De Barbosa a Jefferson, a fila anda

jefferson

Publicado sexta, 23 de outubro (05:59)

(Nota: estou republicando aqui no blog ElefanteNews minhas primeira colunas no Fato On Line. Cheque a data antes de discutir velhas novidades…)

“Políticos e fraldas devem ser trocados de tempos em tempos, pelo mesmo motivo.” Alguns atribuem a frase a Eça de Queirós, outros, a Mark Twain. Incluo goleiros no rol dos que devem ser trocados de tempos em tempos. Por melhores que sejam, ou pareçam ser, para o bem deles mesmos. Que a fila ande. Por isso, não acho um absurdo Dunga ter trocado o goleiro da seleção brasileira nem bem começaram as Eliminatórias. Aliás, absurdo será se as trocas definitivas (tirando as por suspensão ou contusão) se resumirem ao goleiro. Tinha que trocar mais.

O time tem muito jogador mais ou menos que já não deu certo – deram, inclusive, vexame. Tem outros mais ou menos por aí, mas que ainda não deram errado. Mas falemos do goleiro, pois.

Jefferson não é ruim. “Manda bem”, como diz a moçada, garante resultados para o Botafogo, faz belas defesas. Mas não é inigualável, espetacular, maravilhoso, não é nenhum Dino Zoff, Gordon Banks, Ubaldo Matildo Fillol. Tomou um gol, no mínimo, discutível contra o Chile.

Testemos o próximo – Alisson, no caso – mais vezes. E bom seria testarmos outros próximos, como Cássio, chamado agora para os jogos contra Peru e Argentina, e até mesmo Marcelo Grohe, do Grêmio, presente nas partidas anteriores. Aliás, até os maravilhosos devem ser trocados, porque precisamos de mais de um bom e pronto para a posição. Não se pode depender de Neymar pra atacar; não se pode depender de quem quer que seja pra defender.

Desde Marcos que o Brasil não tem um goleirão, daqueles que não se discute. Julio César, da última Copa – pobres de nós e dele, que teve momentos bem melhores – não era titular, era uma teimosia de Felipão. Que achou, justamente, que pegar um e dizer “é meu, o grupo tá fechado” daria certo de novo, como deu com Marcos em 2002.

Talvez o caso mais emblemático, no futebol brasileiro, de goleiro que não foi trocado no prazo e virou problema seja o de Rogério Ceni, no São Paulo. Inegavelmente, o sujeito é um ídolo do clube (talvez o maior de todos). Mas, há tempos, anos, que toma mais frangos do que faz defesas espetaculares. O clube nunca preparou um substituto – até porque, dizem, Rogério nunca deixou – e, há algum tempo já, vive um problemaço: ninguém tem coragem de dizer a Ceni que o tempo dele já deu, por mais que ainda saia um gol de pênalti ou até uma bela defesa de vez em quando.

Parêntesis, pra explicar Rogério Ceni: é bom goleiro, excepcional atleta e espetacular marqueteiro. Tirar a atenção das defesas que deveria fazer para o ataque que ninguém mais faz, e virar ídolo com isso, é um “quêize” de sucesso fantástico. Tem seu lugar na história do São Paulo e na história do “márquetim”. Fecha parêntesis.

Não sei se Jefferson terá nova chance como titular. Dunga não deu nenhuma dica na entrevista coletiva desta quinta (22). Mas o banco não faz dele mau goleiro, não está “marcado para sempre” por causa de um lance. Chega de Barbosas no gol do Brasil. Pra quem não sabe, ou não lembra, Barbosa foi o maior injustiçado da história do futebol brasileiro. Campeão carioca invicto cinco vezes pelo Vasco, campeão nacional na seleção carioca, campeão sul-americano pelo Brasil, vice-campeão do mundo. Mesmo assim, é lembrado, por quem lembra, por um frango que não tomou: o segundo gol do Uruguai na final de 1950, chute cruzado de Gigghia, que entrou no canto.

Ele cansou-se de explicar que o chute foi de muito perto e que estava esperando por um cruzamento (como foi o lance do primeiro gol, feito por Schiaffino). Naquele tempo de gravação em filme com uma única câmera, é impossível ver se o goleiro teve culpa ou não. Certo é que frango não foi. Mas o que se ouviu pelo rádio é que “Barbosa não pegou”, e, em tempos futebolisticamente momentosos, isso bastou para fazer dele “o culpado de tudo”. “A pena máxima para crimes no Brasil é de 30 anos. Mas a minha já dura 47”, disse ele numa entrevista ao SporTV, pouco antes de morrer, no ano 2000. Mesmo com o peso da derrota nas costas, e fora da seleção, Barbosa seguiu jogando bem. Chegou à final do torneio Rio-São Paulo de 1959, contra o Santos de Pelé. Foi vice de novo – piadas contemporâneas à parte – pelo Vasco: “O velho Almirante, o do Caminho das Índias, se vivo fosse, estaria sentado num meio-fio, chorando lágrimas de esguicho”, escreveu Nelson Rodrigues, na crônica de 23 de maio da revista Manchete Esportiva. Mas destacou a atuação de Barbosa, uma “rocha oceânica, uma Bastilha invicta”. Ficou tão impressionado com a atuação que escreveu sobre o goleiro de novo, sete dias depois.

De certa forma, Nelson Rodrigues dá razão à tese de Eça de Queirós (ou Mark Twain) e sua aplicabilidade ao esporte bretão: “…mesmo sem jogar, mesmo lendo um gibi, o goleiro faz mais do que o puro esforço corporal. Ele traz consigo uma sensação de responsabilidade que, por si só, exaure qualquer um. Amigos, eis a verdade eterna do futebol: o único responsável é o goleiro, ao passo que os outros, todos os outros, são uns irresponsáveis natos e hereditários. Um atacante, um médio e mesmo um zagueiro podem falhar. Podem falhar e falham vinte, trinta vezes, num único jogo. Só o arqueiro tem que ser infalível. Um lapso do arqueiro pode significar um frango, um gol e, numa palavra, a derrota.

Vejam 1950. Quando se fala em 1950, ninguém pensa em um colapso geral, numa pane coletiva. O sujeito pensa em Barbosa, o sujeito descarrega em Barbosa a responsabilidade maciça, compacta, da derrota. O gol de Gigghia ficou gravado, na memória nacional, como um frango eterno. O brasileiro já se esqueceu da febre amarela, da vacina obrigatória, do assassinato de Pinheiro Machado. Mas o que ele não esquece, nem a tiro, é o chamado frango de Barbosa. Qualquer um outro estaria morto, enterrado, com o seguinte epitáfio: “Aqui jaz Fulano, assassinado por um frango”. Ora, eu comecei a desconfiar da eternidade de Barbosa quando ele sobreviveu a 1950. Então, concluí de mim para mim: “Esse cara não morre mais”. Não morreu e, pelo contrário, está cada vez mais vivo.

Nove anos depois de 1950, ele joga contra o Santos, no Pacaembu. Funcionou num time de reservas, contra um dos maiores, se não o maior time do Brasil. E foi trágico, amigos, foi trágico! Começa o jogo e imediatamente, Pelé invade, perfura e de três metros, fuzila. Fosse outro, e não Barbosa, estaria perguntando, até hoje: “Por onde entrou a bola?”. Barbosa defendeu e com soberbo descaro! Daí para a frente, a partida se limitou a um furioso duelo entre o solitário Barbosa e o desvairado ataque santista. Foi patético ou, por outra: foi sublime. E porque, na sua eternidade salubérrima, ainda fecha o gol, faço de Barbosa meu Personagem da Semana.

Por isso, Jefferson, não se abata, nem tome a ida para o banco como um tiro de bazuca, uma sentença definitiva. Trocar é necessário, para o seu – e nosso – próprio bem. Afinal, aprendemos todos que não há frangos de Barbosa. O dele, coitado, foi único.

Post Scriptum: feliz em ter escrito um texto que contenha a palavrinha “Pelé”, publicado num 23 de outubro, dia do 75º aniversário dele. Claro que poderia ter feito a coluna toda sobre ele, mas é até melhor assim. Porque prova que é inescapável citar Pelé ao se falar de futebol, por mais longe que o assunto pareça estar dele. Edson Arantes podia ter sido um pai melhor, podia ter sido um brasileiro mais firme contra a ditadura, um negro mais atuante na questão do racismo. Mas Pelé não poderia ter sido melhor jogador de bola, porque não há ou houve melhor jogador que Pelé. Nem vai haver.

http://fatoonline.com.br/conteudo/11090/de-barbosa-a-jefferson-a-fila-anda?or=h-opi-colu&p=l&i=0&v=0

Miranda, Jesus e a Fogueteira

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Publicado sexta, 09 de outubro (05:59)

(Nota: estou republicando aqui no meu blog ElefanteNews minhas primeira colunas no Fato On Line. Cheque a data antes de discutir velhas novidades…)

Escrevo antes de começar Chile e Brasil, primeiro jogo das Eliminatórias da Copa de 2018. Almocei há pouco num simpático quilo aqui no Flamengo. A TV estava ligada e apareceu Miranda (que, talvez, você não associe o nome à pessoa, é…), o capitão da seleção brasileira. Ele diz, de bracinhos cruzados em frente ao microfone fininho: “Se empatarmos, já vai ser um bom resultado”. Do meu lado, um senhor de camisa branca meneia a cabeça e vira o rosto na minha direção, sem dizer nada. Só me olha com aquela cara de “a que ponto chegamos”.

De fato. Lembro do tempo (e não estou falando de quando Dondom jogava no Andaraí, de meia na cabeça, chutando bola de capotão) em que ganhar do Chile era mais que premissa, era uma obviedade. Até acontecia de perder ou empatar, mas, “quando acontecia, era um acontecimento”.

Rosinery Mello morreu aos 45 anos, vítima de aneurisma Ronald Theobald/Estadão Conteúdo

Em 1989, foi mais que um acontecimento – foi uma série deles, e , mesmo assim, o Chile não ganhou. Eles tinham um técnico falastrão, chamado Orlando Aravena, que convenceu o país de que, daquela vez, dava pra não apenas se classificar, mas sim ganhar a Copa do Mundo. No mesmo grupo, estavam Brasil e Venezuela; na Venezuela, coitada, todo mundo batia. Restava tirar o Brasil em dois jogos, um lá, outro cá.

O primeiro foi lá, no mesmo Estádio Nacional da final de 1962 e do jogo de agora, 2015. Já antes de o jogo começar, Aravena falou qualquer coisa no ouvido do Romário, que revidou com empurrões. Contagiado pelo clima – ou por alguma outra coisa contagiante –, o preclaro Jesus Dias Palácios, árbitro colombiano (até bom), deu amarelo pra ele antes de a bola rolar. Com dois minutos de jogo, Ormeño, um dos que Romário havia empurrado, deu uma voadora em Branco. Romário foi tirar satisfações. O juiz tirou o vermelho do bolso. Me lembro bem de ter feito uma cara parecida com a que o senhor fez hoje pra mim, no restaurante. Jesus não estava nada brasileiro naquele dia. Muito pelo contrário.

Ainda no primeiro tempo, ele marcou um sobrepasso de Taffarel. Acho que foi a última vez que vi juiz marcar sobrepasso. Um chileno pegou a bola das mãos do goleiro e tocou rapidinho, dentro da pequena área. Tudo errado, porque a infração (mesmo que inventada, como foi) deveria ter sido batida na linha da pequena área. Gol do Chile. Parêntesis: graças a esse lance é que você aguenta Arnaldo César Coelho comentando arbitragem até hoje. No dia seguinte ao jogo, o então diretor da Globo, Armando Nogueira, ligou pra ele, perguntando do lance. Satisfeito com a explicação, convidou Arnaldo pra almoçar e o chamou pra trabalhar na Globo. Dias depois, Arnaldo anunciou que estava parando de apitar pra ser comentarista. Fecha parêntesis. O Brasil ainda conseguiu empatar a partida.

Rojas e Rosi

A partida de volta foi no Maracanã, no famoso “jogo da fogueteira”. Os mais novos não lembram, mas houve tempo em que se podia levar rojão pra dentro do estádio. Uma moça, chamada Rose, uma das 141 mil pessoas presentes naquele dia, acendeu um sinalizador marítimo, que caiu perto do goleiro Rojas (o mesmo que jogou no São Paulo). O Brasil ganhava por 1 a 0, gol de Careca, e o resultado tirava o Chile da disputa.

Rojas diria depois que o clima feito no Chile em torno da possível classificação ficou tão fora de controle que ele não teria coragem de voltar sem a vaga. Desesperado, enfiou uma lâmina na luva, esperando uma chance de simular uma contusão. Ao ver o foguete no gramado, caiu, tirou a lâmina discretamente e fez um corte na testa, como se tivesse sido atingido. O jogo parou, estabeleceu-se uma confusão, e o Chile saiu de campo carregando seu mártir. O jogo foi encerrado pelo argentino Juan Carlos Lousteau. O Chile saiu do estádio se dizendo classificado. Os brasileiros estava atônitos. E ninguém sabia o que iria acontecer.

Hoje em dia, fatalmente, algumas das trocentas câmeras em campo, ou mesmo um celular de torcedor, teriam mostrado o que ocorreu rapidamente. Mas os tempos – como disse lá em cima – eram outros. No dia seguinte, uma sequência de fotos do jornal O Globo deixava claro que o sinalizador havia caído a alguns metros de Rojas, sem feri-lo. O Brasil foi confirmado como vencedor. A seleção chilena, suspensa por quatro anos; Astengo, zagueiro, também. Rojas foi banido do futebol (anistiado anos depois, quando voltou a trabalhar no São Paulo como auxiliar), junto com o técnico Avarena, um médico da delegação e um dirigente chileno. A fogueteira, localizada, virou capa de Playboy, mas sumiu em seguida. Ela morreu em 2011, vítima de um aneurisma.

Nem com Jesus do lado deles e sinalizador chovendo em campo, o Chile nos punha medo. Hoje, como diz Miranda, se empatar, vai ser bom. Ponto. Parágrafo.

Dunga faz história

Agora escrevo depois da estreia do Brasil nas Eliminatórias. Depois da primeira vez em que o Brasil perdeu numa estreia de eliminatórias de Copa: 2 a 0 para o Chile. Tá: é o melhor Chile da história. Mas nós ajudamos.

O time de Dunga, aliás, parece que não saiu do Chile desde a Copa América. A mesma coisa modorrenta, sem criatividade, sem brilho. Transpirando no limite do necessário. É muito jogador mais ou menos numa seleção brasileira – todos vindos da Europa ou do time que levou de sete da Alemanha. Não entendo tanta insistência com essa turma. Também não entendo quem diz que são “bons jogadores”. Não são. São medianos.

Houve tempo em que mediano não cabia na seleção. Mais recentemente, o mediano tinha que se matar, suar sangue. Mas os tempos são outros. Na segunda etapa, entram dois do Santos – Ricardo Oliveira e Lucas Lima – e o time melhora. Pouco, mas sobe de produção. Não o suficiente. Nada garante que, se Neymar tivesse jogado, a coisa teria sido diferente.

A conversa agora é dizer que “o time comportou-se bem, mas está tudo muito equalizado”, uma versão mais moderna da velha frase, dita há uns 30 anos, que “não tem mais bobo no futebol”. Papo. Se eles melhoraram, os melhores deveriam ter melhorado também. Não, ficamos pra trás.

Que Miranda e seus colegas façam alguma coisa diferente já, agora, terça-feira (13), contra a Venezuela. Mas não tentem trazer Jesus pro nosso lado, nem comprar sinalizadores para espalhar na torcida. Muito menos simular contusão pra sair de campo coberto de glórias. Não funciona. Os tempos, definitivamente, são outros. A que ponto chegamos.

http://fatoonline.com.br/conteudo/10366/miranda-jesus-e-a-fogueteira?or=h-opi-colu&p=l&i=2&v=0

O Importante – sempre tão importante

microfone de rádio” – E aí, Fulano: vitória importante…
– Sem dúvida. Foram três pontos importantes, com um gol no momento importante, com a participação importante de todo o grupo, numa competição importante.
– Fale da importância dessa sequência de bons resultados do Clube do Mé Futebol Clube…
– Importantíssimo. Mas só chegamos a isso graças à participação importante do torcedor, apoiando nos momentos importantes, lotando o estádios em rodadas importantes, nos colocando nessa posição importante na tabela do campeonato.
– E quarta-feira tem um jogo importante…
– Por isso é importante a gente descansar bem amanhã, importantíssimo treinar bem na terça, porque é importante chegarmos bem preparados na próxima rodada.
– Tá aí o Lucas Fulano, jogador importantíssimo em mais uma vitória importante do Clube do Mé”.

É assim: em rádio e TV, nada mais – rá! – importante que o tempo. Então, só fale o que for… importante. Se não tiver importância, não diga.
Se você está dizendo aquilo, é importante – porque você não fala bobagem, não perde tempo com besteira, não enche linguiça.

Não precisa contar por ouvinte/telespectador que aquilo é importante. Se precisa explicar que tal coisa é importante, deve ser porque ela não importa pra ninguém nem pra nada.

Ou você troca a palavra por outra, que realmente informe alguma coisa, ou – melhor ainda – não qualifique, não adjetive. Só conte a importantíssima coisa que o David Fulano fez pelo Clube do Mé Futebol Clube.

Falar de improviso é uma coisa importante, meu caro.
Mas é importante treinar muito antes, no chuveiro, segurando o xampu igual microfone.
Importantíssimo.

Mandela Day 2011

Mandela faz hoje 93 anos.

Integrante da realeza de sua região, foi estudar e montou o primeiro escritório de advocacia comandado por negros na África do Sul (ele e Oliver Tambo – que hoje é o nome do aeroporto de Joanesburgo).

Africanista de princípio, foi moldando seu pensamento durante a luta contra a discriminação e o apartheid. No começo, defendia que os negros retomassem o país e expulsassem os brancos. Com o tempo, viu que isso o igualava com os racistas, e mudou de posição.

Passou 27 anos preso por lutar para simplesmente poder ser ele mesmo. Recusou a liberdade quando ela foi oferecida sob condições. Só saiu realmente livre, para pensar e agir. Eleito presidente, poderia massacrar quem o massacrou – mas não. Até contra a vontade de muitos de seus apoiadores, mostrou que o país ( e o mundo) é de todos.

Li sua autobiografia. Agora, estou lendo sua biografia escrita por um jornalista. Ele não é santo – cometeu erros, mudou de opinião, reviu o que havia dito, feito e escrito. Mas… mas.

A ONU consagra o 18 de julho a Nelson Mandela. Longa vida a quem deu a maior parte dela a uma causa. Que viva Nelson Mandela.

De novo, um ano depois: “Novidade? Absurdo”.

Hoje faz uma ano que acabou a Copa da África.

O texto abaixo foi publicado nesta época, um ano atrás.

Deu discussão. Por isso – rá! – republico.

Reli e não me arrependo… Talvez tenha deixado entender que a Espanha era uma porcaria. Não era. É um bom time – mas nada revolucionário ou maravilhoso. O mesmo para Holanda, num grau um pouco abaixo, até.

Mereceu? Sim, diante do quadro. Se os grandes jogassem como grandes, tudo seria como sempre foi.

“Pela primeira vez desde sempre, Holanda ou Espanha será o campeão. A Europa vai ganhar uma Copa fora do continente. A seleção-sede não passou da primeira fase. E – pra mim o mais inusitado – a final da Copa do Mundo não vai ter Brasil, Itália, Argentina ou Alemanha.

Li coleguinhas dizendo que é “novidade”, “momento histórico”, e tal. Perdão, caros. Para mim não é “novidade”. É um absurdo.

“Então só os grandes podem ter vez, é?” Não. Qualquer um pode ter a sua vez. Os grandes é que não podem deixar a sua vaga escapar.

Brasil, Argentina, Itália e Alemanha moldaram o jogo de futebol como conhecemos. Sem eles, o futebol não seria o mesmo. Não teria ginga, criatividade ou graça. Não teria garra, emoção e categoria. Não teria líbero, e meio campo pegador. Não teria a mesma organização tática, força e disciplina.

Se todos eles fracassam, fracassa o jogo que aprendemos a admirar. Mudança radical, que não vi ser para melhor.

Só admito todos eles fora em caso extremo extremíssimo. Se a Holanda de 74 ocupasse o lugar. Ou a Espanha cheia de craques dos anos 50, que tinha até Di Stefano e Puskas.

Mas a Holanda de 2010 não é a Holanda de 74. E a Espanha de 2010 é a Espanha de sempre.

Fatos, que nem todos querem ver: os ditos craques claramente chegaram mortos, quebrados ou desinteressados no torneio. Não jogaram nada. Nas oitavas de final, erros crassos dos árbitros, contra México e Inglaterra, definiram classificados. Não houve uma única e escassa tentativa – sequer esboço – de inovação tática de ninguém.

Houve jogos emocionantes – claro. Mas emoção motivada pela ruindade, pelo erro. Casos da desclassificação de Gana e do Paraguai. Perder pênaltis no último minuto da prorrogação e dois no mesmo minuto, em fase decisiva de Copa, é imperdoável. Mas deixou os jogos bem mais emocionantes mesmo.

A Copa lembrou, de certa maneira, o Brasileirão do ano passado. Vários times tiveram chance e todas as condições de ganhar o campeonato, mas deixaram escapar. Ganhou o Flamengo porque, por acaso, estava em primeiro quando acabaram as rodadas. Estava claro que, se houvesse mais jogo, poderia dar outro time.

Como ninguém quis ganhar, Holanda e Espanha disputam o título no domingo. Finalmente, um desses contumazes fracassados em Copas do Mundo será o vencedor. O fortuíto campeão de uma Copa cheia de “novidades”.

Soccer City, um ano depois

Ifraim até que fez bem sua parte: logo cedo, na segunda-feira fria, recebeu os turistas com um sorriso, para o tour no Soccer City (aliás, agora é FBN Stadium – ganhou nome de banco). Ele é segurança desde o começo da obra – sabe tudo sobre a construção, jogos, história. Cobrou 250 rands (60 reais) pelo passeio de dois adultos e um estudante. Já mesmo na entrada, deu um recibo escrito à mão, mas não tinha 10 rands de troco.

Mas valeu, pela simpatia dele. Contou detalhes da construção, do sacrifício de um bezerro no meio do campo para acalmar os espíritos, dos sistemas de rega da grama e de câmeras de segurança, do teto italiano que não protege ninguém da chuva. Ifraim valeu o ingresso.

Fomos aos vestiários, às luxuosas tribunas, sala de conferências, subimos ao campo pelo túnel principal. Enfim, o que se espera de uma visita a um estádio de futebol com uma história curta, ainda que estrelada. Uma bela obra de arquitetura, sem dúvida. Mas, para ver, mesmo, pouco. Um quadro no saguão, com os “Big Five” (Pelé, Maradona, Beckembauer, Zidane e (!) Geoff Hurst) é a maior referência histórico/artística do lugar. Mais ou menos no nível da final da Copa daqui, que não foi exatamente uma obra prima.

Junto a uma grande maquete e algumas fotos que fazem referências à abertura e à final da Copa, imagens dos dois eventos que mais encheram o lugar no ano passado: shows do U2 e de Neil Diamond. “Tem jogo aqui ainda?”, pergunto. “Sim”, diz o Ifraim. “Em algumas semanas tem até quarta e sábado – futebol e rugby.”

Em uma semana se completará um ano da final da Copa de 2010, aqui mesmo. Em volta do estádio, a mesma poeira de um ano atrás, mas, claro, muito menos movimento. Aliás, nenhum movimento. Nas pistas em volta do Soccer City, ninguém, nem a pé, nem de carro. Vias novas, largas e vazias. Os semáforos estão desligados até. Alguns foram mesmo desativados, e, deitados no chão, esperam pelo tempo passar.

Ali perto, uns dois quilômetros, se tanto, fica o Museu do Apartheid, que visitei pela quarta vez. Foram 150 rands (32 reais) para nós três – eu, minha esposa Sandra e meu sobrinho Guilherme. Ficamos três horas lá dentro, vendo fotos, filmes, documentos, lendo, conversando. Só saímos quando fechou. É claro que uma coisa não se compara à outra. Mas são atrações turísticas, que cobram, creio, com base no necessário para se manter.

Vi que, neste primeiro ano, até que foi bom o volume de visitas (e dinheiro) obtido com turismo no Soccer City (fiz referência sobre isso em outro texto sobre obras da Copa na África do Sul – olhe aqui). Mas, será que, com o tempo passando, o interesse será o mesmo? E os jogos aqui, quantos serão?

Bem perto, o outro estádio de Joanesburgo na Copa, o Ellis Park, segue funcionando, com “jogos até duas vezes por semana”. Lá, por sinal, nem se cobra pelo tour – que nós também fizemos. Um estádio menor, menos imponente, mas com muito mais história. Afinal, além de várias finais regionais, foi ali que os Springboks ganharam o Mundial de Rugby de 1995, com Pinnard em campo e Mandela na arquibancada, como contado no filme Invictus.

Não sou contra Copa (como poderia, depois de estar em três?), nem acho que não se pode dar a ela o peso que a FIFA quer, nem as culpas que os críticos impõem. Copa cria emprego e negócios para poucos (os de sempre), não revoluciona cidades ou acaba com seus problemas. Gera, isso sim, algumas obras, um movimento econômico/imagético temporário e um ganho na auto-estima que, se bem aproveitados, podem ter efeitos extraordinariamente positivos. Mal aproveitados, terminam em estádios vazios, cercados de enormes pistas, semáforos desligados. E uma grande desilusão.

Ainda hoje ouvi que uma das “jóias” do Euro 2004 foi colocado à venda no fim de semana. O estádio do União de Leiria, em Portugal, custa mais de um milhão de euros por ano. A cidade não aguenta mais pagar essa conta. Feito para a competição, ele “se pagaria”, com shows, tours, jogos, eventos. Não deu.

Já Londres comemora o “legado”: o bairro do parque olímpico de 2012 já está parcialmente revitalizado, com estações de metrô melhoradas, ruas renovadas. O maior shopping center da Europa fica ao lado do Parque Olímpico, e vai gerar 10 mil empregos.

Que o sorriso de Ifraim, lá no Soccer City, dure por muitos anos. Que ele não tenha, daqui um tempo, vontade de mudar para Londres (ou para o Rio, quem sabe). Nem ter de pedir emprego ali perto, no Museu do Apartheid.

Pra fechar, fotchinha para os coleguinhas. Amigos, abaixo, a real Mandela Square, sem tenda da Sony. Depois que passa a Copa, a vida volta ao normal.

FIFA, COI, governos… não faltou aviso

Leio – oh! – que a FIFA e o Comitê Olímpico querem aprovar uma lei que os coloca – oh! – acima da lei de licitações.

Escrevi sobre isso no ano passado, durante a Copa. A TV Brasil fez matéria.

Relembre aí embaixo.

Copa e Olimpíada não são a maravilha que apregoam os realizadores, nem precisa ser a roubalheira que dizem os críticos.

É algo de relativo impacto na economia. E imenso impacto na auto-estima do povo. Sendo bem regido, traz ótimos resultados para todos. Sendo mal conduzido, traz lucros para alguns.

Esses últimos, aliás, não perdem nunca.

da internet

Ao assinar o contrato que define um país como sede de Copa, a FIFA exige que ele faça de tudo para proteger seus direitos e de seus parceiros.

Aqui na África do Sul várias leis foram mudadas pra satisfazer a entidade, como mostrado aqui, no Repórter Brasil.

A reportagem também fala da imensa polêmica em torno do vestidinho laranja das modelos/ cervejaria holandesa.

Seria bom que os sempre solertes legisladores brasileiros – e quem quer ser no futuro próximo também – atentassem para isso. Receber o evento, ótimo. Mas sem jogar a soberania no lixo.

Mesmo que seja “só” por um mês de 2014.

Complementando: num momento de lucidez, a Fifa resolveu não levar a ação criminal à frente. Deu pra contar minutos depois do anúncio, no Repórter Brasil manhã. Veja aqui.

Dia da Criança Africana

Repito aqui o post que publiquei há exatamente um ano, no local onde ocorreu o massacre que deu origem à celebração de hoje, no bairro do Soweto, Joanesburgo, África do Sul.

Além da linda foto de Marcelo Casal, nele há o link para a reportagem que fiz para a TV Brasil, em meio à Copa do Mundo.

Aqui em Moçambique, é dia de dupla homenagem. Às crianças e aos velhos combatentes. Pois foi também num 16 de junho que se deu o episódio que motivou o início da luta de libertação do país (na prática foi em 25 de Setembro, o “dia do primeiro tiro”).

Há 51 anos, ocorreu o Massacre da Mueda, quando as forças coloniais responderam a bala a um dos primeiros movimentos pró-independência de Moçambique.

Levou 15 anos para chegar à libertação. Muita gente morreu no período. Tanto aqui, na luta armada, quanto em Portugal – primeiro, o ditador Antonio de Oliveira Salazar; e, em 1974, a ditadura que ele instalou.

Minha homenagem a quem luta pela sua causa. Entre eles, Ahmed Kathada, que aparece na reportagem aí. Acabo de ler a biografia de Nelson Mandela e “Kathy” – como Mandela refere-se a ele – é personagem de muito destaque. No livro, e na luta.

Esta quarta-feira foi o Dia da Juventude. Ela saiu às ruas de Soweto para lembrar que liberdade se conquista. E o quanto custa essa conquista.

O garoto da foto ficou nos rodeando durante a visita ao memorial de Hector Pieterson. Ele tem 11 anos, a mesma idade que tinha Pieterson quando morreu baleado pela polícia no protesto que deu origem ao feriado. Ele lia os nomes dos meninos que morreram na época, nos conflitos que seguiram ao ataque de Soweto. Eles estão marcados nessas pedras, espalhadas pelo chão.

Reparou nos olhos dele?

Fotos do Marcelo Casal, da Agência Brasil. A galeria completa está aqui.

A visita também rendeu reportagem no Repórter Brasil, que conta mais detalhes sobre a data, o significado dela e traz uma entrevista com um ícone sul-africano, Ahmed Kathrada, um dos ativistas condenado à prisão perpétua junto com Mandela, em 1964. Veja aqui.

Comprei de cambista. Mas calma, que eu explico

Revendo os textos do ano passado, notei que este aqui não estava mais no arquivo do site – sabe-se lá porquê. Como deu trabalho pra escrever (e o Elefante anda meio borocoxô esses dias), republico, tal qual foi escrito, em 29 de junho do ano passado, durante a Copa do Mundo.

Já teci aqui considerações nada elogiosas sobre os cambistas e sobre quem compra deles. Como você vê aqui no post anterior sobre o tema, e também aqui, na reportagem que fiz no primeiro jogo do Brasil, acredito que não há muita solução para situações em que há um espertão prestando uma picaretagem de um lado e um malandrão do outro pronto a pagar por ela.

Mas ontem vi Brasil e Chile com ingresso comprado na porta. E, creio, sem alimentar esse ciclo de gente ixperrrta.

Calma que eu explico. Como você vai ver no fim, fundamental foi ter calma e paciência.

Na véspera encontrei sujeito comprando ingresso por 600 dólares – nem vi qual o preço original dele, mas o camarote custa 260. O vendedor era uma brasileiro todo saliente, agindo sem medo ou remorso na Praça Nelson Mandela.

Parêntesis: ridículo e vergonhoso ver coleguinha vendendo ingresso com preço majorado. E tem de monte. Penso seriamente em colocar os nomes deles aqui. Que tal depois que a copa acabar, só pra fazer suspense? Vou pensar.

Claro que acontece de alguém ter comprado ingresso achando que não seria escalado pra partida, depois acabar tendo que trabalhar no jogo (ou fazer outro jogo) e quer só recuperar o que investiu. Normal. Mas quem faz isso cobra preço de face desde o primeiro minuto. Não tenta ganhar em cima. Fecha parêntesis.

Horas antes do jogo tinha cara oferecendo ingresso por 300 euros na porta do Ellis Park. Aliás, como você já viu na reportagem lá em cima (link aqui de novo) a rua em frente à entrada principal do estádio é quase uma Feira do Bilhete. E, de novo, estava fervendo. Parecia a bolsa de valores no tempo do pregão viva-voz.

Pois bem. Como minha obrigação era acompanhar a entrada dos torcedores, para o caso de alguma problema, e já tinha decidido fazer uma reportagem só depois do jogo (que você vê como ficou no próximo post, lá em cima), fiquei meio de bobeira cerca de meia hora antes do começo da partida.

Já estava lá mesmo, na “feira”, fiquei observando. À medida que o tempo passava, o preço baixava. Comecei a ver gente que uma hora antes estava cheia de gingado ao oferecer ingressos pelo dobro do preço agora corria, com cara de preocupado, pra não ficar com o mico na mão.

Às 20:28h, um ex-ixpeerrrrto chegou me perguntando, “quanto eu pagava” pelo ingresso. Olhei bem pra ele, lembrei quanto tinha no bolso e disse “50 dólares”. Ele me olhou de volta com cara de espanto. “Mas comprei por 100 – tá aqui, ó”, disse, me mostrando o valor de face. Ao que respondi, fina, calma e pacientemente: “Problema seu. Então limpa o nariz com essa porcaria”.

Claro que ele vendeu. E, burrro, eu deveria ter oferecido menos. Ele pegaria do mesmo jeito.

Quando sentei no meu lugar (ingresso número 1400155947, Category 3, Gate 2, Upper Level, Block 039, fila Q, assento 09) o placar marcava 4 minutos do primeiro tempo (o lugar, aliás, era exatamente o do bilhete – não tinha nenhum outro ixperrrto sentado nele). Só perdi o hino. Que, como é pela metade, nem me importei muito.

Só pra comparar as duas últimas vezes que fui a um estádio. A última ontem, a 50 dólares, pouco menos de 90 reais. Antes, foi no Campeonato Brasileiro do ano passado (ou foi no Paulista do ano passado? Enfim, foi no ano passado), numa das idas a São Paulo. Fui ver Palmeiras e Santos no Palestra Itália, sozinho, sem estacionamento, com chuva, num sábado à tarde. Placar 1 a 1, um jogo horroroso. Quanto paguei pelo ingresso no Palestra? DUZENTOS reais, por uma cadeira parcialmente coberta.

Claro que não é todo mundo que consegue ter paciência numa hora dessas. Eu estava lá trabalhando, sem nenhum medo de não ver o jogo. Iria fazer exatamente o que fiz nos outros três: procurar uma TV num lugar aquecido, pedir um café e acompanhar a partida. Agir de caso pensado exigiria sangue frio. Calma e paciência.

Mas que foi uma delícia a ver a cara do bonitão me vendendo o ingresso pela metade do que ele pagou, foi.

PS: por razões estritamente higiênicas, os fatos foram ligeiramente adaptados para serem contados neste blog – do qual minha mãe e minha tia são leitoras, inclusive. Principalmente o trecho em que reproduzo a educada conversa com o cambista, transcrita como “”Problema seu. Então limpa o nariz com essa porcaria”. Na realidade, os termos utilizados não foram exatamente esses. Notadamente os “porcaria” e “nariz”.

Calma e paciência, meu caro. O resto é tudo verdade.

Se dois já incomodavam…

Além do ElefanteNews e do Mosanblog, convido os interessados em África a conhecer o Na Ponta do Lápis, do meu sobrinho Guilherme, que vai fazer 15 anos.

Ele ficará seis meses aqui conosco para, como eu pus aí ao lado, ver que o mundo vai além de Itaquaquecetuba.

Poderia ter escrito Itaquera. Mas daí já ía ter quem achasse que era uma provocação com a pouquíssima milhagem do nosso Córintchia.

E é. Itaquaquecetuba, pra quem não sabe, é na Via Dutra, logo depois que sai de São Paulo, a caminho do Rio. Só acho o nome mais sonoro que Itaquera. Só isso.

Dêem uma trombada lá também.