A Suazilândia, as virgens, os negócios

A Suazilândia é a única monarquia absolutista da África. O país é bem pequeno – quem entra nele, de carro, pela fronteira com Moçambique, chega do outro lado, na África do Sul, em apenas três horas.

Um milhão de habitantes dividem o espaço com uma bela paisagem, leões, rinocerontes, macacos, búfalos, enormes plantações de cana de açúcar. E com a família real.

Dividem o espaço, mas não a riqueza. De cada três suazis, dois vivem com menos de um dólar por dia. Dificuldade, é evidente, que não atinge o rei ou seus familiares.

Assim, ser da família real (na Suazilândia e em qualquer outra parte que ainda tenha família real, diga-se), acaba sendo um bom negócio.

Ponto, parágrafo.

Na última semana, milhares de jovens reuniram-se para uma cerimônia que se repete há 25 anos. As meninas do reino suazi dançam e homenageiam a Rainha-Mãe. Trazem para ela caniços (longos bambus) que servirão para adorno e segurança do palácio em que ela vive.

A festa também celebra a unidade nacional e a pureza das jovens – é o que diz o texto que recebemos do Ministério do Turismo.

As garotas – 80 mil, segundo a casa real – vêm de todo reino. Recolhem os caniços em um ponto pré-determinado, carregam os feixes a pé pela estrada, trazem os presentes até o palácio da Rainha e dançam em um estádio montado só parta a ocasião.

Tudo isso leva oito dias (como a Sandra explicou em detalhes aqui, no Mosanblog). O rei participa dos dois últimos, ao assistir às danças e anunciar se, desta vez, escolherá uma das meninas para ser sua próxima esposa.

Ele já fez isso 13 vezes.

Ponto, parágrafo.

Será que é muito diferente que preparar seu menino de nove anos para um empresário levá-lo pra jogar na Europa? Ou a sua garotinha para a agência de modelos, que fará dela uma estrela dos próximos comerciais, do concurso de miss, do programa de humor ou do estábulo do próximo reality?

Sei não.

Ponto final.

A TV Miramar de volta ao sinal aberto

Voltou, domingo à noite, depois de mais de 20 dias de interrupção por causa de um incêndio.
E voltou mais forte, com mais qualidade e nitidez de imagem para Maputo, Matola e região.

Neste tempo todo, a TV não parou de transmitir nem um único minuto para o restante do país.

Mas é bom estar de volta para todos os moçambicanos.

Feijoada completa. Completa não; completíssima.

Feijão preto com caldo bem grosso, arroz branquinho, couve fininha, rodelas de laranja, farofa rica. Costela, carne seca e muita carne de porco: torresmo, pé, rabo, orelha, lombo, lingüiça calabresa e paio.

Quem não gosta de feijoada?

Muita gente. Se tem uma coisa com que judeus e muçulmanos tradicionais concordam é em não comer carne de porco, por exemplo. Só aí já é um grupo enorme.

No caso dos muçulmanos, é uma comida considerada “haram”. O contrário de “haram” é “halal”, como explicou a Sandra há alguns dias no Mosanblog, e eu repito aqui embaixo:

“A carne halal é a carne permitida de ser consumida para os muçulmanos. Para ser halal (que significa lícito), é preciso ter uma série de características:

– não pode ser carne de porco, cachorro e semelhantes, animais com presas, pestilentos, pássaros predadores e criaturas repulsivas;
- o animal deve estar saudável no ato do abate;
- os equipamentos e utensílios devem ser próprios para o abate halal. A faca deve ser bem afiada e permitir uma sangria única, que minimize o sofrimento do animal;
- o corte deve atingir a traquéia, o esôfago, as artérias e a veia jugular, para que todo o sangue seja escoado e o animal morra sem sofrimento;
- o abate deve ser acompanhado por inspetores muçulmanos e ser executado por muçulmano mentalmente sadio e que entenda, totalmente, o fundamento das regras e das condições relacionadas com o abate de animais no islã;

As comidas que não atendem a todas estas características são consideradas haram (que significa ilícito): carnes de porco ou outros animais proibidos, carnes de animais impropriamente mortos ou mortos em nome de outra divindade que não seja Alá (o deus muçulmano), alimentos que contêm álcool ou sejam intoxicantes, sangue e produtos derivados, comidas contendo gelatina derivada de animais.

E como é que eu sei que a comida de um restaurante ou açougue é Halal? Simples: estabelecimentos que seguem a regra tem um selo na porta. Tipo selo do SIF, do Ministério da Agricultura do Brasil. Quem tem o selo foi certificado – pode comer tranquilo.

Moçambique tem muito muçulmano. Nos quase dois anos em que estamos aqui, já são dois restaurantes que tentaram e desistiram de oferecer feijoada no cardápio.

O Tipalino, na Avenida 25 de Setembro, segue firme com a feijuca do sábado. O cozinheiro era mineiro – foi embora, mas deixou a receita. Um outro restaurante, chamado Rodízio Real também tem– é o grande chamariz da casa, ao lado – claro – do “rodízio à brasileira”. E o famoso Hotel Polana também oferece, mas só no domingo.

E tem um outro restaurante aqui de Maputo que tem feijoada dita completa – nota cinco e meio, inclusive. Mas não vou dizer o nome pra não espantar a freguesia. Além da feijoada, tem, na porta, para a tranquilidade dos consumidores muçulmanos… um enorme selo Halal.

Stanislaw Ponte Preta dizia que “feijoada completa é aquela que tem ambulância parada na porta”. Aqui precisa mais – de um selo Halal também.

PS: pesquisando essa coisa de halal/haram, descobrimos que os frangos brasileiros – largamente exportados para cá – são colocados “sob suspeita” pela Comissão Halal de Moçambique. Alô, Sadia, Perdigão, Frangosul! Leiam aqui, ó: “O Frango Brasileiro é ou não Halal?”

O risco que Lourenço Marques correu

O espaço hoje é ocupado por um leitor do ElefanteNews – Fernando Cruz – que mandou a história abaixo. Como segue o espírito do blog, passo a ele a palavra…

“Era o ano de 1974 logo após os eventos do 7 de setembro (NE: data em que, em 1974, foi assinado o Acordo de Lusaka, que deu a independência à Moçambique. Mas a troca de poder efetivou-se somente em 25 de junho de 1975).

Havia nessa altura um tanque de amónia líquida a 100 metros do muro oeste da fábrica de cimento. Se forem ao GoogleEarth ainda podem ver os vestígios de uma plataforma circular onde se encontrava o tanque, junto aos restos de um edifício, que era onde as bombas de compressão estavam instaladas. Mais tarde este tanque, o maior dos 3, foi deslocado para o actual poiso, a 800 metros a oeste (+ ou -) do local original. Também dá para ver na GoogleEarth.

Bom, o tanque continha amónia líquida, mas quando havia muito calor e o tanque estava pouco cheio, as bombas não davam conta do recado, a pressão dentro do tanque subia demasiado, e nessas alturas era preciso soltar amónia em vapor pela válvula de segurança (segurança para o tanque) no topo do tanque.

Ora se o vento soprasse de sul, essa amónia espalhava-se pelos bairros da Matola. Toda a gente cheirava a amónia. Os olhos das pessoas até ardiam um pouco, mas como com a amónia desapareciam os mosquitos, ninguém se queixava. Até dava jeito. E assim viviamos em equilíbrio um tanto instável.

Deram-se os acontecimentos do 7 de Setembro. Aquela zona toda nas proximidades do Rádio Clube de Moçambique estava em pé de guerra e bloqueada por militares. Ninguém conseguia sair de casa, muito menos ir à Matola, e muito menos meter pela estrada que servia o tanque para inspecionar a instalação.

Durante uns dias eu transpirei como nunca me lembro ter transpirado, e acho que até esgotei a lista dos deuses a quem rezei. Só me corria pela cabeça falta de electricidade, paragem das bombas compressoras, aumento desmedido da pressão da amónia no tanque, válvula de segurança a disparar, e amónia em vapor a sair, levada pelo vento, em quantidades suficientes para matar muita gente na Matola.

Ninguém sabia de nada. As estradas estavam bloqueadas. Eu só imaginava pior. Até que, passados esses poucos mas intermináveis dias, consegui, com um colega, meter-me no jipe e ir tentar averiguar o que se passava com o tanque.

À entrada da estrada de acesso encontrei-me com um soldado da Frelimo que montava guarda àquela zona e não nos deixava passar. Finalmente o convenci que o caso poderia ser grave e ele precisava de ajudar. Foi então connosco no jipe, não fossemos nós tentar sabotar aquela coisa.

Estava tudo calmo e sereno. Não tinha havido fugas de amónia. Ninguém tinha morrido por causa da amónia. E lá estava o nosso empregado shangana que pouco disse. Quando lhe perguntámos se tinha havido fugas de amónia, só nos disse – aiiinda!

Tudo tinha voltado ao normal, não sei como nem por quem. Mas tenho grandes suspeitas do nosso empregado shangana. Dos mosquitos sobreviventes nada soube”.

A segurança, Orlando e Luis

Durante o apartheid, Moçambique foi destino para muitos exilados sul-africanos. Entre tantos integrantes do CNA (Congresso Nacional Africano), o ex-presidente Thabo Mbeki – primeiro sucessor de Nelson Mandela – e o atual presidente, Jacob Zuma, viveram aqui.

Recentemente foi lançada, até, a pedra fundamental de um memorial que vai lembrar o episódio que ficou conhecido como “raid na Matola”, que matou 14 sul-africanos exilados que viviam na cidade vizinha à Maputo.

Uma ação parecida com o que os Estados Unidos fizeram há poucos meses no Paquistão, para matar Osama Bin Laden.

Em 31 de Janeiro de 1981, uma força especial do exército da África do Sul, então governado pelos racistas do Partido Nacionalista, invadiu o território moçambicano e atacou três casas na cidade da Matola, onde viviam os exilados. Eram todos combatentes do CNA, que lutavam pelo fim do apartheid e eram considerados terroristas pelo regime racista.

Não foi a única ação do tipo. Ataques aéreos também aconteceram.

Por isso, a segurança nas casas dos exilados do CNA era reforçadíssima. Mas nem sempre os vizinhos sabiam.

Um amigo, Orlando, quase morreu ao roubar frutas do vizinho – que vinha a ser Oliver Tambo, presidente do CNA no exílio, uma das maiores referências da vida de Nelson Mandela (a outra era Walter Sisulu) e, hoje, nome do aeroporto de Joanesburgo.

Na época um garoto de menos de dez anos, ele subiu na árvore no fundo de casa para roubar algumas frutas. Um dos galhos fez um estalo alto, e, em segundos, quatro ou cinco seguranças armados até os dentes (como diria o Homem Chavão) surgiram no jardim, prontos para atirar.

O susto foi imenso. Rindo (hoje, claro), Orlando faz troça, dizendo que, naquela idade, “jamais tinha imaginado que alguém pudesse ficar tão bravo por causa de umas frutinhas…”

Na mesa do almoço, ao lado de Orlando, Luis lembrou da vez que, na República Democrática do Congo (onde mora até hoje), ele quase foi soterrado pelos seguranças do presidente Joseph Kabila. Kabila herdou o poder depois que o pai foi assassinado, em 2001 – e foi eleito em 2006.

Luis trabalha com construção civil e foi chamado para ver um jogo de futebol na tribuna de honra de um estádio em Lubumbashi, no norte do país, do qual ele trabalhou na reforma. Bola rolando, sai um gol do time da casa. A torcida grita e ouve-se um barulho – fogos, talvez – ali perto. Os seguranças não tiveram dúvida: pularam todos em cima de Kabila, para protegê-lo. Quem estava no meio, foi pro chão também.

“E você não tirou foto?”, perguntou o Orlando, rindo. “Eu não!”, disse o Luis. “Vai que os seguranças não gostassem do barulho…”

PS: caso você seja daqui ou venha e queira conhecer o novo memorial da “raid da Matola” (que deve ficar pronto no fim do ano), aproveite para almoçar no Coisa Nossa, ali na mesma praça, na Matola mesmo. Diga ao Jorge, o proprietário, que é meu amigo. E vai ter de pagar a conta do mesmo jeito.

Elefantes no ElefanteNews


Legenda: o de azul sou eu. Os de cinza são os elefantes. Não confunda.

Fomos ao Kruger Park mais uma vez. Desta, vimos todos os tais “Big Five”: elefante, leão, leopardo, rinoceronte e búfalo. Também vimos veados (aos montes), bisão, girafa, etc, etc.

Mas as estrelas da vez foram os elefantes. Não poderiam deixar de aparecer por aqui – claro.

Em abril, o parque estava verde. Agora, bem seco. Parecia outro lugar. Fica a 100 quilômetros aqui de casa. Iremos de novo sempre que der.