Hora de voltar – mas a luta continua

Contando com os preparativos – que não foram poucos – a África já é parte da nossa vida há mais de dois anos.

Aqui em Moçambique, lá se vai mais de ano e meio.

Vir não foi uma decisão simples. Mas voltar também não foi.

Aqui criamos novos hábitos, aprendemos coisas novas, visitamos lugares lindos, recolhemos muito conhecimento (além de uns livrinhos, roupas muito bonitas e muitos enfeites para casa…).

Mas, principalmente, fizemos amigos. Gente que nos acolheu sem sequer nos conhecer, que nos ajudou a estabelecer uma rotina, nos acarinhou, muito nos ensinou pelo simples prazer de nos ter por perto.

E também muita gente que nunca vi, outros que nem sequer falei, mas que lêem o que escrevo no ElefanteNews, no Facebook e no Twitter, comentam de volta, e que só conheço por escrito.

Em alguns casos foi um reencontro, depois de muitos anos – real e virtual. Nova prova de que tempo e distância não atrapalham as verdadeiras amizades. E minha vida de andarilho já me mostrou mais de uma vez que são elas que ficam.

Não sei como agradecer, porque realmente não há como. Não há o que retribua a generosidade da companhia, o prazer da convivência, a alegria do compartilhar.

Tentarei assim: muito obrigado, sinceramente.

Vida que segue, diria João Saldanha. Em breve, a TV Brasil/EBC (o que me trouxe, inicialmente) vai mandar novo correspondente para a África, que também ficará baseado em Maputo.

O ElefanteNews (eduacatro.wordpress.com) surgiu de nossa vinda para cá, mas – caminante que é – vai continuar a abrir suas sendas por aí. Ele sai de férias comigo, mas deve voltar, de barba feita e banho tomado, assim que nos reestabelecermos em algum lugar.

“Em algum lugar” porque não sabemos exatamente onde será. Estamos retornando ao Brasil por razões familiares e, por isso, devemos ficar perto de onde está a maior parte da família – São Paulo. Mas é duro voltar para uma cidade deste tamanho depois de 12 anos fora. Assim, estamos vendo com calma.

Não é todo canto que aceita um elefante…

O mesmo vale para o futuro profissional. Não sei onde, mas certamente será “trombando com as notícias, sempre contra a manada”.

Ate breve.

Gigante Adamastor, Mandela e o fim do mundo

Durante muito tempo, o Cabo das Tormentas era considerado o fim do mundo.

Hoje, nem o fim da África é mais – os mapas agora mostram o Cabo Agulhas como o ponto mais ao sul do continente.

Mas a história ficou. Os naufrágios também.

Aqui, na pontinha da África do Sul, as ondas batem firme, a água é esverdeada e o vento é muito frio e forte.

Esse vento que virava barcos e matava tripulações inteiras ganhou vida na literatura: é o Gigante Adamastor, dos Lusíadas de Luis de Camões, que atacava quem tentava invadir seus domínios, no Oceano Índico, aqui pelo Cabo – hoje conhecido pelo nome de “Boa Esperança”.

O nome ficou mais ameno. Mas os ventos continuam assustadores.

Fomos ao fim do mundo durante nossa visita à Cidade do Cabo.

E também estivemos em outro lugar que representa bem o fim do mundo, o fim da picada, mas – paradoxalmente – é o berço de uma história fantástica e um trajeto inigualável: o longo caminho para a liberdade, vivido por Nelson Mandela (a expressão, inclusive, é o título da autobiografia dele).

Condenado à prisão perpétua por lutar contra o apartheid, Mandela passou 18 anos aqui – numa cela de dois metros por três, num pátio do tamanho de uma quadra de tênis e numa mina de calcário, local dos trabalhos forçados. Ele, e seus colegas de prisão, fizeram da injustiça combustível para mudar seus destinos e o do país, e transformaram este cenário numa verdadeira universidade.

Hoje, aos 93 anos, Mandela passou de “perigoso terrorista” a ídolo de todos. Ao chegar ao poder, deixou de lado qualquer desejo de vingança e governou para verdadeiramente integrar e reconciliar o país.

A África do Sul de hoje está longe de ser o paraíso na Terra. Mas também está longe do que foi por muito tempo – um estado racista e desumano.

Um verdadeiro fim de mundo.

Valeu, TV Miramar

Foram quase oito meses aqui, conhecendo de perto uma realidade televisiva – ao mesmo tempo – tão próxima e tão distante da nossa.

Conheci gente excelente, trabalhando em condições e quantidade que muito medalhão brasileiro simplesmente não daria conta.

Vi a influência gigantesca que o Brasil tem nos países lusófonos – para o bem e para o mal. Na vida, na moda, na música, na língua e também no jeito de ver e fazer televisão.

Aos que me permitiram estar aqui, meu muito obrigado. Aos que conviveram comigo aqui, muito, mas muito obrigado mesmo.

Até uma próxima.

O que vou fazer agora? Férias. Pra mim e para o ElefanteNews.

Cesária Évora encerra carreira

Cesária Évora – a “diva caboverdiana dos pés descalços” – anuncia o fim de sua carreira.

Ela queria seguir cantando, mas o tempo é implacável – veja aqui.

Estive em Cabo Verde em 2010. Como em todo país lusófono, lá também toca muita música brasileira. Mas Cesária estava em toda parte.

Vai continuar, certamente.

Sodade, desde já.

A Miss Angola e a vida de miss

A coleguinha Madeleine Lacsko tem trajetória profissional, de certa forma, parecida com a minha: depois de um tempão numa rádio grande de São Paulo (a Jovem Pan, no caso dela), foi pra Brasília, trabalhou em empresa pública (Rádio Justiça) e acabou aqui na África (Angola).

De bebê novinho, voltou para São Paulo, para – certamente – olhar para a cidade e sua gente como nunca dantes.

As referências mudam. O tamanho dos problemas, principalmente.

Aliás – paulistano classemédiaalta querido – pra rever conceitos, abrir a mente, dar mais valor ao que tem, não precisa bater o carro, viver experiência de quase-morte ou falir de maneira irremediável.

É só viajar um pouco – claro, longe do circuitinho Elizabeth Arden, paralelos e adjacências.

É da Madeleine o texto que vai aí embaixo, originariamente publicado no blog Vida de Madá (e o link para ele está aqui)

“A MISS ANGOLA E A VIDA DE MISS

A gente (Carlos Moraes e eu) torceu para a Leila Lopes, mas não só porque ela é linda e sambou na cara das outras.

É que, em Angola, miss é um troço diferente, importante e, ao mesmo tempo, lindo.

Não existe por lá essa figura meio apagada, meio caricata, que a gente mal sabe o nome e trilha essa vida de sub-celebridade, do ar condicionado ao programa de variedades, estampada nas fotinhos menos importantes de coluna social.

Miss Angola é uma pessoa importante para a sociedade do próprio país, que todo mundo conhece, sabe o nome, sabe a cara.

Além disso, é uma moça que põe a mão na massa, põe o pezinho no barro, dá voz a campanhas importantes, usa a própria beleza para fazer a diferença na vida de muita gente que precisa de verdade.

A minha experiência foi com a Miss Angola do ano passado, a Jurema Ferraz, negra com uns olhos de chinesa, uma cara diferente e um jeito de menina.

Eu, no Sambizanga (só quem vive em Luanda entende), ouço que a Miss Angola ia participar da abertura nacional da Campanha de Vacinação contra a Pólio, da qual eu fazia parte.

E aí que eu já pensei que a moça ia dar um puta trabalho, que não ia querer andar na lama, que ia ter frescura com as crianças, a falta de estrutura, a falta de banheiro e tudo mais.

Mas Jurema Ferraz surpreende. Surge de tênis no pé, toda empolgada para vacinar as crianças. Amassa barro, se envereda pelas vielas e, sempre com um sorriso no rosto, beija criança suja, catarrenta, descalça, sem roupa.

Decora algumas coisas sobre a vacina contra a pólio, sorri para as mães, pede que avisem as vizinhas, as parentes, vacina mais crianças, tudo isso com a faixa de Miss Angola no peito.

Não há como negar que a Miss Angola foi importante ali.

E, bem lembrado pelo Kênio Andrade, o episódio em que a mesma moça, sem salto e sem luxo, passou o dia todinho na porta do Belas Shopping, o único de Angola.

São umas 30 lojas, se tanto, um único andar e os melhores cinemas do país. Um supermercado grande, todos os ricos disputando vaga para os carrões praticamente a tapa.

O caso é que ali, na porta, o dia todo, a Miss Angola pedia donativos para montar cestas básicas ou agasalhos para os pobres. Teve sucesso. Depois, com a mesma simplicidade, foi entregar todas as cestas para as pessoas.

A importância da Miss de um país não se faz no concurso, se faz no dia-a-dia, na capacidade que ela tem de usar a própria beleza em prol de algo maior que a beleza.

Sem falar na condição feminina em Angola, tão problemática, tão desigual, capaz de render livros e mais livros sem a gente entender como isso existe.

Angola é um lugar cheio de problemas, mas onde as pessoas são tão bem feitas, de uns corpos tão lindos e umas caras tão desenhadas que, às vezes, a gente nem acredita no que está vendo.

E eu, por ali, mal acreditava que a Miss Angola podia ser algo tão interessante. Por isso a empolgação da gente, esse bando de expatriados, com essa história de Miss Universo.

A Suazilândia, as virgens, os negócios

A Suazilândia é a única monarquia absolutista da África. O país é bem pequeno – quem entra nele, de carro, pela fronteira com Moçambique, chega do outro lado, na África do Sul, em apenas três horas.

Um milhão de habitantes dividem o espaço com uma bela paisagem, leões, rinocerontes, macacos, búfalos, enormes plantações de cana de açúcar. E com a família real.

Dividem o espaço, mas não a riqueza. De cada três suazis, dois vivem com menos de um dólar por dia. Dificuldade, é evidente, que não atinge o rei ou seus familiares.

Assim, ser da família real (na Suazilândia e em qualquer outra parte que ainda tenha família real, diga-se), acaba sendo um bom negócio.

Ponto, parágrafo.

Na última semana, milhares de jovens reuniram-se para uma cerimônia que se repete há 25 anos. As meninas do reino suazi dançam e homenageiam a Rainha-Mãe. Trazem para ela caniços (longos bambus) que servirão para adorno e segurança do palácio em que ela vive.

A festa também celebra a unidade nacional e a pureza das jovens – é o que diz o texto que recebemos do Ministério do Turismo.

As garotas – 80 mil, segundo a casa real – vêm de todo reino. Recolhem os caniços em um ponto pré-determinado, carregam os feixes a pé pela estrada, trazem os presentes até o palácio da Rainha e dançam em um estádio montado só parta a ocasião.

Tudo isso leva oito dias (como a Sandra explicou em detalhes aqui, no Mosanblog). O rei participa dos dois últimos, ao assistir às danças e anunciar se, desta vez, escolherá uma das meninas para ser sua próxima esposa.

Ele já fez isso 13 vezes.

Ponto, parágrafo.

Será que é muito diferente que preparar seu menino de nove anos para um empresário levá-lo pra jogar na Europa? Ou a sua garotinha para a agência de modelos, que fará dela uma estrela dos próximos comerciais, do concurso de miss, do programa de humor ou do estábulo do próximo reality?

Sei não.

Ponto final.

Elefantes no ElefanteNews


Legenda: o de azul sou eu. Os de cinza são os elefantes. Não confunda.

Fomos ao Kruger Park mais uma vez. Desta, vimos todos os tais “Big Five”: elefante, leão, leopardo, rinoceronte e búfalo. Também vimos veados (aos montes), bisão, girafa, etc, etc.

Mas as estrelas da vez foram os elefantes. Não poderiam deixar de aparecer por aqui – claro.

Em abril, o parque estava verde. Agora, bem seco. Parecia outro lugar. Fica a 100 quilômetros aqui de casa. Iremos de novo sempre que der.

Mandela Day 2011

Mandela faz hoje 93 anos.

Integrante da realeza de sua região, foi estudar e montou o primeiro escritório de advocacia comandado por negros na África do Sul (ele e Oliver Tambo – que hoje é o nome do aeroporto de Joanesburgo).

Africanista de princípio, foi moldando seu pensamento durante a luta contra a discriminação e o apartheid. No começo, defendia que os negros retomassem o país e expulsassem os brancos. Com o tempo, viu que isso o igualava com os racistas, e mudou de posição.

Passou 27 anos preso por lutar para simplesmente poder ser ele mesmo. Recusou a liberdade quando ela foi oferecida sob condições. Só saiu realmente livre, para pensar e agir. Eleito presidente, poderia massacrar quem o massacrou – mas não. Até contra a vontade de muitos de seus apoiadores, mostrou que o país ( e o mundo) é de todos.

Li sua autobiografia. Agora, estou lendo sua biografia escrita por um jornalista. Ele não é santo – cometeu erros, mudou de opinião, reviu o que havia dito, feito e escrito. Mas… mas.

A ONU consagra o 18 de julho a Nelson Mandela. Longa vida a quem deu a maior parte dela a uma causa. Que viva Nelson Mandela.

Soccer City, um ano depois

Ifraim até que fez bem sua parte: logo cedo, na segunda-feira fria, recebeu os turistas com um sorriso, para o tour no Soccer City (aliás, agora é FBN Stadium – ganhou nome de banco). Ele é segurança desde o começo da obra – sabe tudo sobre a construção, jogos, história. Cobrou 250 rands (60 reais) pelo passeio de dois adultos e um estudante. Já mesmo na entrada, deu um recibo escrito à mão, mas não tinha 10 rands de troco.

Mas valeu, pela simpatia dele. Contou detalhes da construção, do sacrifício de um bezerro no meio do campo para acalmar os espíritos, dos sistemas de rega da grama e de câmeras de segurança, do teto italiano que não protege ninguém da chuva. Ifraim valeu o ingresso.

Fomos aos vestiários, às luxuosas tribunas, sala de conferências, subimos ao campo pelo túnel principal. Enfim, o que se espera de uma visita a um estádio de futebol com uma história curta, ainda que estrelada. Uma bela obra de arquitetura, sem dúvida. Mas, para ver, mesmo, pouco. Um quadro no saguão, com os “Big Five” (Pelé, Maradona, Beckembauer, Zidane e (!) Geoff Hurst) é a maior referência histórico/artística do lugar. Mais ou menos no nível da final da Copa daqui, que não foi exatamente uma obra prima.

Junto a uma grande maquete e algumas fotos que fazem referências à abertura e à final da Copa, imagens dos dois eventos que mais encheram o lugar no ano passado: shows do U2 e de Neil Diamond. “Tem jogo aqui ainda?”, pergunto. “Sim”, diz o Ifraim. “Em algumas semanas tem até quarta e sábado – futebol e rugby.”

Em uma semana se completará um ano da final da Copa de 2010, aqui mesmo. Em volta do estádio, a mesma poeira de um ano atrás, mas, claro, muito menos movimento. Aliás, nenhum movimento. Nas pistas em volta do Soccer City, ninguém, nem a pé, nem de carro. Vias novas, largas e vazias. Os semáforos estão desligados até. Alguns foram mesmo desativados, e, deitados no chão, esperam pelo tempo passar.

Ali perto, uns dois quilômetros, se tanto, fica o Museu do Apartheid, que visitei pela quarta vez. Foram 150 rands (32 reais) para nós três – eu, minha esposa Sandra e meu sobrinho Guilherme. Ficamos três horas lá dentro, vendo fotos, filmes, documentos, lendo, conversando. Só saímos quando fechou. É claro que uma coisa não se compara à outra. Mas são atrações turísticas, que cobram, creio, com base no necessário para se manter.

Vi que, neste primeiro ano, até que foi bom o volume de visitas (e dinheiro) obtido com turismo no Soccer City (fiz referência sobre isso em outro texto sobre obras da Copa na África do Sul – olhe aqui). Mas, será que, com o tempo passando, o interesse será o mesmo? E os jogos aqui, quantos serão?

Bem perto, o outro estádio de Joanesburgo na Copa, o Ellis Park, segue funcionando, com “jogos até duas vezes por semana”. Lá, por sinal, nem se cobra pelo tour – que nós também fizemos. Um estádio menor, menos imponente, mas com muito mais história. Afinal, além de várias finais regionais, foi ali que os Springboks ganharam o Mundial de Rugby de 1995, com Pinnard em campo e Mandela na arquibancada, como contado no filme Invictus.

Não sou contra Copa (como poderia, depois de estar em três?), nem acho que não se pode dar a ela o peso que a FIFA quer, nem as culpas que os críticos impõem. Copa cria emprego e negócios para poucos (os de sempre), não revoluciona cidades ou acaba com seus problemas. Gera, isso sim, algumas obras, um movimento econômico/imagético temporário e um ganho na auto-estima que, se bem aproveitados, podem ter efeitos extraordinariamente positivos. Mal aproveitados, terminam em estádios vazios, cercados de enormes pistas, semáforos desligados. E uma grande desilusão.

Ainda hoje ouvi que uma das “jóias” do Euro 2004 foi colocado à venda no fim de semana. O estádio do União de Leiria, em Portugal, custa mais de um milhão de euros por ano. A cidade não aguenta mais pagar essa conta. Feito para a competição, ele “se pagaria”, com shows, tours, jogos, eventos. Não deu.

Já Londres comemora o “legado”: o bairro do parque olímpico de 2012 já está parcialmente revitalizado, com estações de metrô melhoradas, ruas renovadas. O maior shopping center da Europa fica ao lado do Parque Olímpico, e vai gerar 10 mil empregos.

Que o sorriso de Ifraim, lá no Soccer City, dure por muitos anos. Que ele não tenha, daqui um tempo, vontade de mudar para Londres (ou para o Rio, quem sabe). Nem ter de pedir emprego ali perto, no Museu do Apartheid.

Pra fechar, fotchinha para os coleguinhas. Amigos, abaixo, a real Mandela Square, sem tenda da Sony. Depois que passa a Copa, a vida volta ao normal.

TV Miramar no Hoje em Dia

O prêmio ganho pelo jornalismo da TV Miramar virou reportagem no Hoje em Dia, da TV Record do Brasil, que também é exibido aqui em Moçambique pela própria Miramar, e em mais de outros 100 países, via Record Internacional.

O nosso, muito nosso, Celso Zucatelli foi – como sempre – gentilíssimo com a TV Miramar, com a Selma, comigo e, claro, com o telespectador moçambicano.

Aqui, o link para a página do Hoje em Dia, onde há, inclusive, um trechinho da reportagem.

Celso, Edu, Jeane e Cris são tão conhecidos aqui quanto no Brasil. E, também como no Brasil, lideram a audiência em Moçambique, durante as tardes, quando o Hoje em Dia está no ar.