – um que mexe com política pública, verba e estrutura; outra que está na ponta, tratando dos doentes. Eles são sinceros ao dizer que ainda falta muito. Mas deixam claro que muito já se caminhou.
Estava apurando outra história, assunto totalmente diferente, quando surgiu essa notícia aqui. Complementei com detalhes que já estavam circulando por aí.
Jornalismo é assim, às vezes: o sujeito mira no urubu, mas acerta na carniça.
Maputo (Moçambique) – O governo de Moçambique procura parceiros para revitalizar várias empresas públicas que faliram ou funcionam sem dar lucro. Uma das primeiras a serem oferecidas ao mercado é a indústria têxtil Riopele, instalada em Marraquene, perto da capital Maputo.
A Riopele Têxteis é uma das várias fábricas de tecidos que fecharam as portas nos últimos anos. Investidores chineses já demonstraram interesse em revitalizar o setor em Moçambique.
Segundo Gonzaga Santos Jeque, administrador do instituto que gerencia as empresas do estado (Igepe), a ideia é recuperar o patrimônio. Mas já se sabe que, em vários casos, o caminho será a privatização ou até a liquidação. “Há circunstâncias em que ninguém está interessado. Então precisamos procurar um parceiro”, diz Jeque.
Segundo o plano estratégico da instituição, somente 32% das empresas funcionam de forma eficiente, e apenas 7,6% dão lucro.
Socialista entre a independência, em 1975, e os anos 90, Moçambique controla ou participa de mais de 130 empresas, de diversos ramos de atividade. Um plano de privatizações foi desenhado em 1997, logo depois da abertura do mercado. Em 2001, foram definidas as áreas estratégicas em que o Estado deveria atuar.
De acordo com o plano do Igepe, o governo deve concentrar os esforços em 46 empresas, consideradas estratégicas ou rentáveis. Com isso, mais de 90 companhias devem ser vendidas, dissolvidas ou liquidadas até 2014. A maioria não atua mais.
A lei moçambicana permite que o Igepe faça negociações particulares ou públicas, ou ainda promova leilões para vender o patrimônio do Estado. A fábrica de pneus Mabor, por exemplo, será vendida por licitação internacional (em Moçambique chamada de concurso público). A Mabor está fechada desde a década de 90.
Há quase um mês, manifestações contra o aumento do custo de vida paralisaram Maputo e deixaram 13 mortos nos choques com a polícia. Uma semana depois dos primeiros protestos, o governo congelou os aumentos e anunciou medidas de austeridade.
Em tempo: numa semana que em que, no Brasil o noticiário está tão focado (nem poderia ser diferente, em semana de eleição) aproveito para levantar temas para tratar mais adiante.
Por isso, o número de posts aqui vai cair um pouquinho. Aproveite para vasculhar mais lá atrás, encontrar coisas que você ainda não viu aqui no ElefanteNews. Sempre tem algo novo.
Passe também no Mosanblog e faça o mesmo. Lá tem, inclusive, uma explicação interessante sobre o uso da chamada “mão inglesa”, como você vê aqui.
Maputo (Moçambique) – Uma nova lei aprovada no Zimbábue proíbe a importação de carros com mais de cinco anos de fabricação. A regra consta do Regulamento de Tráfego Rodoviário, que entra em vigor em março de 2011.
O número de veículos de segunda mão, procedentes principalmente do Japão, cresceu muito nos últimos anos no Zimbábue e em outros países africanos. A legislação japonesa impõe restrições à revenda de automóveis com mais de cinco anos de uso. Graças a isso, são exportados a preços mais acessíveis à população africana.
Segundo o ministro do Meio Ambiente e Recursos Naturais do Zimbábue, Francis Nhema, a medida visa a “salvar vidas e a proteger o meio ambiente”. Só neste ano, mais de 150 pessoas morreram em acidentes de trânsito no país, que tem tem cerca de 15 milhões de habitantes.
“A maioria dos carros que chega aqui foi banida nos seus países de origem”, disse o ministro, citado pela imprensa local. “Mas são jogados aqui no Zimbábue e depende de nós nos protegermos dessa exploração”. O ministro também espera que o banimento impulsione a indústria local, que começou a retomar a produção depois de uma crise que paralisou a economia do país por quase uma década.
A maioria dos veículos vendidos no Zimbábue é de usados, levados do exterior. Cerca de 400 carros são importados por dia.
O novo regulamento de tráfego também proíbe a circulação dos carros que tenham o assento do motorista do lado esquerdo (como é no Brasil, por exemplo). A maioria dos veículos que circula no país já tem a direção instalada do lado direito, porque chega da África do Sul e do Japão.
Grande parte dos países da África Austral (Quênia, Uganda, Tanzânia, Namíbia, África do Sul, Botsuana, Moçambique, Suazilândia, Lesoto, Ilhas Maurício, Comores, Malaui e Zâmbia) adota a chamada “mão inglesa”, com o motorista no lado direito.
Eduardo Castro
Correspondente da EBC para a África
Maputo – Apesar dos vários avanços, Moçambique não deve atingir as metas de combate ao vírus HIV/aids previstas nos Objetivos do Milênio fixados pela Organização das Nações Unidas (ONU). “Temos de ser realistas e reconhecer que este objetivo dificilmente será cumprido por volta de 2015”, declarou o ministro dos Negócios Estrangeiros e Cooperação de Moçambique, Oldemiro Baloi, falando à Agência Lusa, durante encontro que tratou do tema esta semana, em Nova Iorque.
Os Objetivos do Milênio foram estipulados em 2000. Deveriam ser integralmente alcançados por todos os países membros até 2015. A meta estabelecida para a saúde é a inversão da tendência de crescimento da aids, da malária e de outras doenças graves. Também fazem parte dos objetivos a redução pela metade da pobreza extrema e da fome, o estabelecimento do ensino primário universal, a promoção da igualdade de gênero, a redução em dois terços da mortalidade infantil e em 75% da mortalidade materna, a garantia de sustentabilidade ambiental e o fortalecimento de parcerias globais para o desenvolvimento.
O resultado positivo de Moçambique em alguns desses aspectos gerou comentários favoráveis do presidente norte-americano, Barak Obama, durante a assembleia da ONU. Para Obama, Moçambique, Malaui, Etiópia e Tanzânia adotaram políticas de crescimento econômico que, segundo ele, os põe em marcha mais acelerada no combate à pobreza.
Com 1,5 milhão de seus quase 22 milhões de habitantes portadores do HIV, Moçambique é um dos dez países mais afetados pela aids no mundo, com índice de prevalência de 11,5% (no Brasil, por exemplo, o índice é de 0,5%). É vizinho da África do Sul, que demorou mais de dez anos para estabelecer uma política eficaz de combate à transmissão da doença. Também faz fronteira com a Suazilândia, país que tem o maior percentual de infectados no mundo – um em cada quatro habitantes adultos, o que faz com que a expectativa de vida da população seja de apenas de 37 anos.
O coordenador do programa das Nações Unidas para o combate à síndrome (Unaids) em Moçambique é o advogado brasileiro Maurício Cysne. Cearense, está há seis anos em Maputo. Ele acha que, mesmo sem atingir a meta em 2015, o país deu passos importantes nos últimos anos. “Tendo em vista a magnitude do problema, acho que estamos num bom caminho. Em 2005 tínhamos 6 mil pessoas em tratamento. Agora são 200 mil”, informou Cysne, lembrando que 60% das moçambicanas grávidas infectadas já recebem os remédios antirretrovirais. Para o especialista da ONU, o grande desafio é conseguir mudar comportamentos de risco e massificar ainda mais o uso do preservativo nas relações sexuais.
“Os ministérios de Comunicação, Transporte e Saúde, apoiados diretamente pelas Nações Unidas, têm programas concretos nos corredores de transportes”, disse ele, para evitar que o vírus seja “carregado” por caminhoneiros, prostitutas e comerciantes que circulam pelas fronteiras com África do Sul, Suazilândia e Zimbábue, no sul do país. No norte, de forte influência muçulmana, a incidência do HIV é bem menor.
Em meio às dificuldades, é na África Subsaariana (onde vivem 70% dos infectados no mundo) que são registrados os maiores avanços na luta contra o HIV. Dados do Unaids mostram que, juntos, os 22 países que ficam ao sul do Deserto do Saara tiveram um declínio de mais de 25% nos novos casos entre 2001 e 2009. Os países mais afetados – Costa do Marfim, Nigéria, África do Sul, Zâmbia e Zimbábue – foram os que registraram as maiores quedas.
Alguns recursos de prevenção, comuns em outros continentes, ainda são inatingíveis na África, por causa da pobreza e da falta de segurança alimentar. “Não existem condições de higiene ou acesso a água potável que nos permitam preconizar a suspensão do aleitamento materno para bebês de mães infectadas”, exemplifica a médica pediatra Mônica Machado, da organização não governamental (ONG) Médicos Sem Fronteiras. “Também não conseguimos falar em fazer partos cesariana no lugar do parto normal – dois fatores que ajudaram muito outros países a reduzir a transmissão vertical [da mãe para o bebê]”.
Por dia, 85 crianças nascem infectadas pelo HIV em Moçambique. Em muitos países, essa forma de contaminação caiu praticamente a zero. “Trabalhei por oito anos em Diadema (SP), e lá só vi isso acontecer uma vez”, lembrou Mônica. Ao olhar o quadro geral, ela se diz “esperançosa”. “É bom olhar pra trás e ver os ganhos que tivemos. Isso nos estimula a continuar lutando. Mas ainda há muito que trabalhar”, disse a pediatra.
Eduardo Castro
Correspondente da EBC para a África
Maputo (Moçambique) – O governo de Cabo Verde vai instituir o sistema pré-pago para racionalizar o uso da energia elétrica nos edifícios públicos. Um teste já foi feito na capital Praia e, até o fim do ano, será expandido para 500 locais em todo o arquipélago. No projeto-piloto, 100 medidores foram instalados em repartições públicas. “Este tipo de sistema estimula o uso racional de energia, permitindo aos responsáveis pelos serviços administrativos do Estado uma gestão mais fácil da despesa e maior transparência e qualidade de serviço”, diz um comunicado do Ministério do Turismo, Indústria e Energia de Cabo Verde.
Segundo o Presidente da Electra, Antão Fortes, empresa de eletricidade e água que participou do estudo-teste, já há interesse de várias repartições públicas em implantar o sistema. Fortes disse à TV pública caboverdiana que ainda não há previsão de quando a sociedade civil poderá optar pelo serviço pré-pago de distribuição de energia, como já ocorre em outros países.
Em Moçambique, o sistema pré-pago (conhecido como “credelec”) é muito comum. O consumidor compra créditos nos postos da empresa estatal Electricidade de Moçambique e insere os números em um terminal dentro de casa, como se digitasse a senha em uma caixa eletrônica de banco. Um marcador indica os quilowatts/hora (kWh) disponíveis, que diminuem à medida que são usados. O sistema calcula o uso mensal de cada casa e acende uma luz amarela quando o crédito atinge o equivalente ao consumo de uma semana. A luz passa para cor vermelha quando o prazo cai para 24 horas. Ao final dos créditos, a energia é imediatamente cortada.
Desde o ano passado, Cabo Verde vive episódios de falta de energia. Segundo a empresa Electra, por avaria nos equipamentos. O país vai começar em breve a construir quatro parques eólicos (que transformam a força dos ventos em energia elétrica) nas ilhas de Santiago, São Vicente, Boavista e Sal, orçados em R$ 170 milhões, além de dois parques fotovoltaicos (que geram eletricidade a partir da energia solar).
Duas reportagens publicadas em conjunto, na Agência Brasil.
Aproveitei os dados mais recentes para contar detalhes da visita que fiz ao campo de refugiados de Gihembe, durante minha viagem a Ruanda (veja o post que escrevi na época clicando aqui).
Por esses dias vamos editar um especial para a TV Brasil. Será um programa Caminhos da Reportagem que falará de Ruanda como um todo. Se der tudo certo na edição (que dá um trabalho miserável – aqui e no Brasil), ele será exibido em novembro.
Estevão de Abreu faz imagens para a TV Brasil. As crianças observam tudo bem de perto.
Eduardo Castro
Correspondente da EBC para a África
Maputo (Moçambique) – Mais de 210 mil refugiados congoleses conseguiram retornar ao país natal desde 2004, segundo levantamento mais recente do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, fechado em agosto. E o número será maior no fim de setembro. Só na semana passada, mais de 4 mil refugiados deixaram a cidade de Zemio, na República Centro-Africana, e voltaram ao Congo.
Outro movimento parecido foi registrado na região congolesa de Katanga, para onde regressaram, até o dia 18, 846 pessoas provenientes de Zâmbia, de acordo com boletim do Escritório de Coordenação de Assuntos Humanitários da Organização das Nações Unidas (ONU) no país.
Por outro lado, mais de 1,1 mil pessoas fugiram de suas casas na mesma área, depois de três ataques do Exército congolês a grupos rebeldes. E o retorno de moradores do território de Beni foi suspenso por causa de operações militares contra guerrilheiros ugandenses.
Idas e vindas são comuns na região central da África, onde campos de refugiados surgem e desaparecem de acordo com a intensidade das batalhas. Por causa da guerra civil – responsável pela morte de cerca de 5 milhões de pessoas em 15 anos – a estimativa é de que 1,5 milhão de congoleses vivam espalhados em campos de refugiados montados nos países vizinhos, como Uganda, Ruanda, Angola, Burundi, Tanzânia e Moçambique.
A República Democrática do Congo tem 62 milhões de habitantes e ocupa o sexto lugar entre os piores índices de desenvolvimento humano (IDH) do mundo, segundo a ONU, mesmo sendo rica em diamantes, ouro, petróleo e outros recursos minerais. Uma sucessão de conflitos motivados por interesses políticos, étnicos e econômicos convulsiona o país, que chamava-se Zaire até 1997. Uma missão de paz da ONU (identificada pela sigla Monusco) atua no Congo desde 1999 para acompanhar acordos de cessar-fogo entre grupos rivais, nunca integralmente cumprido.
No começo do mês, o Exército congolês reforçou a atuação em Walikale, depois da denúncia que grupos rebeldes passaram a estuprar mulheres e crianças na região. Para enfraquecer os guerrilheiros, o governo decidiu fechar minas nas áreas do Kivu Norte, Kivu Sul e Maniema. Observadores internacionais acreditam que, apesar de melhorar a segurança na região, a medida pode gerar ainda mais miséria, pois o garimpo é praticamente a única atividade econômica que oferece oportunidade de trabalho para milhares de congoleses.
Eduardo Castro
Correspondente da EBC para a África
Maputo (Moçambique) – A Agência Brasil visitou Gihembi, em agosto, um dos campos de refugiados que recebem congoleses em Ruanda. Localizado a 50 quilômetros (km) da fronteira com a Uganda e a 200 km do Congo, Gihembi foi criado em 1996 como solução temporária para receber congoleses que fugiam da guerra civil. Transformou-se em uma cidade de 20 mil habitantes, na maioria membros das etnias banyamulenge e banyamasisi, ligadas aos tutsi ruandeses.
Nos 60 km que separam o campo de refugiados da capital ruandesa Kigali é possível ver plantações de banana e arroz. A estrada é estreita e sinuosa, mas inteiramente asfaltada e sem buracos. Depois de uma hora e meia de viagem surgem casas de taipa enfileiradas nas encostas da colina mais alta da região. Na entrada de Gihembi não há cancelas ou portões. Uma corrente separa o campo da pequena cidade de Byumba. Os refugiados podem circular apenas pela vila. Para ir mais adiante, precisam de autorização do serviço de imigração ruandês. Para facilitar as idas e vindas, cartões de identificação devem ser distribuídos.
O campo também tem uma escola primária – que atende a 4 mil alunos – feita de paredes de barro e telhado de zinco coberto de poeira marrom. Assim também são todas as casas, erguidas pelos próprios moradores. Muito plástico, pedaços de zinco e tábuas dominam o cenário geral. O chão é de terra batida. Há torneiras pelo campo, onde os moradores buscam água em baldes e garrafões. As construções são mais sólidas do que as barracas de lona vistas em outros campos de refugiados da África Central.
Em uma área fechada por cercas de caniço há salas de consulta médica e atendimento psicológico, onde um médico e cinco enfermeiras recebem os doentes. Casos graves são encaminhados à cidade. Também está instalada uma farmácia, que distribui os medicamentos receitados, inclusive para aids, muito comum em toda a região. Só no campo de refugiados, 248 pessoas estão em tratamento contra a aids.
Anemia a carência nutricional em adultos são casos comuns. Ao lado dos consultórios, uma cozinha com fogões de lenha reforça a alimentação de 148 crianças desnutridas. Lactantes (300) e mulheres grávidas (86) também recebem complemento alimentar. Cada refugiado tem direito a 2.200 calorias por dia. Arroz, milho, feijão e óleo são distribuídos uma vez por mês.
No dia que a equipe da EBC visitou o campo de refugiados de Gihembi, em agosto, era dia de distribuição do suprimento de lenha, que deve durar dois meses. A distribuição é feita em uma praça central, onde também estão montadas bancas de frutas e verduras. A movimentação é intensa. Centenas de mulheres e crianças subiam as ruas de terra com toras de madeira equilibradas na cabeça.
As mulheres, maioria visível em Gihembi, vestem panos coloridos amarrados na cintura e na cabeça. Fogem da câmera, assim como os homens mais velhos. Alguns vestem roupas com marcas conhecidas – piratas ou verdadeiras, vindas de doações distribuídas por toda África.
Já as crianças mostram-se curiosas com os visitantes. Sorridentes, fazem poses para a câmera e puxam o repórter pelo braço. Gritam “muzungu, muzungu” (“branco, branco” em kinyarwanda, língua predominante na região) e acompanham de perto o trabalho do cinegrafista da TV Brasil. A maioria fala ou, ao menos, entende francês. E na escola ensina-se inglês. São muitos cumprimentos de “good morning, muzungu (bom dia, branco)”.
Elas correm pelas ladeiras de terra, jogam basquete em uma quadra perto da entrada do campo. Também gostam de futebol. Adolescentes mais arredios aproximam-se ao ver a bandeira verde-amarela no colete da TV Brasil. E tentam se comunicar enfileirando nomes de jogadores brasileiros – alguns com sobrenome: “Kaká, Robinho, Ramires, Ronaldo Nazário de Lima”.
Como a vila vizinha é pequena, poucas são as oportunidades de emprego – tanto para ruandeses quanto para refugiados. Por isso, poucos congoleses vão à cidade. Além das barracas de frutas e verduras, pequenos comércios vendem refrigerante e crédito para telefone celular pré-pago, além de algumas poucas conveniências.
Alguns refugiados conseguem dinheiro (pouco) fazendo melhorias nas casas dos vizinhos. As enfermeiras também são moradoras e recebem uma pequena contribuição pelo trabalho, bem como os professores. Segundo os moradores, há gente com diploma que vive ali, sem perspectiva, esperando há anos para poder voltar para casa. O máximo que consegue é dar aulas na escola primária.
“Aqui estamos totalmente seguros”, diz Gerard Damascene Toma, um dos indicados pelos representares do governo de Ruanda e das Nações Unidas para falar com a Agência Brasil. “Fomos expulsos de nossa terra pela guerra. Espero pelo acordo de paz para retornar e ver o que sobrou”, afirma ele, que vive desde dezembro de 1998 em Gihembe. “Não é bom, mas é melhor que lá”.
Jean Paul está no campo desde 1997, quando conseguiu escapar da República Democrática do Congo. No campo de refugiados, se sente em segurança. Mas não pensa em ficar. “Não podemos estar satisfeitos. Recebemos comida e abrigo, mas queremos voltar para nossos lugares.”
Maputo – Moçambique terá uma terceira operadora de serviços de telefonia móvel a partir do ano que vem. Segundo o ministro dos Transportes e Comunicações, Paulo Zucula, o nome da nova empresa a entrar no mercado será conhecido no final de outubro.
Três propostas estão sendo avaliadas pelos técnicos da pasta. Decidido o vencedor, ele passará pelo Conselho Consultivo do ministério antes de ser apreciado pelo Conselho de Ministros, e só então será oficialmente anunciado.
Concorrem os consórcios TMM (formado pela Portugal Telecom e Visabeira), Movitel (da moçambicana SPI e a vietnamita Movitel) e Unitelecominicações (da angolana Unitel e da moçambicana Insitec).
O número de usuários da telefonia celular no Continente Africano está a caminho dos 300 milhões, bem acima da quantidade de pessoas com computador ou até mesmo com acesso à energia elétrica. Nos últimos anos, a África consolidou-se como o maior mercado em expansão para a telefonia móvel no mundo. O Gabão, por exemplo, já tem quatro operadoras e lança, na semana que vem, a concorrência para operação em tecnologia 3G.
O preço é muito mais baixo que o dos computadores. “Muita gente desfavorecida do ponto de vista socioeconômico hoje tem acesso ao telefone a custos muito mais baixos” diz o sociólogo Book Sambo, da Universidade Eduardo Mondlane, de Moçambique. “Há cinco, seis anos, não era assim, porque só se tinha serviço por contrato (pós-pago). É uma revolução, uma transformação social”.
Hoje em dia, a larga maioria dos usuários opta pelo sistema pré-pago. A tarifa é acessível mesmo aos mais pobres das zonas urbanas. Na capital moçambicana, Maputo, os vendedores de crédito já viraram parte da paisagem, com suas batas amarelas ou azuis – das duas operadoras hoje existentes – Mcel e Vodacom. Também eles beneficiam-se da expansão do serviço, ganhando a vida em uma atividade que não existia há pouco tempo.
O uso “africano” do telefone móvel não se restringe a mandar recados ou a matar saudades. Em Gana, agricultores vendem seus produtos por meio de leilões realizados por torpedos. No Congo e em Uganda, refugiados da guerra civil cadastram-se por SMS para serem mais facilmente localizados pelas famílias. Médicos enviam mensagens para lembrar a seus pacientes com HIV que é preciso tomar a medicação.
Outra utilização corrente é a transferência de dinheiro pelo celular. Começou informalmente, quando as pessoas passaram a enviar créditos umas para as outras, que eram revendidos pelos destinatários. Hoje em dia, operadoras como a Safaricom, do Quênia, oficializaram o método. Graças a isso, em apenas três anos atraiu 7 milhões de clientes e já movimenta algo em torno de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) do país.
No começo do mês, uma grande mobilização social em Moçambique foi coordenada por telefone móvel. Durante os protestos dos dias 1o e 2 de setembro contra o aumento no custo de vida, a população foi convocada, avisada e tranquilizada por torpedos. Foram dois dias de bloqueios nas vias, barricadas, saques e choques com a polícia, que acabaram na morte de 13 pessoas.
Uma semana depois das manifestações, o governo anunciou o congelamento de preços, no feriado de 7 de Setembro, dia dos Acordos de Lusaka, que puseram fim à guerra colonial e culminaram na independência de Portugal, em 1975. Na noite do dia 6, as trocas de mensagens ficaram parcialmente interrompidas.
Segundo a imprensa moçambicana, tratou-se de uma ordem da agência reguladora, o Instituto Nacional de Comunicações de Moçambique (INCM), para evitar novas manifestações. O governo negou qualquer interferência, atribuindo o fato a problemas técnicos.
Na semana passada, o INCM solicitou ao Conselho de Ministros a criação de um cadastro nacional dos usuários de aparelhos móveis. Em entrevista ao jornal O País, o ministro da Comunicações e Transportes, Paulo Zucula, disse que a medida, comum em outros países, vai possibilitar o uso do celular para transações bancárias e localizar criminosos que usam o telefone para fazer ameaças.