Gigante Adamastor, Mandela e o fim do mundo

Durante muito tempo, o Cabo das Tormentas era considerado o fim do mundo.

Hoje, nem o fim da África é mais – os mapas agora mostram o Cabo Agulhas como o ponto mais ao sul do continente.

Mas a história ficou. Os naufrágios também.

Aqui, na pontinha da África do Sul, as ondas batem firme, a água é esverdeada e o vento é muito frio e forte.

Esse vento que virava barcos e matava tripulações inteiras ganhou vida na literatura: é o Gigante Adamastor, dos Lusíadas de Luis de Camões, que atacava quem tentava invadir seus domínios, no Oceano Índico, aqui pelo Cabo – hoje conhecido pelo nome de “Boa Esperança”.

O nome ficou mais ameno. Mas os ventos continuam assustadores.

Fomos ao fim do mundo durante nossa visita à Cidade do Cabo.

E também estivemos em outro lugar que representa bem o fim do mundo, o fim da picada, mas – paradoxalmente – é o berço de uma história fantástica e um trajeto inigualável: o longo caminho para a liberdade, vivido por Nelson Mandela (a expressão, inclusive, é o título da autobiografia dele).

Condenado à prisão perpétua por lutar contra o apartheid, Mandela passou 18 anos aqui – numa cela de dois metros por três, num pátio do tamanho de uma quadra de tênis e numa mina de calcário, local dos trabalhos forçados. Ele, e seus colegas de prisão, fizeram da injustiça combustível para mudar seus destinos e o do país, e transformaram este cenário numa verdadeira universidade.

Hoje, aos 93 anos, Mandela passou de “perigoso terrorista” a ídolo de todos. Ao chegar ao poder, deixou de lado qualquer desejo de vingança e governou para verdadeiramente integrar e reconciliar o país.

A África do Sul de hoje está longe de ser o paraíso na Terra. Mas também está longe do que foi por muito tempo – um estado racista e desumano.

Um verdadeiro fim de mundo.

A segurança, Orlando e Luis

Durante o apartheid, Moçambique foi destino para muitos exilados sul-africanos. Entre tantos integrantes do CNA (Congresso Nacional Africano), o ex-presidente Thabo Mbeki – primeiro sucessor de Nelson Mandela – e o atual presidente, Jacob Zuma, viveram aqui.

Recentemente foi lançada, até, a pedra fundamental de um memorial que vai lembrar o episódio que ficou conhecido como “raid na Matola”, que matou 14 sul-africanos exilados que viviam na cidade vizinha à Maputo.

Uma ação parecida com o que os Estados Unidos fizeram há poucos meses no Paquistão, para matar Osama Bin Laden.

Em 31 de Janeiro de 1981, uma força especial do exército da África do Sul, então governado pelos racistas do Partido Nacionalista, invadiu o território moçambicano e atacou três casas na cidade da Matola, onde viviam os exilados. Eram todos combatentes do CNA, que lutavam pelo fim do apartheid e eram considerados terroristas pelo regime racista.

Não foi a única ação do tipo. Ataques aéreos também aconteceram.

Por isso, a segurança nas casas dos exilados do CNA era reforçadíssima. Mas nem sempre os vizinhos sabiam.

Um amigo, Orlando, quase morreu ao roubar frutas do vizinho – que vinha a ser Oliver Tambo, presidente do CNA no exílio, uma das maiores referências da vida de Nelson Mandela (a outra era Walter Sisulu) e, hoje, nome do aeroporto de Joanesburgo.

Na época um garoto de menos de dez anos, ele subiu na árvore no fundo de casa para roubar algumas frutas. Um dos galhos fez um estalo alto, e, em segundos, quatro ou cinco seguranças armados até os dentes (como diria o Homem Chavão) surgiram no jardim, prontos para atirar.

O susto foi imenso. Rindo (hoje, claro), Orlando faz troça, dizendo que, naquela idade, “jamais tinha imaginado que alguém pudesse ficar tão bravo por causa de umas frutinhas…”

Na mesa do almoço, ao lado de Orlando, Luis lembrou da vez que, na República Democrática do Congo (onde mora até hoje), ele quase foi soterrado pelos seguranças do presidente Joseph Kabila. Kabila herdou o poder depois que o pai foi assassinado, em 2001 – e foi eleito em 2006.

Luis trabalha com construção civil e foi chamado para ver um jogo de futebol na tribuna de honra de um estádio em Lubumbashi, no norte do país, do qual ele trabalhou na reforma. Bola rolando, sai um gol do time da casa. A torcida grita e ouve-se um barulho – fogos, talvez – ali perto. Os seguranças não tiveram dúvida: pularam todos em cima de Kabila, para protegê-lo. Quem estava no meio, foi pro chão também.

“E você não tirou foto?”, perguntou o Orlando, rindo. “Eu não!”, disse o Luis. “Vai que os seguranças não gostassem do barulho…”

PS: caso você seja daqui ou venha e queira conhecer o novo memorial da “raid da Matola” (que deve ficar pronto no fim do ano), aproveite para almoçar no Coisa Nossa, ali na mesma praça, na Matola mesmo. Diga ao Jorge, o proprietário, que é meu amigo. E vai ter de pagar a conta do mesmo jeito.

Mandela Day 2011

Mandela faz hoje 93 anos.

Integrante da realeza de sua região, foi estudar e montou o primeiro escritório de advocacia comandado por negros na África do Sul (ele e Oliver Tambo – que hoje é o nome do aeroporto de Joanesburgo).

Africanista de princípio, foi moldando seu pensamento durante a luta contra a discriminação e o apartheid. No começo, defendia que os negros retomassem o país e expulsassem os brancos. Com o tempo, viu que isso o igualava com os racistas, e mudou de posição.

Passou 27 anos preso por lutar para simplesmente poder ser ele mesmo. Recusou a liberdade quando ela foi oferecida sob condições. Só saiu realmente livre, para pensar e agir. Eleito presidente, poderia massacrar quem o massacrou – mas não. Até contra a vontade de muitos de seus apoiadores, mostrou que o país ( e o mundo) é de todos.

Li sua autobiografia. Agora, estou lendo sua biografia escrita por um jornalista. Ele não é santo – cometeu erros, mudou de opinião, reviu o que havia dito, feito e escrito. Mas… mas.

A ONU consagra o 18 de julho a Nelson Mandela. Longa vida a quem deu a maior parte dela a uma causa. Que viva Nelson Mandela.

De novo, um ano depois: “Novidade? Absurdo”.

Hoje faz uma ano que acabou a Copa da África.

O texto abaixo foi publicado nesta época, um ano atrás.

Deu discussão. Por isso – rá! – republico.

Reli e não me arrependo… Talvez tenha deixado entender que a Espanha era uma porcaria. Não era. É um bom time – mas nada revolucionário ou maravilhoso. O mesmo para Holanda, num grau um pouco abaixo, até.

Mereceu? Sim, diante do quadro. Se os grandes jogassem como grandes, tudo seria como sempre foi.

“Pela primeira vez desde sempre, Holanda ou Espanha será o campeão. A Europa vai ganhar uma Copa fora do continente. A seleção-sede não passou da primeira fase. E – pra mim o mais inusitado – a final da Copa do Mundo não vai ter Brasil, Itália, Argentina ou Alemanha.

Li coleguinhas dizendo que é “novidade”, “momento histórico”, e tal. Perdão, caros. Para mim não é “novidade”. É um absurdo.

“Então só os grandes podem ter vez, é?” Não. Qualquer um pode ter a sua vez. Os grandes é que não podem deixar a sua vaga escapar.

Brasil, Argentina, Itália e Alemanha moldaram o jogo de futebol como conhecemos. Sem eles, o futebol não seria o mesmo. Não teria ginga, criatividade ou graça. Não teria garra, emoção e categoria. Não teria líbero, e meio campo pegador. Não teria a mesma organização tática, força e disciplina.

Se todos eles fracassam, fracassa o jogo que aprendemos a admirar. Mudança radical, que não vi ser para melhor.

Só admito todos eles fora em caso extremo extremíssimo. Se a Holanda de 74 ocupasse o lugar. Ou a Espanha cheia de craques dos anos 50, que tinha até Di Stefano e Puskas.

Mas a Holanda de 2010 não é a Holanda de 74. E a Espanha de 2010 é a Espanha de sempre.

Fatos, que nem todos querem ver: os ditos craques claramente chegaram mortos, quebrados ou desinteressados no torneio. Não jogaram nada. Nas oitavas de final, erros crassos dos árbitros, contra México e Inglaterra, definiram classificados. Não houve uma única e escassa tentativa – sequer esboço – de inovação tática de ninguém.

Houve jogos emocionantes – claro. Mas emoção motivada pela ruindade, pelo erro. Casos da desclassificação de Gana e do Paraguai. Perder pênaltis no último minuto da prorrogação e dois no mesmo minuto, em fase decisiva de Copa, é imperdoável. Mas deixou os jogos bem mais emocionantes mesmo.

A Copa lembrou, de certa maneira, o Brasileirão do ano passado. Vários times tiveram chance e todas as condições de ganhar o campeonato, mas deixaram escapar. Ganhou o Flamengo porque, por acaso, estava em primeiro quando acabaram as rodadas. Estava claro que, se houvesse mais jogo, poderia dar outro time.

Como ninguém quis ganhar, Holanda e Espanha disputam o título no domingo. Finalmente, um desses contumazes fracassados em Copas do Mundo será o vencedor. O fortuíto campeão de uma Copa cheia de “novidades”.

Soccer City, um ano depois

Ifraim até que fez bem sua parte: logo cedo, na segunda-feira fria, recebeu os turistas com um sorriso, para o tour no Soccer City (aliás, agora é FBN Stadium – ganhou nome de banco). Ele é segurança desde o começo da obra – sabe tudo sobre a construção, jogos, história. Cobrou 250 rands (60 reais) pelo passeio de dois adultos e um estudante. Já mesmo na entrada, deu um recibo escrito à mão, mas não tinha 10 rands de troco.

Mas valeu, pela simpatia dele. Contou detalhes da construção, do sacrifício de um bezerro no meio do campo para acalmar os espíritos, dos sistemas de rega da grama e de câmeras de segurança, do teto italiano que não protege ninguém da chuva. Ifraim valeu o ingresso.

Fomos aos vestiários, às luxuosas tribunas, sala de conferências, subimos ao campo pelo túnel principal. Enfim, o que se espera de uma visita a um estádio de futebol com uma história curta, ainda que estrelada. Uma bela obra de arquitetura, sem dúvida. Mas, para ver, mesmo, pouco. Um quadro no saguão, com os “Big Five” (Pelé, Maradona, Beckembauer, Zidane e (!) Geoff Hurst) é a maior referência histórico/artística do lugar. Mais ou menos no nível da final da Copa daqui, que não foi exatamente uma obra prima.

Junto a uma grande maquete e algumas fotos que fazem referências à abertura e à final da Copa, imagens dos dois eventos que mais encheram o lugar no ano passado: shows do U2 e de Neil Diamond. “Tem jogo aqui ainda?”, pergunto. “Sim”, diz o Ifraim. “Em algumas semanas tem até quarta e sábado – futebol e rugby.”

Em uma semana se completará um ano da final da Copa de 2010, aqui mesmo. Em volta do estádio, a mesma poeira de um ano atrás, mas, claro, muito menos movimento. Aliás, nenhum movimento. Nas pistas em volta do Soccer City, ninguém, nem a pé, nem de carro. Vias novas, largas e vazias. Os semáforos estão desligados até. Alguns foram mesmo desativados, e, deitados no chão, esperam pelo tempo passar.

Ali perto, uns dois quilômetros, se tanto, fica o Museu do Apartheid, que visitei pela quarta vez. Foram 150 rands (32 reais) para nós três – eu, minha esposa Sandra e meu sobrinho Guilherme. Ficamos três horas lá dentro, vendo fotos, filmes, documentos, lendo, conversando. Só saímos quando fechou. É claro que uma coisa não se compara à outra. Mas são atrações turísticas, que cobram, creio, com base no necessário para se manter.

Vi que, neste primeiro ano, até que foi bom o volume de visitas (e dinheiro) obtido com turismo no Soccer City (fiz referência sobre isso em outro texto sobre obras da Copa na África do Sul – olhe aqui). Mas, será que, com o tempo passando, o interesse será o mesmo? E os jogos aqui, quantos serão?

Bem perto, o outro estádio de Joanesburgo na Copa, o Ellis Park, segue funcionando, com “jogos até duas vezes por semana”. Lá, por sinal, nem se cobra pelo tour – que nós também fizemos. Um estádio menor, menos imponente, mas com muito mais história. Afinal, além de várias finais regionais, foi ali que os Springboks ganharam o Mundial de Rugby de 1995, com Pinnard em campo e Mandela na arquibancada, como contado no filme Invictus.

Não sou contra Copa (como poderia, depois de estar em três?), nem acho que não se pode dar a ela o peso que a FIFA quer, nem as culpas que os críticos impõem. Copa cria emprego e negócios para poucos (os de sempre), não revoluciona cidades ou acaba com seus problemas. Gera, isso sim, algumas obras, um movimento econômico/imagético temporário e um ganho na auto-estima que, se bem aproveitados, podem ter efeitos extraordinariamente positivos. Mal aproveitados, terminam em estádios vazios, cercados de enormes pistas, semáforos desligados. E uma grande desilusão.

Ainda hoje ouvi que uma das “jóias” do Euro 2004 foi colocado à venda no fim de semana. O estádio do União de Leiria, em Portugal, custa mais de um milhão de euros por ano. A cidade não aguenta mais pagar essa conta. Feito para a competição, ele “se pagaria”, com shows, tours, jogos, eventos. Não deu.

Já Londres comemora o “legado”: o bairro do parque olímpico de 2012 já está parcialmente revitalizado, com estações de metrô melhoradas, ruas renovadas. O maior shopping center da Europa fica ao lado do Parque Olímpico, e vai gerar 10 mil empregos.

Que o sorriso de Ifraim, lá no Soccer City, dure por muitos anos. Que ele não tenha, daqui um tempo, vontade de mudar para Londres (ou para o Rio, quem sabe). Nem ter de pedir emprego ali perto, no Museu do Apartheid.

Pra fechar, fotchinha para os coleguinhas. Amigos, abaixo, a real Mandela Square, sem tenda da Sony. Depois que passa a Copa, a vida volta ao normal.

FIFA, COI, governos… não faltou aviso

Leio – oh! – que a FIFA e o Comitê Olímpico querem aprovar uma lei que os coloca – oh! – acima da lei de licitações.

Escrevi sobre isso no ano passado, durante a Copa. A TV Brasil fez matéria.

Relembre aí embaixo.

Copa e Olimpíada não são a maravilha que apregoam os realizadores, nem precisa ser a roubalheira que dizem os críticos.

É algo de relativo impacto na economia. E imenso impacto na auto-estima do povo. Sendo bem regido, traz ótimos resultados para todos. Sendo mal conduzido, traz lucros para alguns.

Esses últimos, aliás, não perdem nunca.

da internet

Ao assinar o contrato que define um país como sede de Copa, a FIFA exige que ele faça de tudo para proteger seus direitos e de seus parceiros.

Aqui na África do Sul várias leis foram mudadas pra satisfazer a entidade, como mostrado aqui, no Repórter Brasil.

A reportagem também fala da imensa polêmica em torno do vestidinho laranja das modelos/ cervejaria holandesa.

Seria bom que os sempre solertes legisladores brasileiros – e quem quer ser no futuro próximo também – atentassem para isso. Receber o evento, ótimo. Mas sem jogar a soberania no lixo.

Mesmo que seja “só” por um mês de 2014.

Complementando: num momento de lucidez, a Fifa resolveu não levar a ação criminal à frente. Deu pra contar minutos depois do anúncio, no Repórter Brasil manhã. Veja aqui.

Comprei de cambista. Mas calma, que eu explico

Revendo os textos do ano passado, notei que este aqui não estava mais no arquivo do site – sabe-se lá porquê. Como deu trabalho pra escrever (e o Elefante anda meio borocoxô esses dias), republico, tal qual foi escrito, em 29 de junho do ano passado, durante a Copa do Mundo.

Já teci aqui considerações nada elogiosas sobre os cambistas e sobre quem compra deles. Como você vê aqui no post anterior sobre o tema, e também aqui, na reportagem que fiz no primeiro jogo do Brasil, acredito que não há muita solução para situações em que há um espertão prestando uma picaretagem de um lado e um malandrão do outro pronto a pagar por ela.

Mas ontem vi Brasil e Chile com ingresso comprado na porta. E, creio, sem alimentar esse ciclo de gente ixperrrta.

Calma que eu explico. Como você vai ver no fim, fundamental foi ter calma e paciência.

Na véspera encontrei sujeito comprando ingresso por 600 dólares – nem vi qual o preço original dele, mas o camarote custa 260. O vendedor era uma brasileiro todo saliente, agindo sem medo ou remorso na Praça Nelson Mandela.

Parêntesis: ridículo e vergonhoso ver coleguinha vendendo ingresso com preço majorado. E tem de monte. Penso seriamente em colocar os nomes deles aqui. Que tal depois que a copa acabar, só pra fazer suspense? Vou pensar.

Claro que acontece de alguém ter comprado ingresso achando que não seria escalado pra partida, depois acabar tendo que trabalhar no jogo (ou fazer outro jogo) e quer só recuperar o que investiu. Normal. Mas quem faz isso cobra preço de face desde o primeiro minuto. Não tenta ganhar em cima. Fecha parêntesis.

Horas antes do jogo tinha cara oferecendo ingresso por 300 euros na porta do Ellis Park. Aliás, como você já viu na reportagem lá em cima (link aqui de novo) a rua em frente à entrada principal do estádio é quase uma Feira do Bilhete. E, de novo, estava fervendo. Parecia a bolsa de valores no tempo do pregão viva-voz.

Pois bem. Como minha obrigação era acompanhar a entrada dos torcedores, para o caso de alguma problema, e já tinha decidido fazer uma reportagem só depois do jogo (que você vê como ficou no próximo post, lá em cima), fiquei meio de bobeira cerca de meia hora antes do começo da partida.

Já estava lá mesmo, na “feira”, fiquei observando. À medida que o tempo passava, o preço baixava. Comecei a ver gente que uma hora antes estava cheia de gingado ao oferecer ingressos pelo dobro do preço agora corria, com cara de preocupado, pra não ficar com o mico na mão.

Às 20:28h, um ex-ixpeerrrrto chegou me perguntando, “quanto eu pagava” pelo ingresso. Olhei bem pra ele, lembrei quanto tinha no bolso e disse “50 dólares”. Ele me olhou de volta com cara de espanto. “Mas comprei por 100 – tá aqui, ó”, disse, me mostrando o valor de face. Ao que respondi, fina, calma e pacientemente: “Problema seu. Então limpa o nariz com essa porcaria”.

Claro que ele vendeu. E, burrro, eu deveria ter oferecido menos. Ele pegaria do mesmo jeito.

Quando sentei no meu lugar (ingresso número 1400155947, Category 3, Gate 2, Upper Level, Block 039, fila Q, assento 09) o placar marcava 4 minutos do primeiro tempo (o lugar, aliás, era exatamente o do bilhete – não tinha nenhum outro ixperrrto sentado nele). Só perdi o hino. Que, como é pela metade, nem me importei muito.

Só pra comparar as duas últimas vezes que fui a um estádio. A última ontem, a 50 dólares, pouco menos de 90 reais. Antes, foi no Campeonato Brasileiro do ano passado (ou foi no Paulista do ano passado? Enfim, foi no ano passado), numa das idas a São Paulo. Fui ver Palmeiras e Santos no Palestra Itália, sozinho, sem estacionamento, com chuva, num sábado à tarde. Placar 1 a 1, um jogo horroroso. Quanto paguei pelo ingresso no Palestra? DUZENTOS reais, por uma cadeira parcialmente coberta.

Claro que não é todo mundo que consegue ter paciência numa hora dessas. Eu estava lá trabalhando, sem nenhum medo de não ver o jogo. Iria fazer exatamente o que fiz nos outros três: procurar uma TV num lugar aquecido, pedir um café e acompanhar a partida. Agir de caso pensado exigiria sangue frio. Calma e paciência.

Mas que foi uma delícia a ver a cara do bonitão me vendendo o ingresso pela metade do que ele pagou, foi.

PS: por razões estritamente higiênicas, os fatos foram ligeiramente adaptados para serem contados neste blog – do qual minha mãe e minha tia são leitoras, inclusive. Principalmente o trecho em que reproduzo a educada conversa com o cambista, transcrita como “”Problema seu. Então limpa o nariz com essa porcaria”. Na realidade, os termos utilizados não foram exatamente esses. Notadamente os “porcaria” e “nariz”.

Calma e paciência, meu caro. O resto é tudo verdade.

Acidente ou assassinato, a luta continua

Reportagem publicada pela Agência Brasil, sobre o aniversário da Morte de Samora Machel.

Depois de acompanhar em Maputo as cerimônias da independência de Moçambique, em 1975, Mirian Makeba gravou uma canção em homenagem ao país, à Frelimo e à Samora Machel.

“Mama Africa”, na época, não podia entrar no seu próprio país, a África do Sul, por ser uma voz muito ativa contra o apartheid. Por isso apreciou tanto a independência do vizinho.

Ela só voltaria à África do Sul 15 anos depois. Samora havia morrido quatro anos antes.

A luta prosseguia. E não parou até hoje.

20/10/2010
Após 24 anos, a morte do presidente moçambicano Samora Machel ainda não foi esclarecida

Eduardo Castro
Correspondente da EBC para a África

Maputo (Moçambique) – A família do ex-presidente de Moçambique Samora Machel ainda espera por “reais esclarecimentos” sobre as causas da morte do líder africano. “Se não for no meu tempo, será no tempo dos meus netos. O que eu sei é que a verdade vai chegar e todos vão conhecê-la”, afirmou a viúva, Graça Machel (casada atualmente com o ex-presidente da África do Sul Nelson Mandela), logo depois de uma cerimônia que marcou os 24 anos da morte de Samora Machel. Falando ao jornal O País, Samora Machel Junior disse que “a verdade nunca se esconde. Pode demorar, mas há de chegar. Nós acreditamos nisso”.

Em 19 de outubro de 1986, o presidente Samora e sua comitiva de 33 pessoas voltavam de Mbala, na Zâmbia, depois de um encontro com os então presidentes Kenneth Kaunda, da Zâmbia, José Eduardo dos Santos, de Angola, e Mobuto Sesse Seko, do antigo Zaire (hoje República Democrática do Congo). No retorno para Maputo, o avião russo Tupolev chocou-se contra as montanhas de Mbuzine, ainda em território sul-africano, controlado pelo governo do regime racista do apartheid.

Em Madri, onde está em visita de trabalho, o atual presidente moçambicano, Armando Guebuza, afirmou que as estátuas erguidas em lembrança de Samora “não são apenas em homenagem à sua vida e obra, mas também uma expressão da indignação pelo seu assassinato”. Segundo Guebuza, que liderou a parte moçambicana da investigação na época do acidente, o procedimento deve continuar aberto “enquanto não forem esclarecidas as circunstâncias em torno dos trágicos acontecimentos”.

Uma comissão internacional, formada por especialistas da então União Soviética, da África do Sul, de Moçambique e dos Estados Unidos, concluiu tratar-se de acidente. O governo moçambicano queixa-se de não ter tido pleno acesso ao local da queda, nem a dados referentes aos rádios de localização (VOR) instalados nas proximidades, levantando a suspeita de que o sinal de um falso radar poderia ter desviado o avião da rota, induzindo-o ao choque nas montanhas. A hipótese de um míssil ter sido disparado contra a aeronave também foi levantada na época.

“O trágico acidente que vitimou o presidente moçambicano ocorreu numa altura em que o então regime racista do apartheid protagonizava ações de agressão e desestabilização contra os países da África Austral, bem como de ameaça pessoal ao próprio presidente Samora”, afirmou em comunicado a Presidência de Moçambique, quando da passagem do vigésimo aniversário do acidente, em 2006.

Contrapondo-se à certeza das autoridades moçambicanas, o livro de um jornalista português radicado há 33 anos na Rússia foi recentemente publicado com uma série de documentos e depoimentos de autoridades da então União Soviética envolvidas nas investigações e também no relacionamento político entre os governos de Moscou e Maputo.

“À medida que as leituras avançavam, aumentava a convicção de que o desastre aéreo que vitimou o presidente de Moçambique não se tinha devido a um ato de sabotagem dos serviços secretos sul-africanos, nem a outras conspirações, mas simplesmente ao desleixo da tripulação soviética”, escreveu José Milhazes, logo no texto introdutório do livro.

De acordo com depoimentos colhidos por Milhazes, os mapas de bordo do Tupolev estavam defasados, o avião não carregava todos os manuais de segurança e não existia plano de vôo detalhado. O livro também acusa a tripulação, com base nas gravações da caixa preta, de estar desatenta no momento da aproximação para pouso, por já ter feito o procedimento tantas e tantas vezes.

Edição: Vinicius Doria

Tutu na TV Brasil

Reportagem do Repórter Brasil.

Clique aqui para assistir.

Já se você clicar aqui vai ler o texto publicado na Agência Brasil, e republicado aqui no ElefanteNews.

Can You Feel It?

O discurso de Tutu na abertura da Copa foi sensacional.

“Can you feel it?”, perguntava. “Podem sentir?

E como.

Como também podemos sentir a falta que faz gente que, como ele, se coloca à disposição de uma causa. Sim, tem gente assim no mundo.

São vários.

Reportagem da Agência Brasil.

07/10/2010
Desmond Tutu vai deixar a vida pública

Eduardo Castro
Correspondente da EBC na África

Maputo – O arcebispo sul-africano Desmond Tutu – a “consciência antiapartheid” – completa hoje (7) 79 anos e diz que pretende abrir espaço para que surjam novas lideranças na busca da paz.

Tutu está aposentado das funções religiosas há 14 anos, mas nunca deixou de envolver-se em negociações para a solução de conflitos. Em julho, anunciou que passaria a ter uma agenda mais leve.

Ordenado em 1960, fez da sua igreja, no bairro negro de Soweto, um local de encontros e discussões da resistência ao regime. Com menos de 30 anos, ele já era um dos mais abertos críticos da política racista. Pregava a resistência nas comunidades negras carentes, mas sempre pacificamente, como secretário-geral do Conselho das Igrejas da África do Sul.

Em 1984, recebeu o Prêmio Nobel da Paz. Dois anos depois, tornou-se o primeiro arcebispo anglicano negro da Cidade do Cabo. Logo depois do fim do apartheid, em 1995, presidiu a Comissão da Verdade e Reconciliação, que investigou crimes cometidos durante o regime racista.

Herói na África do Sul e em todo o continente, é dele a expressão rainbow nation (nação arco-íris), usada para designar a diversidade do povo do país, que por tanto anos foi negada pelos seus líderes.

Tutu também fez campanhas de esclarecimento sobre o vírus HIV e a aids, além da homofobia e do racismo em geral. Em várias ocasiões, defendeu a causa palestina no Oriente Médio, o fim dos conflitos na Faixa de Gaza e comparou o sionismo ao apartheid. Israel não permitia a entrada dele no país até 2008.

“Vamos sentir falta do seu senso de humor, mesmo ao tratar das questões políticas mais delicadas”, disse Brian Sokutu, porta-voz da Comissão Nacional Sul-Africana, partido do presidente Jacob Zuma e de Nelson Mandela. “Verdadeiro com o seu caráter, Tutu nunca calou sua voz ao defender as campanhas para acabar com o regime do apartheid”.

Nos últimos anos, o arcebispo dirigiu palavras duras ao partido, criticando, inclusive, a escolha de Zuma para suceder Thabo Mbeki em 2008. Ele também mostrou-se irritado com o descontrole da corrupção e a má qualidade do serviço público no país.

Sua última aparição pública na arena internacional foi na cerimônia de abertura da Copa do Mundo da África do Sul, em julho. Com uma camiseta da seleção do país, gorro verde-amarelo e cachecol dos Bafana Bafana, fez um discurso bem-humorado e mostrou sua conhecida e sonora gargalhada ao mundo mais uma vez. Também pediu aplausos para Nelson Mandela.

Tutu celebra seu aniversário com a esposa Leah a bordo de um navio de estudos, o September At Sea, ancorado justamente na Cidade do Cabo, de onde parte no dia 8 para as Ilhas Maurício. De lá, irá ainda para a Índia, o Vietnã, Japão e Havai, antes de chegar a San Diego, nos Estados Unidos, em dezembro.

Em um comunicado, o encarregado do Escritório Desmond Tutu pela Paz, Dan Vaughan, afirmou que a intenção do arcebispo é completar a agenda que já estava marcada antes da decisão de retirar-se. “O sr. Tutu fará o que antes não tinha condições, como, por exemplo, interagir mais com estudantes. Mas ele também quer ler bastante.”

Edição: Graça Adjuto