De Barbosa a Jefferson, a fila anda

jefferson

Publicado sexta, 23 de outubro (05:59)

(Nota: estou republicando aqui no blog ElefanteNews minhas primeira colunas no Fato On Line. Cheque a data antes de discutir velhas novidades…)

“Políticos e fraldas devem ser trocados de tempos em tempos, pelo mesmo motivo.” Alguns atribuem a frase a Eça de Queirós, outros, a Mark Twain. Incluo goleiros no rol dos que devem ser trocados de tempos em tempos. Por melhores que sejam, ou pareçam ser, para o bem deles mesmos. Que a fila ande. Por isso, não acho um absurdo Dunga ter trocado o goleiro da seleção brasileira nem bem começaram as Eliminatórias. Aliás, absurdo será se as trocas definitivas (tirando as por suspensão ou contusão) se resumirem ao goleiro. Tinha que trocar mais.

O time tem muito jogador mais ou menos que já não deu certo – deram, inclusive, vexame. Tem outros mais ou menos por aí, mas que ainda não deram errado. Mas falemos do goleiro, pois.

Jefferson não é ruim. “Manda bem”, como diz a moçada, garante resultados para o Botafogo, faz belas defesas. Mas não é inigualável, espetacular, maravilhoso, não é nenhum Dino Zoff, Gordon Banks, Ubaldo Matildo Fillol. Tomou um gol, no mínimo, discutível contra o Chile.

Testemos o próximo – Alisson, no caso – mais vezes. E bom seria testarmos outros próximos, como Cássio, chamado agora para os jogos contra Peru e Argentina, e até mesmo Marcelo Grohe, do Grêmio, presente nas partidas anteriores. Aliás, até os maravilhosos devem ser trocados, porque precisamos de mais de um bom e pronto para a posição. Não se pode depender de Neymar pra atacar; não se pode depender de quem quer que seja pra defender.

Desde Marcos que o Brasil não tem um goleirão, daqueles que não se discute. Julio César, da última Copa – pobres de nós e dele, que teve momentos bem melhores – não era titular, era uma teimosia de Felipão. Que achou, justamente, que pegar um e dizer “é meu, o grupo tá fechado” daria certo de novo, como deu com Marcos em 2002.

Talvez o caso mais emblemático, no futebol brasileiro, de goleiro que não foi trocado no prazo e virou problema seja o de Rogério Ceni, no São Paulo. Inegavelmente, o sujeito é um ídolo do clube (talvez o maior de todos). Mas, há tempos, anos, que toma mais frangos do que faz defesas espetaculares. O clube nunca preparou um substituto – até porque, dizem, Rogério nunca deixou – e, há algum tempo já, vive um problemaço: ninguém tem coragem de dizer a Ceni que o tempo dele já deu, por mais que ainda saia um gol de pênalti ou até uma bela defesa de vez em quando.

Parêntesis, pra explicar Rogério Ceni: é bom goleiro, excepcional atleta e espetacular marqueteiro. Tirar a atenção das defesas que deveria fazer para o ataque que ninguém mais faz, e virar ídolo com isso, é um “quêize” de sucesso fantástico. Tem seu lugar na história do São Paulo e na história do “márquetim”. Fecha parêntesis.

Não sei se Jefferson terá nova chance como titular. Dunga não deu nenhuma dica na entrevista coletiva desta quinta (22). Mas o banco não faz dele mau goleiro, não está “marcado para sempre” por causa de um lance. Chega de Barbosas no gol do Brasil. Pra quem não sabe, ou não lembra, Barbosa foi o maior injustiçado da história do futebol brasileiro. Campeão carioca invicto cinco vezes pelo Vasco, campeão nacional na seleção carioca, campeão sul-americano pelo Brasil, vice-campeão do mundo. Mesmo assim, é lembrado, por quem lembra, por um frango que não tomou: o segundo gol do Uruguai na final de 1950, chute cruzado de Gigghia, que entrou no canto.

Ele cansou-se de explicar que o chute foi de muito perto e que estava esperando por um cruzamento (como foi o lance do primeiro gol, feito por Schiaffino). Naquele tempo de gravação em filme com uma única câmera, é impossível ver se o goleiro teve culpa ou não. Certo é que frango não foi. Mas o que se ouviu pelo rádio é que “Barbosa não pegou”, e, em tempos futebolisticamente momentosos, isso bastou para fazer dele “o culpado de tudo”. “A pena máxima para crimes no Brasil é de 30 anos. Mas a minha já dura 47”, disse ele numa entrevista ao SporTV, pouco antes de morrer, no ano 2000. Mesmo com o peso da derrota nas costas, e fora da seleção, Barbosa seguiu jogando bem. Chegou à final do torneio Rio-São Paulo de 1959, contra o Santos de Pelé. Foi vice de novo – piadas contemporâneas à parte – pelo Vasco: “O velho Almirante, o do Caminho das Índias, se vivo fosse, estaria sentado num meio-fio, chorando lágrimas de esguicho”, escreveu Nelson Rodrigues, na crônica de 23 de maio da revista Manchete Esportiva. Mas destacou a atuação de Barbosa, uma “rocha oceânica, uma Bastilha invicta”. Ficou tão impressionado com a atuação que escreveu sobre o goleiro de novo, sete dias depois.

De certa forma, Nelson Rodrigues dá razão à tese de Eça de Queirós (ou Mark Twain) e sua aplicabilidade ao esporte bretão: “…mesmo sem jogar, mesmo lendo um gibi, o goleiro faz mais do que o puro esforço corporal. Ele traz consigo uma sensação de responsabilidade que, por si só, exaure qualquer um. Amigos, eis a verdade eterna do futebol: o único responsável é o goleiro, ao passo que os outros, todos os outros, são uns irresponsáveis natos e hereditários. Um atacante, um médio e mesmo um zagueiro podem falhar. Podem falhar e falham vinte, trinta vezes, num único jogo. Só o arqueiro tem que ser infalível. Um lapso do arqueiro pode significar um frango, um gol e, numa palavra, a derrota.

Vejam 1950. Quando se fala em 1950, ninguém pensa em um colapso geral, numa pane coletiva. O sujeito pensa em Barbosa, o sujeito descarrega em Barbosa a responsabilidade maciça, compacta, da derrota. O gol de Gigghia ficou gravado, na memória nacional, como um frango eterno. O brasileiro já se esqueceu da febre amarela, da vacina obrigatória, do assassinato de Pinheiro Machado. Mas o que ele não esquece, nem a tiro, é o chamado frango de Barbosa. Qualquer um outro estaria morto, enterrado, com o seguinte epitáfio: “Aqui jaz Fulano, assassinado por um frango”. Ora, eu comecei a desconfiar da eternidade de Barbosa quando ele sobreviveu a 1950. Então, concluí de mim para mim: “Esse cara não morre mais”. Não morreu e, pelo contrário, está cada vez mais vivo.

Nove anos depois de 1950, ele joga contra o Santos, no Pacaembu. Funcionou num time de reservas, contra um dos maiores, se não o maior time do Brasil. E foi trágico, amigos, foi trágico! Começa o jogo e imediatamente, Pelé invade, perfura e de três metros, fuzila. Fosse outro, e não Barbosa, estaria perguntando, até hoje: “Por onde entrou a bola?”. Barbosa defendeu e com soberbo descaro! Daí para a frente, a partida se limitou a um furioso duelo entre o solitário Barbosa e o desvairado ataque santista. Foi patético ou, por outra: foi sublime. E porque, na sua eternidade salubérrima, ainda fecha o gol, faço de Barbosa meu Personagem da Semana.

Por isso, Jefferson, não se abata, nem tome a ida para o banco como um tiro de bazuca, uma sentença definitiva. Trocar é necessário, para o seu – e nosso – próprio bem. Afinal, aprendemos todos que não há frangos de Barbosa. O dele, coitado, foi único.

Post Scriptum: feliz em ter escrito um texto que contenha a palavrinha “Pelé”, publicado num 23 de outubro, dia do 75º aniversário dele. Claro que poderia ter feito a coluna toda sobre ele, mas é até melhor assim. Porque prova que é inescapável citar Pelé ao se falar de futebol, por mais longe que o assunto pareça estar dele. Edson Arantes podia ter sido um pai melhor, podia ter sido um brasileiro mais firme contra a ditadura, um negro mais atuante na questão do racismo. Mas Pelé não poderia ter sido melhor jogador de bola, porque não há ou houve melhor jogador que Pelé. Nem vai haver.

http://fatoonline.com.br/conteudo/11090/de-barbosa-a-jefferson-a-fila-anda?or=h-opi-colu&p=l&i=0&v=0

Miranda, Jesus e a Fogueteira

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Publicado sexta, 09 de outubro (05:59)

(Nota: estou republicando aqui no meu blog ElefanteNews minhas primeira colunas no Fato On Line. Cheque a data antes de discutir velhas novidades…)

Escrevo antes de começar Chile e Brasil, primeiro jogo das Eliminatórias da Copa de 2018. Almocei há pouco num simpático quilo aqui no Flamengo. A TV estava ligada e apareceu Miranda (que, talvez, você não associe o nome à pessoa, é…), o capitão da seleção brasileira. Ele diz, de bracinhos cruzados em frente ao microfone fininho: “Se empatarmos, já vai ser um bom resultado”. Do meu lado, um senhor de camisa branca meneia a cabeça e vira o rosto na minha direção, sem dizer nada. Só me olha com aquela cara de “a que ponto chegamos”.

De fato. Lembro do tempo (e não estou falando de quando Dondom jogava no Andaraí, de meia na cabeça, chutando bola de capotão) em que ganhar do Chile era mais que premissa, era uma obviedade. Até acontecia de perder ou empatar, mas, “quando acontecia, era um acontecimento”.

Rosinery Mello morreu aos 45 anos, vítima de aneurisma Ronald Theobald/Estadão Conteúdo

Em 1989, foi mais que um acontecimento – foi uma série deles, e , mesmo assim, o Chile não ganhou. Eles tinham um técnico falastrão, chamado Orlando Aravena, que convenceu o país de que, daquela vez, dava pra não apenas se classificar, mas sim ganhar a Copa do Mundo. No mesmo grupo, estavam Brasil e Venezuela; na Venezuela, coitada, todo mundo batia. Restava tirar o Brasil em dois jogos, um lá, outro cá.

O primeiro foi lá, no mesmo Estádio Nacional da final de 1962 e do jogo de agora, 2015. Já antes de o jogo começar, Aravena falou qualquer coisa no ouvido do Romário, que revidou com empurrões. Contagiado pelo clima – ou por alguma outra coisa contagiante –, o preclaro Jesus Dias Palácios, árbitro colombiano (até bom), deu amarelo pra ele antes de a bola rolar. Com dois minutos de jogo, Ormeño, um dos que Romário havia empurrado, deu uma voadora em Branco. Romário foi tirar satisfações. O juiz tirou o vermelho do bolso. Me lembro bem de ter feito uma cara parecida com a que o senhor fez hoje pra mim, no restaurante. Jesus não estava nada brasileiro naquele dia. Muito pelo contrário.

Ainda no primeiro tempo, ele marcou um sobrepasso de Taffarel. Acho que foi a última vez que vi juiz marcar sobrepasso. Um chileno pegou a bola das mãos do goleiro e tocou rapidinho, dentro da pequena área. Tudo errado, porque a infração (mesmo que inventada, como foi) deveria ter sido batida na linha da pequena área. Gol do Chile. Parêntesis: graças a esse lance é que você aguenta Arnaldo César Coelho comentando arbitragem até hoje. No dia seguinte ao jogo, o então diretor da Globo, Armando Nogueira, ligou pra ele, perguntando do lance. Satisfeito com a explicação, convidou Arnaldo pra almoçar e o chamou pra trabalhar na Globo. Dias depois, Arnaldo anunciou que estava parando de apitar pra ser comentarista. Fecha parêntesis. O Brasil ainda conseguiu empatar a partida.

Rojas e Rosi

A partida de volta foi no Maracanã, no famoso “jogo da fogueteira”. Os mais novos não lembram, mas houve tempo em que se podia levar rojão pra dentro do estádio. Uma moça, chamada Rose, uma das 141 mil pessoas presentes naquele dia, acendeu um sinalizador marítimo, que caiu perto do goleiro Rojas (o mesmo que jogou no São Paulo). O Brasil ganhava por 1 a 0, gol de Careca, e o resultado tirava o Chile da disputa.

Rojas diria depois que o clima feito no Chile em torno da possível classificação ficou tão fora de controle que ele não teria coragem de voltar sem a vaga. Desesperado, enfiou uma lâmina na luva, esperando uma chance de simular uma contusão. Ao ver o foguete no gramado, caiu, tirou a lâmina discretamente e fez um corte na testa, como se tivesse sido atingido. O jogo parou, estabeleceu-se uma confusão, e o Chile saiu de campo carregando seu mártir. O jogo foi encerrado pelo argentino Juan Carlos Lousteau. O Chile saiu do estádio se dizendo classificado. Os brasileiros estava atônitos. E ninguém sabia o que iria acontecer.

Hoje em dia, fatalmente, algumas das trocentas câmeras em campo, ou mesmo um celular de torcedor, teriam mostrado o que ocorreu rapidamente. Mas os tempos – como disse lá em cima – eram outros. No dia seguinte, uma sequência de fotos do jornal O Globo deixava claro que o sinalizador havia caído a alguns metros de Rojas, sem feri-lo. O Brasil foi confirmado como vencedor. A seleção chilena, suspensa por quatro anos; Astengo, zagueiro, também. Rojas foi banido do futebol (anistiado anos depois, quando voltou a trabalhar no São Paulo como auxiliar), junto com o técnico Avarena, um médico da delegação e um dirigente chileno. A fogueteira, localizada, virou capa de Playboy, mas sumiu em seguida. Ela morreu em 2011, vítima de um aneurisma.

Nem com Jesus do lado deles e sinalizador chovendo em campo, o Chile nos punha medo. Hoje, como diz Miranda, se empatar, vai ser bom. Ponto. Parágrafo.

Dunga faz história

Agora escrevo depois da estreia do Brasil nas Eliminatórias. Depois da primeira vez em que o Brasil perdeu numa estreia de eliminatórias de Copa: 2 a 0 para o Chile. Tá: é o melhor Chile da história. Mas nós ajudamos.

O time de Dunga, aliás, parece que não saiu do Chile desde a Copa América. A mesma coisa modorrenta, sem criatividade, sem brilho. Transpirando no limite do necessário. É muito jogador mais ou menos numa seleção brasileira – todos vindos da Europa ou do time que levou de sete da Alemanha. Não entendo tanta insistência com essa turma. Também não entendo quem diz que são “bons jogadores”. Não são. São medianos.

Houve tempo em que mediano não cabia na seleção. Mais recentemente, o mediano tinha que se matar, suar sangue. Mas os tempos são outros. Na segunda etapa, entram dois do Santos – Ricardo Oliveira e Lucas Lima – e o time melhora. Pouco, mas sobe de produção. Não o suficiente. Nada garante que, se Neymar tivesse jogado, a coisa teria sido diferente.

A conversa agora é dizer que “o time comportou-se bem, mas está tudo muito equalizado”, uma versão mais moderna da velha frase, dita há uns 30 anos, que “não tem mais bobo no futebol”. Papo. Se eles melhoraram, os melhores deveriam ter melhorado também. Não, ficamos pra trás.

Que Miranda e seus colegas façam alguma coisa diferente já, agora, terça-feira (13), contra a Venezuela. Mas não tentem trazer Jesus pro nosso lado, nem comprar sinalizadores para espalhar na torcida. Muito menos simular contusão pra sair de campo coberto de glórias. Não funciona. Os tempos, definitivamente, são outros. A que ponto chegamos.

http://fatoonline.com.br/conteudo/10366/miranda-jesus-e-a-fogueteira?or=h-opi-colu&p=l&i=2&v=0