Prezados,
Em 2007, deixei a Bandeirantes – depois de 13 anos – para saltar na criação da TV Brasil e o fortalecimento da comunicação pública no país. Ouvi que era um absurdo trocar certo pelo duvidoso, e outras recomendações de cuidado – além de palavras de puro espanto. Também ouvi insinuações – afirmações até – de que tinha arrumado uma “boquinha”.
Aprendi como nunca, apanhei como nunca, mas não me arrependo. Trabalhei o mesmo de sempre, ganhei um pouco menos (melhor que alguns e pior que muitos), mas me senti realizando algo importante, participando de algo que faz diferença.
Quatro anos depois, sinto isso de novo – e, já sei, vou ouvir muito outra vez. Saio da EBC e fico aqui na África para ajudar a construir a comunicação no continente do futuro. Irei trabalhar na televisão aqui de Moçambique, um país que é mais novo que eu. Pouca coisa poderia, neste momento, ser mais estimulante.
Na EBC, valeu cada minuto. Vi o Estado por dentro, desfiz meus próprios mitos e preconceitos. Vi gente séria, que luta com e contra os burocratas; burocratas sérios, que lutam contra regras que partem do preceito de que todo mundo é ladrão. Vi que sempre falta dinheiro – sim, no Estado brasileiro falta dinheiro, e não sobra, como muitos querem que você pense.
Mas também vi gente picareta e vagabunda, que acha que não precisa trabalhar porque passou em concurso ou é amigo de alguém; gente que, se ganha um pouquinho de poder, estufa o peito, engrossa a voz e só faz bobagem. Gente que quer servir-se do Estado, e não o contrário. Conheci regras que, pretensamente, serviriam para preservar o dinheiro público, mas só criam mais gastos, acomodam as pessoas e atrasam o país. Lutei contra eles; acho que nos livramos de alguns e algumas.
Fui alvo e vítima de maledicência, incompreensão e inveja – muito gerada por informações truncadas, erradas ou simplesmente falsas. Parte da vida: quem sai na chuva se queima mesmo, diria Vicente Mateus. Quem me conhece, conhece. Já quem me mede pela sua própria régua tem poucas chances de acertar o tamanho.
Também conheci melhor o mundo dos que tentam se comunicar e não têm um espaço para se manifestar. Nunca tinha sentido isso tão de perto. A tal liberdaaaade é para poucos e, se depender de vários destes poucos, será para cada vez menos. Espero ter ajudado a melhorar esse quadro. Levo o que aprendi comigo, para onde for trabalhar a partir de agora.
Na EBC, deixo amigos e alguma coisa feita – lá e cá. Tenho orgulho de ter participado da criação da empresa desde o zero. Vi por dentro como tramitam as leis, como é o funcionamento da máquina pública. Vi como a imprensa se informa mal e chuta miseravelmente a partir do pouco que se digna a (ou consegue, porque há os que realmente tentam) apurar.
Não deu pra fazer tudo – longe disso. E fiz besteira também. As que detectei, tentei consertar. Algumas deixei para trás sem notar. Consertem, por favor.
Aqui, na África, fiz mais de 300 reportagens para a Agência, e mais de 100 para a TV, participações diárias e ao vivo para as rádios. Fui a 9 países, mas falei de dezenas de vários outros, com ajuda das agências, telefone, Skype e assemelhados. Cobri Copa do Mundo (a terceira), viagem presidencial, revolta popular – aqui e no norte do continente (com queda de dois ditadores inclusive), Fórum Social Mundial, e até a criação de um novo país -o Sudão do Sul.
Sem falar no dia a dia, que inclui fome, saúde precária, pobreza extrema. Mas também crescimento, melhora de quadro e busca por soluções. Aqui, em Moçambique, se estuda a sério a vacina anti-malária. Está mais perto do que qualquer outro lugar. Contar isso foi uma grande satisfação.
A África deixou de só sobreviver dia a dia; começa a poder pensar no futuro. Claro que ainda não é para todos. Mas está começando. Só ver isso de perto já estava interessante. Participar disso, minimamente que seja, será gratificante.
Nos vemos aí. Ou por aqui. Ou, certamente, por aí.