A grande tragédia está por vir

Antes de começar, esclareço que não vou fazer uma ode ao passado – até porque não conheci Moçambique “no passado”. Só vejo bem de perto os problemas, mazelas, desigualdades, injustiças, pobreza, etc, etc, etc, de hoje. Muitos, obra dos atual e passados governos, opções políticas e econômicas locais e globais, etc, etc, etc.

Mas muitos – muitos – diretamente deixados pelo colonialismo.

“Lourenço Marques (nome que Maputo tinha antes da independência) era linda”. “Pérola do Índico”. “Uma das poucas cidades do mundo com rede elétrica inteiramente subterrânea”. “Pujante, mas bem organizada”. “Limpíssima”.

Pode tudo ser verdade. Mas, neste cenário, viveu-se uma história – que tem efeitos sobre ele.

Se quem mantinha a cidade assim no tempo da colônia tivesse pensando no futuro dela (e não só no seu), a Maputo de hoje poderia estar, ao menos, bem mais perto disso.

Aqui, em 1975, quando houve a independência, 96% da população moçambicana era analfabeta. De maneira geral, escola era pra colono. Os poucos que conseguiram ir além disso (Mondlane, Samora, Chissano – só pra ficar nos mais famosos) trataram de lutar pra se livrar de quem os oprimia. Quem não faria igual?

As populações das colônias foram marginalizadas, exploradas, torturadas, aviltadas pelos colonizadores. E teve guerra – que só deixa perdedores sempre. Teve guerra e teimosia: no caso moçambicano, os colonizadores teimaram em não sair até o fim, impossibilitando que o país se preparasse para tomar conta de si próprio.

Até mesmo depois de anunciado o acordo pela independência, fechado em Lusaka, houve o episódio da tomada da Rádio Moçambique pelos portugueses inconformados. Muita gente morreu, e a resistência gerou resistência: o novo governo, socialista, endureceu as circunstâncias para os portugueses que queriam ficar. Foi instituída a famosa lei “20/24” – quem quis ir, só pôde levar 20 quilos de pertences, e deixar o país em 24 horas.

Ponha racismo – de lado a lado – por cima de tudo.

Logo depois, veio a nacionalização. Logo depois, veio a guerra civil. Logo depois, veio a abertura para economia de mercado. Logo depois, veio hoje. É assim, rápido mesmo.

E hoje… bem, hoje quem conta é o jornal A Verdade, texto aí debaixo – que justifica o título do post. Reportagem publicada nesta quinta-feira, 28 de julho de 2011.

36 anos a Degradar

Moçambique assinalou no passado dia 24 de Julho a passagem dos 36 anos das nacionalizações. Esta medida foi tomada pelo primeiro Governo pós-independência chefiado pelo então Presidente Samora Moisés Machel e tinha como objectivo conceder ao povo moçambicano o direito ao acesso à educação, justiça, saúde e habitação.

No que diz respeito à habitação, a partir de 1975 qualquer moçambicano ou estrangeiro residente em Moçambique passou a ter direito a ser proprietário de uma casa, mas em contrapartida perdia o direito de arrendar uma residência a outrem.

De forma a garantir uma boa organização, o Governo assumiu a gestão das casas que estavam arrendadas nessa altura, criando para tal uma empresa denominada Administração do Parque Imobiliário do Estado (APIE), em 1976.

Porém, decorridos 36 anos após o processo, surgem sinais do fracasso da medida. Um dos erros cometidos pelo Governo ao tomar esta medida foi o de não ter definidoas normas para que um cidadão tivesse direito a uma residência.

Alguns dos requisitos que deviam ter sido acautelados na altura tinham que ter em conta a renda da pessoa, a capacidade financeira para garantir a manutenção do edifício, os critérios para a perda do imóvel no caso de incumprimento de algumas obrigações, entre outros, o que não aconteceu e o resultado é o estado avançado de degradação em que se encontram os edifícios. Este cenário podia muito bem ter sido evitado caso as precauções acima descritas tivessem sido tomadas.

A falta de mecanismos claros na atribuição dos imóveis tem resultado em despejos constantes, tendo em conta os casos que têm sido reportados pela comunicação social, a falta de observância das normas de postura urbana, e a degradação dos imóveis que acaba por manchar, de certa forma, a imagem da nossa cidade das acácias, Maputo.

Edifícios decadentes

Alguns edifícios estão a cair aos pedaços e perderam a sua cor devido ao tempo, o que significa que não beneficiam de uma manutenção regular há mais de 20 anos. Casos há em que os prédios não sofrem intervenções desde a independência.

Outro dado que merece uma profunda reflexão é o caso dos espaços comuns, nomeadamente as escadas, terraços, garagens, etc. É normal encontrar edifícios com escadas imundas e sem iluminação, elevadores avariados e, não raras vezes, transformados em lixeiras. Em relação a estes meios, o caso é mais gritante. Mais de 80% (estamos a ser modestos) dos edifícios não têm os seus elevadores funcionais. A ferrugem tomou conta deles.

Um aspecto muito preocupante, por representar um perigo à saúde pública, é o entupimento das fossas e dos esgotos, o que faz com que as águas pluviais tomem de assalto os passeios e as avenidas da cidade exalando um cheiro nauseabundo.

Estado impotente

Este é um dos sectores em relação ao qual o Estado não consegue (?) impor ou fazer cumprir as regras. Os condóminos agem como que destituídos das mais elementares normas de urbanidade. Eles fazem modificações nos imóveis sem consultar as autoridades competentes. Quando as autoridades descobrem, recorrem ao uso da coercibilidade que lhes é conferida por lei.

Todos os edifícios encontram-se gradeados como se de prisões se tratasse, facto que já foi condenado pelo Serviço Nacional de Salvação Pública pois representa um perigo e obstáculo em caso de incêndio ou qualquer tragédia. A questão da segurança é o principal motivo evocado pelos seus mentores.

A falta de uma entidade fiscalizadora ou a incapacidade desta faz com que sejam construídas dispensas nos terraços, o que põe em risco a estrutura do edifício e, por conseguinte, a vida das pessoas pois a construção de um edifício obedece a regras e limites (peso e altura).

A falta de associações de moradores, designadas condomínios, ou o desrespeito pelas que existem tem dificultado a solução de alguns destes problemas. A acção destas resolveria algumas questões tais como o deficiente sistema de canalização, e das instalações eléctricas, pois alguns prédios têm sido privados de água devido às dívidas resultantes do consumo do líquido precioso.

As associações que já existem queixam-se da falta de cumprimento das obrigações por parte de alguns condóminos. Estes recusam-se, por exemplo, a pagar as quotas mensais, embora beneficiem dos serviços prestados pelas associações.

Alguns proprietários, para contornar a falta de condições para a manutenção dos imóveis, têm colocado os mesmos à venda ou arrendam-nos a terceiros, mas o problema é que nenhuma parte do valor proveniente desta acção é direccionada à melhoria das condições dos imóveis.

Para o arquitecto José Forjaz, esta data é de grande importância para a história do país mas considera que o processo das nacionalizações não foi de todo “um mar de rosas”. Forjaz diz que as suas consequências foram sérias pois o processo foi ambíguo. Deu como exemplo o facto de o mesmo “ter prejudicado pessoas em benefício de outras devido à falta de preparação, o que resultou numa grande confusão na atribuição das casas. Foi uma medida política tomada sem nenhuma preparação, impôs-se um sacrifício às pessoas”.

Que medidas deviam ter sido tomadas?

Não se mediram as ferramentas técnicas que deviam ter acompanhado o processo, e os resultados foram/ são contraproducentes. Por isso hoje em dia não conseguimos medir as consequências sociais, económicas e políticas das decisões que tomámos.

Isso faz com que não se alcance o objectivo pretendido. Perdeu-se o impacto das nacionalizações. O impacto foi menor que o esperado. Foi uma decisão tomada por cima do joelho.

Que consequências isso trouxe?

As consequências foram várias. A positiva é que com esta medida o Governo mostrou ao povo moçambicano que se preocupa(va) com o seu estado (leia-se habitação).

E as negativas?

Primeiro, não foram criados mecanismos necessários e suficientes para garantir a durabilidade dos edifícios, o que acelerou a degradação das infra-estruturas. Houve uma ambiguidade durante o processo.

Se por um lado havia prédios na zona urbana a serem nacionalizados, havia, por outro, palhotas que não reuniam condições técnicas para tal, mas, mesmo assim, foram sujeitas à mesma medida. Segundo, devido a essa falta de transparência, houve pessoas sem escrúpulos que se apoderaram de residências porque não havia critérios.

Os prédios reúnem condições de habitabilidade?

Não, e isso coloca em risco a estrutura do edifício e, consequentemente, a vida das pessoas.

Porquê?

Não foi criado um espírito de civilidade. As pessoas deviam ter o prédio como seu e isso significa garantir a sua manutenção, assegurar o funcionamento dos elevadores, a iluminação nas escadas, o pagamento dos guardas, entre outros aspectos que não foram acautelados na altura das nacionalizações.

E em relação ao sistema de saneamento?

Pode parecer ridículo mas grande parte da cidade não tem um sistema de saneamento e drenagem. Para que essas condições existam (construção e manutenção) é necessário que alguém pague, e custa caro, principalmente nas cidades que estão em zonas planas, como Maputo.

Mais, o mais estranho é que mesmo com essas dificuldades a cidade funciona. O nosso município tem um orçamento estimado em 15 dólares por habitante por ano quando há cidades no mundo cujo orçamento é de 1000 dólares por pessoa por ano.

Quando é que deve ser feita a manutenção de um edifício?

A pintura tem de ser feita num intervalo de cinco a sete anos. As instalações (água, luz, gás) devem ser substituídas de 15 em 15 anos. É preciso fazer a verificação regular do estado das ferragens, das portas e do pavimento. Há edifícios que não beneficiam de uma manutenção há mais de 50 anos. A ausência destes cuidados contribui para a degradação dos edifícios. A solução dos problemas deve ser imediata porque custa mais caro reconstruir do que manter, mas as pessoas não pensam nisso.

Mas isso deve-se também à ausência da mão dura do Estado. Há cidades em que os edifícios degradados pagam mais impostos. O Estado deve impor um prazo para que um edifício seja reconstruído ou reabilitado. O mesmo acontece em relação aos terrenos. Há terrenos desocupados há mais de 20 anos, mas não podem ser parcelados porque têm proprietários.

O que tem a dizer em relação ao problema da habitação com que a sociedade se debate?

Não podemos ter o problema de habitação resolvido com as taxas de juros a rondar os 20%. Enquanto as taxas de juro forem altas dificilmente teremos o problema resolvido. Quem ganha 2 mil dólares por mês não pode sonhar com uma casa própria.

Quanto custa uma casa?

Não existe um valor mínimo. Aqui funciona a lei da procura e da oferta. Há maior procura e pouca oferta. Posso dizer que se trata de especulação. Há casas que custam 20 mil dólares, assim como há aquelas que custam 1 milhão de dólares. Temos o caso da cidade de Tete como exemplo.

Porque defende a ideia de que a cidade devia crescer em altura?

Porque isso permite que tenhamos uma cidade organizada e dinâmica. Não podemos ter uma família a ocupar um terreno com 50 por 20, por exemplo. Nesse espaço podemos construir um prédio que acomode mais de 20 famílias. A cidade é feita de convívio entre os seus moradores, é por isso que temos cidades caras como Nova York, Tóquio, Londres, Berlim, Paris. A cidade iria acolher mais pessoas e isso significa mais receitas para o Estado.

As pessoas não têm capacidade para fazer a manutenção

As nacionalizações precipitaram, para além de degradação dos imóveis, outro fenómeno curioso: as construções nos terraços dos prédios. @Verdade saiu à rua e colheu a opinião dos cidadãos.

“O terraço é uma zona não edificante, restrita à utilidade pública e de segurança, entre várias situações; em caso de ocorrer um incêndio é por lá onde se faz o resgate das pessoas, uma vez que hoje as varandas estão `supergradeadas´”, afirma o cidadão Macucule. Aliás, “essas construções põem em risco a segurança dos moradores e do próprio prédio, e perturbam o sistema de evacuação da água e de esgoto.”

Definitivamente, diz, a construção nos terraços é um atropelo à lei, por isso a edilidade não deve licenciar a realização dessas obras como forma de salvaguardar a segurança dos próprios munícipes. Mas: “em caso de necessidade de uso pode-se ocupar no máximo 25% a 50% do terraço não para fins habitacionais, mas como área de apoio ao apartamento para armazenar alguns bens de baixo porte”, sublinhou.

Apesar disso, para Macucule a construção nos terraços não pode ser vista apenas como problema, mas também como solução doutro problema urbanístico, pois enquanto a pessoa constrói e habita nesse terraço continua a beneficiar das facilidades que a cidade oferece; o mesmo pode não acontecer em caso de morar fora da cidade onde devem ser criadas infra- -estruturas que liguem as pessoas à vida da urbe.

Outro problema, diz, é que isso denuncia a rejeição deliberada do sistema urbano herdado dos portugueses construído num outro plano de conjuntura social. Já que, até hoje a edilidade não se preocupou em ajustá-lo à actual realidade e exigência social, as pessoas tendem a actualizá-lo por si mesmas.

Entretanto, “há a necessidade de se rever ou mesmo mudar o mecanismo de planeamento da cidade e, acima de tudo, reflectir-se sobre que cidade se pretende no futuro”, concluiu.

“A origem destas construções assenta na pobreza e na incapacidade de gestão dos conselhos municipais. O arquitecto aponta a

criação de um sistema de controlo a nível dos bairros como solução para o problema. Mas antes defende o levantamento do número de construções existentes. “Estas edificações são fáceis de se erguer e difíceis de se destruir”, explica.

O outro problema mais difícil é o da habitação , sobretudo em Maputo, motivado pelo elevado índice de pobreza rural e urbana, que só terá solução quando o nível de vida subir para toda a gente, pois (hoje) há gente a ficar cada vez mais indigente, enquanto outros se tornam abastados.

Em geral, essas construções são algo precárias e os edifícios altos são desenhados com margem de segurança, daí que se esteja provavelmente ainda longe de perigo iminente. No entanto, para uma resposta cabal e responsável é necessário analisar-se caso a caso.

Trinta e seis anos passam depois que o Estado moçambicano nacionalizou o parque imobiliário. No entanto, o grau de conservação dos imóveis deixa muito a desejar. Alguns edifícios clamam por uma urgente reabilitação de raiz.

Outro denominador comum é o estado dos telhados e terraços, dos quais pouco ainda se pode ver senão vestígios que permitem apenas testemunhar que algum dia foram dignos dessa designação.

Janelas sem vidros nem rede e deficiente sistema de esgoto, drenos e fossas que libertam excrementos nos mesmos espaços de que o homem se serve para circular, bem como conferem à cidade um cheiro bafiento, constituem outro retrato negativo da cidade.

Na fileira de edifícios assentes ao longo da avenida Eduardo Mondlane, a escassos metros da esquina com a Guerra Popular, o capim e plantas trepadeiras têm lá o seu abrigo.

João Fumo apela para que se encontrem soluções para pôr as casas em condições, porque as pessoas que outrora habitavam nelas tinham uma capacidade financeira 30 vezes maior do que estas que hoje as ocupam. “O seu rendimento não é suficiente para substituir o vidro partido, pintar as paredes, reabilitar aqui e ali”, sublinha.

Por exemplo, “quem ganha dez mil meticais de salário, que é três vezes mais do que o salário mínimo, ao cuidar da alimentação, do vestuário, do transporte, da educação e da saúde, sinceramente, nada lhe resta para olhar pela casa”, conclui.

Em suma: analisando o problema de uma forma bastante realista, Maputo é um mundo perdido – ou pelo menos uma cidade perdida onde a magnificência do seu passado é evidente em todo o lado.

O que fica é a vida

A cultura moçambicana dá muito peso ao momento da morte – como, também, várias outras culturas africanas.

Quem perde o pai ou a mãe fica vários dias sem trabalhar. Por causa da tristeza e, também, das cerimônias fúnebres, que reúnem a família, a vizinhança, os amigos.

Por isso tudo, foi de certa forma surpreendente, aqui, a despedida da Mariana.

Ela morreu ontem, em casa. Portuguesa, vivia em Moçambique há muito tempo. Era dona do restaurante que batizou um sanduíche com o nome do meu sobrinho (a tia, orgulhosa, contou a história aqui, no Mosanblog.)

Mariana estava com câncer, mas nós não sabíamos. Falante, sempre alegre, nunca deu nenhum sinal. Quando chegou a notícia, no fim da tarde de ontem, foi uma surpresa.

O marido, Jorge, despediu-se como Mariana pediu: de forma rápida, simples, discreta. Não avisou ninguém – só soube quem, de um jeito ou de outro, o ajudou desde quando ela faleceu, menos de 15 horas antes.

Quando chegamos no cemitério do Lhanguene, o crematório – “Crematório Hindu”, dizia a marca na porta – estava vazio.

Logo depois veio o carro da funerária, trazendo o motorista, o Jorge, e um caixão simples, de madeira prensada, pintado de cinza azulado. Três rapazes tiraram o caixão do carro e o colocaram em um carrinho de ferro, já em frente ao forno.

O forno é uma construção grande, que lembra a imagem que temos de uma caixa-forte de banco, com portas pesadas que se encontram no meio.

Não havia flores, cadeiras, nada. Jorge olhava, sozinho, no canto, com os olhos molhados.

Algumas pessoas conhecidas chegavam, e cumprimentavam o Jorge sem dizer muita coisa. Nisso, os rapazes do cemitério começaram a colocar toras de madeira sob o caixão. Alguns pedaços de tronco também foram dispostos por cima.

Ao lado, no jardim, uma fogueira já ardia. Um dos rapazes foi lá e, com uma pá comprida, pegou um pouco dos brasas incandescentes.

“Um familiar, por favor”, disse o homem, entregando a pá ao Jorge. Foram as únicas palavras da cerimônia.

Jorge pegou a pá e colocou sob o caixão, como indicado pelo funcionário. Logo, outra pá de brasas foi depositada no outro lado do caixão, e uma fumaça esbranquiçada começou a subir.

Em três, quatro minutos, o caixão começou a arder. Então, os funcionários empurraram o carrinho para dentro do forno. Enquanto a porta fechava, as labaredas envolviam o caixão em uma luz alaranjada.

Não houve prece, reza, discursos, despedidas. Só o silêncio.

Em dez minutos, em meio à dez pessoas se tanto, saí do crematório lembrando das gargalhadas na Mariana, do sanduíche da Mariana, do pouco que convivi com ela. Da morte, nada.

O que ficou, foi a vida.

Maningue audiência, pá!

“Maningue” é gíria moçambicana para “demais”, “bastante”, “um montão”.

Acho que se enquadra ao resultado do Balanço Geral no último dia 15.

O nosso Ernesto Martinho tem só cara de bravo. E, detalhe: é formado em Relações Internacionais.

Pois é, Datenão. Aqui em Moçamba também tem gajo que manda por na tela. Ali, ó…

Tribunal Tradicional para Feiticeiros

Hoje o texto é do coleguinha Albino Moisés, que escreve uma coluna no jornal Notícias.

Para que não haja dúvida:

a) “chapa 100” vem entre aspas porque, aqui, é o nome popular das vans do transporte (de acordo com a denominação legal) “semi-colectivo”. Eu chamaria de “semi-transporte”, porque o povo é carregado como gado;

b) “Régulo” é a autoridade tradicional de uma determinada região. Eles tem poderes (até hoje) para resolver questões relacionadas à comunidade. São consultados até quando o Estado vai destinar terras para um empreendimento novo (lembre-se que aqui não há propriedade privada da terra O estado faz concessões de uso). O régulo mostra onde não pode receber construção por ser um cemitério, por exemplo.

c) “Machamba” é plantação, área agrícola familiar. Fazendão do agronegócio é “farms”.

d) “tungululo” ou “kulungwana” são aqueles gritos de alegria típico dos muçulmanos, bem agudos, também muitos cimuns aqui também.

Vencido o glossário, tem a palavra o convidado… em texto tal e qual copiado do jornal.

“Na minha aldeia — Majaua em Morrumbala — nunca se morre de morte natural. Qualquer morte é tida como tendo sido orquestrada por alguém: o feiticeiro.

O feiticeiro é o ponto de partida para todos os falecimentos que ocorrem na povoação. Mesmo na idade dourada de oitenta, noventa ou até “chapa 100”, os familiares do finado sempre colocam as garras do feiticeiro na berlinda. E quase sempre toda a morte tem envolvimento e conivência directa de um familiar próximo identificado: uma tia, tio ou avô (materna ou paterna).

E havia acusações indirectas e outras até directas às pessoas que se acreditavam terem praticado o feitiço contra outrem. Algumas acusações eram mesmo directas: batiam na porta do feiticeiro e atiravam-lhe na cara: “tu mataste o nosso filho, devolva-lhe já a vida, ou então seguirás tu também pelo mesmo caminho!”. E se o acusado se mostrasse indignado, então ele lançava um “repto” para provar a sua inocência.

Seguidamente, iam ao “mwene” (régulo) comunicar a acusação ao mesmo tempo que pediam autorização (sempre irrecusável) para levar a cabo o rito tradicional denominado “muavi”. Nele o acusado era desafiado a beber uma poção de raízes que só vomitava quem de facto fosse inocente. No caso contrário a morte era certa!

E esse tribunal tradicional não só se destinava a dirimir casos de suspeita de morte por feitiçaria, mas igualmente servia para atender roubos nas machambas e até cenas de amantismo. Especialmente para problemas sem provas materiais e que não houve flagante delito, então todos os “indiciados” eram levados ao tribunal de “muavi”.

A sessão era anunciada na povoação através do rufar vigoroso dos tambores. Fixava-se uma hora de realização. A sessão pública atraía muitos mirones, arrastando até aldeões circunvizinhos. Como era um assunto social que andava na boca do povo, então a casa do curandeiro lotava completamente, já que, por regra, as pessos gostam sempre de saber da vida alheia.

Na hora, o povo se reunia em volta dos acusados, queixosos e “corpo de juízes”. A cermimónia iniciava com todo aquele salamaleque dirigido ao curandeiro que orientava o acto de vida ou morte. O acusado de ser feiticieiro, antes de lhe darem a poção fatídica para tomar, primeiro ele prestava um juramento acerca da sua inocência: “juro por minha ohonra que eu sou inocente e desafio a todos aqui presentes a minha inocência, bebendo desta poção que me será servida dentro de instantes. Se eu for um feiticeiro, que eu também morra imediatamente, mas se não matei ninguém, então que eu vomite, provando ma minha inocência. De seguida era-lhe dado o copo para beber diante da multidão.

Se no acto público o acusado vomitasse, isso provava indiscutivelmente a sua inocência. O vómito significava que o suspeito “sacudia o capote” todas as queixas sobre os seus ombros. Naquela hora, a ala de familiares que também defendia a sua inocência jubilava com palmas e “tungululo” (kulungwana para a região sul). A alegria era porque a pessoa recuperava a sua honra e reputaç]ao,mas tambem porque receberia indemnização pela acusação infundada, geralmente paga com uma machamba ou mesmo em dinheiro.

Todavia, para aquele que bebesse do veneno e o seu estômago aceitasse acomodá-lo tranquilamente e não vomitasse, então caía inerte. O seu corpo era exibido a todos como um troféu e ainda como prova manifesta de quem tinha comido carne humana!”

Agora é a vez da TV Miramar / Record Moçambique

Aqui, um vídeo institucional da TV Miramar, com suas estrelas da programação local.

Estão aí o Fala Moçambique (com a Selma Marivate e o Hermínio José), o Balanço Geral (com o Ernesto Martinho), os repórteres na rua, o Moçambique no Ar, o Contacto Directo…

Estou lá há pouco mais de um mês. Tem sido interessante e enriquecedor demais para mim. Espero que também esteja sendo para os colegas e para o telespectador.

Aprendi muito, e , em breve, vamos trazer novidades em termos de visual e de qualidade.

Mas só com os ajustes que temos feito já tem sido possível ver algumas alterações positivas, tanto no conteúdo quanto na audiência.

Agora é a vez da Miramar.

A semana é santa, mas o estado é laico.

Moro em Moçambique e, por isso, terei expediente normal na próxima sexta-feira, por mais santo que seja o dia.

Eu e todo o país, porque aqui não existe feriado religioso.

Herança do tempo do socialismo. Como também foi feito em Angola, o governo acabou com os feriados religisoso porque – simples assim – o estado é laico.

Aqui, o socialismo deu lugar ao capitalismo agressivo, desigual e injusto – igualzinho a quase todos os lugares. Até pior, porque a pobreza extrema é muito grande, e a desigualdade não dá indício de que vá diminuir. Mas isso, do feriado, ficou (olha aqui a lista dos feriados nacionais moçambicanos).

Não tem crucifixo na repartição – só a foto do presidente Guebuza. Não tem data santa de uma religião em detrimento das outras. Feriado aqui, só cívico.

É verdade que o Natal sobrevive disfarçado: virou “Dia da Família”. Mas, ao menos, não consta do calendário oficial do país como sendo dia de descanso para todos por causa da religião de alguns.

Antes que – rá – alguém me crucifique, quero deixar claro que não sou contra que a pessoa tenha dias para fazer suas reverências religiosas. Só acho que não deva ser feriado para todo mundo – porque a maioria vai pra praia, pro churrascão ou fica dormindo mesmo. Poucos vão pra procissão, missa ou culto.

Deveríamos ter direito, por lei, a dias de folga religiosa. Três por ano, que tal? Era só avisar o patrão com antecedência: “olha, sexta-feira, 22 de abril, não venho. É Sexta-Feira Santa”. Este ano, por acaso, engatado num feriado cívico, o 21 de abril…

De saída, vamos manter o 25 de Dezembro como Dia da Família, OK? Daí dá pra tirar (no caso dos cristãos) a Páscoa e um dos outros – Corpus Christi (que ninguém sabe direito o que é, afora os realmente religiosos), Dia da Padroeira, Finados, Padre Cícero, Santo Daime, Dia de Chico Xavier, Dia do Evangélico, Rosh Hashaná, Dia de Gandhi, Candomblé… cada um com os seus. Mas só com os seus.

E antes que a Associação dos Viajantes Inveterados, Sindicato dos Guias de Turismo e Federação dos Hotéis Religiosos venham fazer passeata na minha porta, passarei a defender que os ateus ou religiosos-mais-ou-menos também tenham direito à mesma folga, por equidade.

Como cada um usaria a folga no dia que quisesse, movimentaria hotéis, aviões (pelo fim do caosaéreo!) bares e restaurantes o ano todo, só que com menos gente de uma única vez.

Mas… e o Carnaval? Que é meio religioso, meio pagão e meio vagabundão (porque segunda-feira não é feriado, mas ninguém – a não ser os músicos de trio elétrico e assemelhados – trabalha nesse dia)?

Minha sugestão – séria, seríssima – é instituir a Terça-Feira Gorda como Dia da Diversidade.

Quero ver quem vota contra.

O país em que não se podia dançar

Sábado falei de Samora aqui, sobre a força que o nome dele mantém.

Herói revolucionário e primeiro presidente do país, era uma espécie de Lula para os moçambicanos: o cara que veio do povo (era enfermeiro), virou líder durante a guerra revolucionária, foi presidente, mobilizava as massas, fazia discursos memoráveis. E morreu no poder, o que mitifica ainda mais o ídolo (veja aqui uma reportagem que fiz quando do aniversário da morte dele).

Hoje em dia, todas as notas de metical (o dinheiro moçambicano) têm a efígie de Samora (“efígie” – não “esfinge”, pelamordedeus).

Samora não era uma unanimidade, tanto que houve uma guerra civil no país. Mas da parte “difícil” da postura dele – como, por exemplo, ter criado “campos de reeducação” para alguns que não pensavam como o governo – pouco se fala.

Justamente esse lado duro (de certo modo, inevitável, quando visto pelo prisma das circunstâncias do momento) gerou histórias como a que a Sandra colocou hoje no Mosanblog – sobre a proibição para… dançar.

Clique aqui para ler.

Coisa de gente que quer ser autoritária, mas não tem coragem. Ou de chefetes, que fazem o que fazem achando que aquilo vai ser uma sensacional puxada no saco do chefe.

Nem sempre funciona.

Lembro, em um dos lugares em que trabalhei, que existia um mal estar com um sujeito lá, porque, alegadamente, “o patrão não gostava dele”. O cara só dava entrevista quando não tinha jeito de evitar – era um proeminente nome da República de então.

Pois, durante uma viagem, tive a chance de almoçar com o patrão. No outro lado do salão, o referido sujeito comia sozinho. O patrão levantou, pegou o cara pelo braço e trouxe o nego pra almoçar na nossa mesa.

O papo foi animadíssimo. E eu ali, com aquela cara de besta, sem entender.

De birra, passei a entrevistar o cara sempre que pude. Ninguém falou nada, nunca.

Luanda e Maputo atraem imigrantes

Eles vêm da África e da Ásia atrás da famosa “vida melhor”.

Sinal de que Angola e Moçambique já têm seus atrativos.

Ou, pelo menos, já criam essa ilusão na cabeça de outros povos.

E pensar que 20 anos atrás os dois estavam enfiados na guerra civil.

A pobreza ainda é enorme, os problemas também.

Mas…

Pra quem não conhece: é Luanda aí em cima. E Maputo aqui embaixo.

Reportagem da Agência Brasil.

24/02/2011
Serviço de Imigração de Angola detém estrangeiros que tentavam entrar ilegalmente no país

Eduardo Castro
Correspondente da EBC na África

Maputo (Moçambique) – Vinte e um cidadãos do Mali, da Costa do Marfim, Guiné-Bissau, República da Guiné e do Senegal foram detidos nessa quarta-feira (23) ao tentar desembarcar ilegalmente em Angola. O grupo foi detido em Cacuaco, às 3h, depois de uma denúncia anônima feita ao Serviço de Migração e Estrangeiros Angolano (SME).

Segundo o diretor do SME, Freitas Neto, grandes redes foram estruturadas em países vizinhos para levar cidadãos ilegalmente para Angola. Graças aos negócios do petróleo, Angola tem recebido vários investimentos estrangeiros nos últimos anos, que geraram grande número de novas construções na capital Luanda. A cidade reúne praticamente metade da população angolana e já não garante emprego para seus próprios habitantes.

As redes de imigrantes ilegais contam com o auxílio de funcionários do próprio SME. Nesta semana, uma agente foi surpreendida ao receber US$ 3 mil de um cidadão brasileiro que estava sem a documentação adequada. A funcionária foi detida. De acordo com o diretor, dez agentes já foram presos este ano.

Em Moçambique, mais de 400 cidadãos procedentes do Paquistão, de Bangladesh, da China e Índia aguardam o repatriamento alojados em um centro de formação de agentes alfandegários em Boane, nas proximidades da capital Maputo. Ainda não há previsão de quando serão embarcados de volta. Eles chegaram ao aeroporto de Maputo, procedentes da Etiópia, sem os documentos adequados.

Na última terça-feira (22), dez dos integrantes do grupo tentaram fugir, mas foram recapturados. De acordo com o comando da polícia, três policiais foram detidos recentemente, acusados de facilitar a fuga de três paquistaneses que aguardavam repatriamento. Os agentes teriam recebido suborno de 10 mil meticais – a moeda do país (cerca de R$ 540).

Edição: Graça Adjuto

Tunísia: o povo não é bobo

Fingimus que fumus e vortemus…

Ói nóis aqui tra veiz!

Os ministros – rá! – cantaram primeiro.
Os manifestantes cantaram em seguida.

Reportagem da Agência Brasil.

18/01/2011
Novo governo da Tunísia não desperta confiança e manifestantes voltam a protestar em Túnis

Eduardo Castro
Correspondente da EBC na África

Maputo (Moçambique) – Mesmo depois da queda do presidente Zine El Abidine Ben Ali, novos protestos levaram milhares de pessoas às ruas da capital da Tunísia, Túnis, nesta terça-feira (18). Os manifestantes não concordam com a composição do governo de transição, anunciada ontem (17), que manteve aliados do ex-presidente em postos-chave da administração pública. A polícia usou bombas de gás lacrimogênio, cassetetes e escudos para dispersar os protestos.

Na segunda-feira (17), o primeiro-ministro, Mohammed Ghannouchi, anunciou a composição de um governo de coalisão para conduzir o país até as próximas eleições, daqui a seis meses. Ele manteve-se no cargo, bem como os titulares dos ministérios do Interior, Relações Exteriores e Defesa. Três líderes oposicionistas foram indicados para as pastas da Educação Superior, Saúde e Desenvolvimento.

Entretanto, três dos indicados a ministro já desistiram dos cargos, depois que a maior central sindical do país, União Geral dos Trabalhadores da Tunísia (UGTT), decidiu não reconhecer o novo governo.

O ex-presidente Ben Ali deixou o poder na sexta-feira (14), ao fugir do país para refugiar-se na Arábia Saudita. Ele presidia a Tunísia desde 1987. Depois da queda de Ben Ali, o governo do primeiro-ministro Ghannouchi tenta manter-se no poder prometendo reformas econômicas e políticas, legalização de partidos, supressão da censura e libertação de presos políticos. Hoje (17), desembarcou em Tunis o líder exilado Moncef Marzouki, que passou os últimos 20 anos em Paris. O partido dele foi banido durante o regime de Ben Ali.

Há cerca de um mês, estudantes, profissionais liberais e desempregados iniciaram uma onda de protestos contra os altos índices de desemprego e a subida repentina dos preços no país. Mobilizados pela internet, os protestos logo voltaram-se contra a falta de liberdade de expressão. O governo confirmou que 78 pessos morreram durante as manifestações.

Os analistas acham difícil que a onda de manifestações tunisina inspire movimentos semelhantes em outros países africanos. Mesmo os governados por regimes autoritários. “Já tivemos o caso da Argélia, com violência nas ruas. Agora temos a Tunísia, e algum movimento também no Egito”, diz Aly Jamal, doutor em relações internacionais e especialista em conflitos africanos, do Instituto Superior de Relações Internacionais de Moçambique. “Mas cada país tem sua especificidade”.

Ele lembra que, em outras ocasiões, o Egito passou por pressões populares e Hosny Mubarak, presidente desde 1981, soube equilibrar as tensões. “Vai ser uma correria para reduzir os níveis de dificuldades do dia a dia”, disse ele. “E, eventualmente, evitar que a situação atinja o nível de explosão.”

Edição: Vinicius Doria

Tunísia: a luta continua

O povo bravo com o governo. Será que espalha?

Reportagem da TV Brasil, exibida no telejornal Repórter Brasil (que eu orgulhosamente ajudei a criar. Fecha momento de auto-celebração).

A apresentação é da Fernanda Isidoro.

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