O motorista, o guarda e Samora

Mais uma relatada pelos amigos.

Avenida Samora Machel, meio dia. O motorista faz uma conversão à direita sem notar que a placa proibia. Logo à frente, o guarda faz sinal e manda parar.

“Boa tarde. O sr. não sabe que é proibido fazer a conversão ali?”

“Não, oficial, não sabia nem notei. Mas se fiz errado, é melhor o sr. me punir mesmo.”

Os olhos dele quase saltaram pra fora da órbita.

“O sr. quer que passe a multa?”

“É. Se fiz errado, que o sr. me puna com o rigor da lei.”

“Um instante só”.

Ele sai da janela do motorista, volta pra calçada e confabula com o outro guarda. E volta logo depois:

“A viatura está longe. Precisamos dela para lavrar a infração”, diz, com um quase-sorriso-amigo.

“Eu espero, oficial. Afinal, o sr. tem que fazer o seu trabalho, não? Ou prefere que sigamos para a esquadra (a delegacia)?”

“Não será preciso”. E volta pra calçada. Mais um minuto, ele tenta de novo:

“Quente hoje, não? Bom para um refresco…”

(nota do editor – acrescentada depois da publicação: “refresco”, aqui, além de refrigerante, é um dinheirinho. Em Angola é “gasosa”.)

“Sabe…” interrompe o motorista. “Tenho pena é do nosso Samora ali do outro lado da rua (a estátua do Marechal Samora Machel, líder revolucionário, primeiro presidente do país). Depois de lutar a vida toda, sempre digno, continua ali, no sol. E sem refresco, né?

Passam mais dez segundos.

“Olha, a viatura está a demorar. Penso que o sr. pode ir, mas preste atenção da próxima vez.”

“Obrigado, oficial. Boa tarde”.

Nada como paciência, calor. E o olhar de Samora.

4 comentários em “O motorista, o guarda e Samora

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