Uma ONG cheia de boa vontade decidiu montar uma fonte de água em um povoado afastado. As mulheres lá caminhavam quilômetros para levar a roupa pra lavar no rio e trazer água pra casa.
O lugar escolhido para a obra foi o meio da vila, bem na praça.
Fizeram o projeto, descolaram a verba, contrataram o pedreiro, compraram o material. Como convém, fotografaram o passo-a-passo. Feito o poço, tinha água em boa quantidade. Subiu a alvenaria. Pintaram tudo de branco, bem bonitinho.
Chamaram lá os líderes locais e os políticos da região pra inauguração – também devidamente fotografada. Sorrisos e sensação de dever cumprido.
Seis meses depois, alguém da ONG volta lá. Acha o poço abandonado e vê as mulheres andando os mesmos quilômetros pra ir à beira do rio, carregando suas trouxas na cabeça. A surpresa ficou maior ainda ao verificar que a água jorrava abundantemente.
Foi perguntar às senhoras por que elas não estavam usando a fonte. Ouviu delas uma liçãozinha básica de vida.
“O rio é longe”, disse uma senhora. “E isso era bom”.
Lá só vão mulheres. Os maridos, os líderes, os religiosos e os solteiros ficam na vila. O rio, na hora de lavar roupa, era o único lugar em que elas se sentiam à vontade para falar mal dos maridos, dos líderes religiosos, suspirar com a beleza dos solteiros, fofocar…
Tirá-las de lá foi como desligar a televisão do lugar – que, claro, não tinha televisão. Era no rio que elas invejavam a vida das outras, lamentavam por sua sorte. Mas também se vangloriavam dos filhos, se orgulhavam das suas habilidades, desopilavam o fígado, ganhavam coragem para vida. E sonhavam.
Na fonte no meio da praça, às vistas dos maridos, nada disso era mais possível.
Ao invés de largar seus sonhos, elas largaram o poço. E voltaram pra beira do rio. A quilômetros de distância, com as trouxas de roupa na cabeça.
PS:
Direto ao ponto: pergunte antes – e ouça a resposta. E não meça os outros pela sua régua. Por mais brilhante e magnânimo que você se imagine.