Doutor Ross, minhas pílulas, por favor

Retomo a publicação, aqui no blog, das minhas colunas no portal Fato OnLine – originariamente publicadas às sextas-feiras.

tecflaPublicado sexta, 06 de novembro (05:59)

Sou um jovem senhor de idade, desde sempre. Meu ex-chefe Fernando Mitre dizia que nasci com 35 anos; na época, eu tinha uns 23, 24. E assim me mantenho, já passando dos 40, com alguns hábitos antiquados. Por exemplo: ler jornal. Aquele troço bem de antigamente, de papel. Mas não dá mais pra ler todo, porque parte da turma que escreve nele é mais parada no tempo do que eu.

Não perco tempo com capa, coluna ou primeiro caderno. Fundamentalmente, agrupam os fatos da véspera em duas seções: “Como o governo é ruim” e “Como o governo seria bom se fizesse o que eu mando”, um treco bem democrático. Vou direto às partes que podem ter alguma novidade.

Primeiro, claro, o horóscopo. Não acredito em nada daquilo, mas é preciso saber o que quem acredita vai fazer naquele dia. Quem já trabalhou em jornal – nos menores, principalmente – sabe como é feito o horóscopo. O Touro de amanhã é uma parte do Virgem de ontem e do Leão de hoje. As recomendações sobre “ter cuidado no amor” fazem todo sentido.

Depois de passar rapidamente pelo Hagar, o Horrível, chego ao caderno de esportes. Nesta semana, estava lá: “Flamengo suspende cinco que foram pra farra”. E o caderno de esportes passa a ser mais um que, como eu e as partes ditas sérias dos jornalões, pararam no tempo.

No caso, culpa dos dirigentes flamenguistas, que resolveram mostrar quem manda para cinco “craques consagrados” que foram fotografados numa festa: os geniais Pará, Alan Patrick, Everton, Paulinho e Marcelo Cirino. O motivo da indignação foi o dia da celebração cheia de carne (era um churrasco), uma terça-feira. “Deveriam estar concentrados, se preparando para o jogo”, disseram os disciplinadores. Faltou pedir pros caras usarem burca pra sair na rua e incluir as Pílulas de Vida do Doutor Ross na dieta balanceada.

Troço ridículo. São moleques de 20 e poucos anos, com alimentação saudável e regrada (ainda que sem as Pílulas de Vida do Doutor Ross, ao menos por enquanto), no auge do gás e da fama, com grana, no Rio de Janeiro. Por mais que se ajoelhem e mostrem os dedinhos pra cima a cada gol que marcam, não ficam lendo a Bíblia o tempo todo. E é normal que sejam assim. Sempre foi assim, sempre vai ser assim. Sobre bons e maus moços, João Saldanha dizia, nos longínquos anos 1960/1970 do século passado: “Não quero jogador para casar com minha filha; só que resolva dentro de campo”.

Claro que não pode exagerar, encher a lata de domingo a domingo. Precisam se preservar fisicamente, pois vivem disso. E – acorda, né? – convém desligar Feicebuque e Istagrão próprios e dos demais presentes nas farras, principalmente daquela querida que faz bocão e do lindo que publica fotos sobre o evoluir diário do bíceps.

Mas, prezados, desde que a Holanda, em 1974, levou esposas e namoradas para a concentração na Copa do Mundo, e os caras revolucionaram o futebol (não foram campeões porque a Alemanha tinha Beckenbauer e jogava em casa), que esse papo ficou mais velho do que eu – que nasci com 35 anos, justamente em 1974.

Sem contar que pune o time. Tá bom que, na lista de festeiros, não tem nenhum Zico ou Adílio (aliás, nunca vimos Romário numa lista dessas, por motivos óbvios), mas, dos cinco, três são titulares, e ausência deles iria atrapalhar o treinador a montar um time que precisa estancar uma fila de três derrotas seguidas. O técnico, claro, não gostou da decisão dos diretores do Flamengo. Oswaldo Oliveira achou exagerado.

Resultado: os dirigentes voltaram atrás. Ô, perdão, voltaram atrás nada: os meninos que “demonstraram arrependimento”, pediram desculpas e foram reintegrados. E já podem jogar contra o Goiás no fim de semana. Permanece a multa de 30% dos vencimentos “porque aqui tem comando, não é bagunça”. Tá bom.

Destarte, nenhum será visto na campanha publicitária da Sexlog.com, que os convidou para participar de uma “incrível festa que só nós sabemos fazer”, segundo a diretora de comunicação do treco, em troca 300 mil reais – mais ou menos a multa que vão pagar para o Flamengo.

Lembrei-me de João Saldanha, de novo: “Todo treinador que defende a concentração é candidato a corno”. Se, como eu, lesse o horóscopo, evitaria ser o Touro de amanhã.

E dá licença, que vou ali tomar uma Crush. Ajudam a engolir as Pílulas de Vida do Doutor Ross.

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