Dia da Criança Africana

Repito aqui o post que publiquei há exatamente um ano, no local onde ocorreu o massacre que deu origem à celebração de hoje, no bairro do Soweto, Joanesburgo, África do Sul.

Além da linda foto de Marcelo Casal, nele há o link para a reportagem que fiz para a TV Brasil, em meio à Copa do Mundo.

Aqui em Moçambique, é dia de dupla homenagem. Às crianças e aos velhos combatentes. Pois foi também num 16 de junho que se deu o episódio que motivou o início da luta de libertação do país (na prática foi em 25 de Setembro, o “dia do primeiro tiro”).

Há 51 anos, ocorreu o Massacre da Mueda, quando as forças coloniais responderam a bala a um dos primeiros movimentos pró-independência de Moçambique.

Levou 15 anos para chegar à libertação. Muita gente morreu no período. Tanto aqui, na luta armada, quanto em Portugal – primeiro, o ditador Antonio de Oliveira Salazar; e, em 1974, a ditadura que ele instalou.

Minha homenagem a quem luta pela sua causa. Entre eles, Ahmed Kathada, que aparece na reportagem aí. Acabo de ler a biografia de Nelson Mandela e “Kathy” – como Mandela refere-se a ele – é personagem de muito destaque. No livro, e na luta.

Esta quarta-feira foi o Dia da Juventude. Ela saiu às ruas de Soweto para lembrar que liberdade se conquista. E o quanto custa essa conquista.

O garoto da foto ficou nos rodeando durante a visita ao memorial de Hector Pieterson. Ele tem 11 anos, a mesma idade que tinha Pieterson quando morreu baleado pela polícia no protesto que deu origem ao feriado. Ele lia os nomes dos meninos que morreram na época, nos conflitos que seguiram ao ataque de Soweto. Eles estão marcados nessas pedras, espalhadas pelo chão.

Reparou nos olhos dele?

Fotos do Marcelo Casal, da Agência Brasil. A galeria completa está aqui.

A visita também rendeu reportagem no Repórter Brasil, que conta mais detalhes sobre a data, o significado dela e traz uma entrevista com um ícone sul-africano, Ahmed Kathrada, um dos ativistas condenado à prisão perpétua junto com Mandela, em 1964. Veja aqui.

Mais um passo para a fábrica de antirretrovirais sair

Algo que se arrasta desde 2003 – como você já viu aqui, em outras reportagens minhas, publicadas na Agência Brasil.

Em novembro, Lula esteve onde vai funcionar a fábrica e viu a primeira máquina de embalar comprimidos funcionando, num teste.

Agora, a Vale concordou em pagar a reforma que precisa para a fábrica receber os equipamentos definitivos- que já chegaram ou estão chegando.

Abaixo, outra reportagem da Agência Brasil, assinada do Rio de Janeiro (mas pautada pelo até há pouco correpondente na África, que já estava fora da empresa…)

RIO DE JANEIRO – Será assinado na quarta-feira (2), em Maputo, Moçambique, o acordo que dará início às obras de adequação do prédio onde funcionará a primeira fábrica de antirretrovirais daquele país. O projeto conta com apoio do governo brasileiro, por meio da unidade técnico-científica da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a Farmanguinhos, e a mineradora Vale.

O contrato será firmado entre a Vale, o Instituto de Gestão das Participações do Estado, ligado ao governo moçambicano, e a empresa sul africana Pro-Er, vencedora da licitação para adaptação da área, visando à montagem da fábrica.

As obras deverão durar cerca de 12 meses. A expectativa é que a fábrica comece a operar ao fim de 2012, disse nesta terça-feira (1º) à Agência Brasil o diretor de Farmanguinhos, Hayne Felipe. Os equipamentos serão doados pelo governo brasileiro, de acordo com compromisso assumido pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, durante sua primeira visita ao país africano, em 2003.

A Fiocruz está comprando os equipamentos em vários países, entre os quais os Estados Unidos e a Itália. “Nós vamos treinar o pessoal, capacitá-los, instalar os equipamentos, fazer a transferência de tecnologia dos nossos produtos para eles e a fábrica começa a operar”.

Até agora, foram gastos na aquisição dos equipamentos cerca de R$ 8 milhões. “Como há a transferência de tecnologia de Farmanguinhos para a fábrica, o que nós estamos fazendo é um espelho, uma imagem especular, da nossa fábrica para eles. O que nós temos aqui, nós estamos comprando igual e instalaremos lá”.

Os investimentos da mineradora Vale, no valor de US$ 4,5 milhões, permitiram resolver o problema de falta de recursos do governo moçambicano, que estava atrasando muito o desenvolvimento do projeto. “A Vale se prontificou [a doar] e está entrando com esses recursos, permitindo que as obras sejam feitas por meio da empresa que venceu a licitação”, disse Hayne Felipe.

A fábrica produzirá inicialmente 21 medicamentos que estão em domínio público. “Nós não podemos reproduzir medicamentos que estão sob patente. Então, você pode dizer, a grosso modo, que nós produziremos genéricos ou similares”. Parte desses remédios está vinculada a antirretrovirais, para tratamento da aids. Moçambique é um dos dez países do mundo mais atingidos pelo vírus da aids.

Hayne Felipe afirmou que a produção de antirretrovirais em Moçambique evitará o problema de interrupção do fornecimento de medicamentos por causa da necessidade externa de financiamento e de importação. “Inclusive, um problema que a gente observou e que já está ocorrendo, que é um certo nível de resistência do vírus, porque você não tem uma sequência de fornecimento para a população”.

Outros medicamentos são destinados ao tratamento de diabete, hipertensão, entre outras doenças, informou Felipe. A estimativa é que serão feitas 300 milhões de unidades farmacêuticas de antirretrovirais e em torno de 150 milhões de unidades de outros medicamentos. “No total, a gente estima que ela [produção] vai estar entre 450 milhões e 500 milhões de unidades farmacêuticas por ano”.

A construção da primeira fábrica de medicamentos de Moçambique vai representar economia de divisas para o país africano, que deixará de importar esses remédios. Antes, só havia uma fábrica de soros no país. “Então, toda a assistência farmacêutica moçambicana é dependente de importação e, principalmente, financiada por programas de governos estrangeiros ou de organismos internacionais”.

Dependendo do volume de produção e da demanda externa, Moçambique poderá se tornar um polo exportador para toda a África, como afirmou em novembro do ano passado o ex-presidente Lula em sua última viagem ao Continente Africano, admitiu o diretor de Farmanguinhos. Ele acentuou que, se Moçambique “conseguir o que o Brasil conseguiu, ou seja, ter um controle efetivo sobre a infestação com o vírus, é possível que a sobra dessa produção possa ser ofertada aos países vizinhos”. Ressaltou, porém, que originalmente, a fábrica objetiva atender à demanda da população moçambicana.

BioÁfrica

Biocombustíveis na África podem mudar a cara do continente.

Baixar gastos com petróleo – muita grana, que pode ir pra outras coisas.

Poluir muito menos. Gerar emprego.

Isso, se for com cuidado e responsabilidade.

Se trouxer emprego decente e deixar a tecnologia aqui.

Se ajudar na educação profissional. Se levar infraestrutura para onde não tem.

Se não encher o país só de cana, porque aqui precisa de muito mais comida.

Se bem que, pelo que compreendi, o problema da fome não é, propriamente, só produção. Mas distribuição principalmente.

Em suma: a culpa, mesmo, é do busínes.

25/02/2011
Brasil vai ajudar Moçambique em estudo para produção de biocombustíveis

Eduardo Castro
Correspondente da EBC na África

Maputo (Moçambique) – Brasil, União Europeia e Moçambique anunciaram hoje (25) o início de estudos conjuntos para determinar o potencial do território moçambicano para produzir biocombustíveis. Será o primeiro país africano a se beneficiar da cooperação, que pretende auxiliar na implementação de projetos nesse setor em várias partes do continente.

“Esperamos que esse projeto contribua para criar um mercado mundial de biocombustíveis”, disse o embaixador André Amado, subsecretário de Energia e Alta Tecnologia do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, durante a cerimônia de lançamento, em Maputo. “Biocombustíveis são uma benção”, afirmou.

O trabalho será conduzido por técnicos da Fundação Getulio Vargas e financiado pela mineradora Vale, ambas brasileiras. O projeto estava previsto desde a assinatura de um uma declaração conjunta, em julho do ano passado.

Moçambique estuda como produzir e usar biocombustíveis em larga escala desde 2007. Dois anos depois, o país aprovou a Estratégia Nacional para o setor, que será majoritariamente explorado por investidores privados.

Segundo o ministro de energia de Moçambique, ainda este ano deve ser aprovada a lei que obriga a misturar álcool à gasolina e biodiesel ao óleo diesel. “Será uma forma de criar o mercado”, afirmou Salvador Namburete. De acordo com o ministro, a regra vai determinar um prazo para a adoção da mistura. Também vai estipular que, caso ainda não haja produção nacional suficiente, Moçambique deverá importar biocombustível para completar a porcentagem. “Acredito ser possível comprarmos viaturas [automóveis] com motor flexível, produzidos no Brasil, por exemplo.”

Para Namburete, “o biocombustível é o caminho”, ainda mais agora, com a nova escalada nos preços do petróleo, por causa da crise política nos países produtores, como a Líbia. “Algumas projeções falam em fecharmos o ano com barril custando acima de U$ 220. Em 2008, quando houve uma queda de preços, houve quem acreditasse que o problema tinha acabado. Agora, estamos algumas estacas à frente”.

O passo inicial da cooperação é fazer o levantamento completo das condições de relevo, clima, solo, sociais, ambientais, de mercado, de infraestrutura e de marco legal do país. Tudo o que pode impactar na sustentabilidade e viabilidade da produção da bioenergia. Moçambique já tem parte do trabalho feito, o que deve abreviar a primeira etapa, prevista para terminar em setembro.

Identificadas as áreas adequadas para o cultivo, o estudo recomendará modelos de negócio e projetos, que poderão envolver etanol, bioeletricidade, biodiesel, biomassa sólida, ou ainda uma combinação entre elas, ou com a produção de alimentos. A expectativa é que os primeiros resultados surjam em cerca de três anos.

“Moçambique tem tudo para ser um dos líderes africanos na produção de biocombustíveis”, afirmou César Campos, da Fundação Getulio Vargas. “[O país] está entre o Trópico de Capricórnio e a [a linha do] Equador, e no meio do caminho entre a Europa e a Ásia”, disse.

O projeto, segundo ele, está preocupado em integrar a comunidade nas ações e nos resultados, gerando empregos de forma sustentável. “A ideia é sempre aproveitar áreas já degradadas e incluir as comunidades e também a produção de alimentos”, declarou Campos. “Experiências anteriores, como culturas de algodão, só perpetuaram a pobreza aqui, e não nos interessa repetir o modelo”, disse o ministro Namburete.

O ministro diz ser algo equacionável plantar para produzir combustível em um país que ainda tem parte da sua população passando fome. “Temos consciência dos desafios quanto ao uso da terra, e vamos trabalhar para que haja o equilíbrio com a produção alimentar. Está provado que o futuro será a coexistência, e não o conflito”, afirmou. “Esse problema não se põe aqui.”

O representante do governo brasileiro reforçou que “o biocombustível não compete com a produção de alimentos, porque sua produtividade é muito alta”. “Mas é preciso ser responsável na aplicação, levando em conta as particularidades locais, sem simplesmente repetir o que funcionou em um país no outro”, disse André Amado. “Não é a panaceia para todos os problemas. Mas, certamente, tem seu lugar no desenvolvimento da África.”

O embaixador afirmou ainda que o projeto envolve transferência de conhecimento e tecnologia. “Não interessa nem ao investidor que, caso quebre uma máquina, ele tenha que fazer manutenção no país vizinho”, disse.

Edição: Talita Cavalcante

Luanda e Maputo atraem imigrantes

Eles vêm da África e da Ásia atrás da famosa “vida melhor”.

Sinal de que Angola e Moçambique já têm seus atrativos.

Ou, pelo menos, já criam essa ilusão na cabeça de outros povos.

E pensar que 20 anos atrás os dois estavam enfiados na guerra civil.

A pobreza ainda é enorme, os problemas também.

Mas…

Pra quem não conhece: é Luanda aí em cima. E Maputo aqui embaixo.

Reportagem da Agência Brasil.

24/02/2011
Serviço de Imigração de Angola detém estrangeiros que tentavam entrar ilegalmente no país

Eduardo Castro
Correspondente da EBC na África

Maputo (Moçambique) – Vinte e um cidadãos do Mali, da Costa do Marfim, Guiné-Bissau, República da Guiné e do Senegal foram detidos nessa quarta-feira (23) ao tentar desembarcar ilegalmente em Angola. O grupo foi detido em Cacuaco, às 3h, depois de uma denúncia anônima feita ao Serviço de Migração e Estrangeiros Angolano (SME).

Segundo o diretor do SME, Freitas Neto, grandes redes foram estruturadas em países vizinhos para levar cidadãos ilegalmente para Angola. Graças aos negócios do petróleo, Angola tem recebido vários investimentos estrangeiros nos últimos anos, que geraram grande número de novas construções na capital Luanda. A cidade reúne praticamente metade da população angolana e já não garante emprego para seus próprios habitantes.

As redes de imigrantes ilegais contam com o auxílio de funcionários do próprio SME. Nesta semana, uma agente foi surpreendida ao receber US$ 3 mil de um cidadão brasileiro que estava sem a documentação adequada. A funcionária foi detida. De acordo com o diretor, dez agentes já foram presos este ano.

Em Moçambique, mais de 400 cidadãos procedentes do Paquistão, de Bangladesh, da China e Índia aguardam o repatriamento alojados em um centro de formação de agentes alfandegários em Boane, nas proximidades da capital Maputo. Ainda não há previsão de quando serão embarcados de volta. Eles chegaram ao aeroporto de Maputo, procedentes da Etiópia, sem os documentos adequados.

Na última terça-feira (22), dez dos integrantes do grupo tentaram fugir, mas foram recapturados. De acordo com o comando da polícia, três policiais foram detidos recentemente, acusados de facilitar a fuga de três paquistaneses que aguardavam repatriamento. Os agentes teriam recebido suborno de 10 mil meticais – a moeda do país (cerca de R$ 540).

Edição: Graça Adjuto

Angola também?

23/02/2011
Clima de revolta social no Norte da África pode chegar ao centro da região

Eduardo Castro
Correspondente da EBC na África

Maputo (Moçambique) – O clima de revolta social no Norte da África pode começar a ser sentido no centro do continente, caso a convocação de um grupo angolano dê resultado. “Sem falta, a manifestação antigovernamental em Angola vai começar à 0h do dia 7 de março de 2011, de Cabinda a Cunene”, diz texto divulgado em uma página da internet.

A convocação é assinada por alguém identificado como “Agostinho Jonas Roberto dos Santos” – uma clara referência a figuras históricas do movimento de independência do país (Agostinho Neto, Jonas Savimbi, Holden Roberto e Wilson dos Santos).

Por e-mail, o autointitulado líder do Movimento Revolucionário do Povo Lutador de Angola (MRPLA) disse à Agência Brasil que infelizmente, por segurança, não pode revelar quem faz parte do grupo. “Mas, estamos na fase final de mobilização do nosso povo para o grande dia”.

Segundo “Agostinho Jonas”, a manifestação não está ligada a nenhum partido politico angolano. “Isso foi uma iniciativa de um jovem. E, como vês, está num bom caminho, porque Angola toda já recebeu a nossa mensagem e temos o apoio de muitos angolanos na diáspora (na França e no Canadá)”, assegurou.

O site convoca a população para uma marcha a partir do Largo da Independência, em Luanda, exigindo a saída do Zé Dú (o presidente angolano José Eduardo dos Santos) e seus ministros. De acordo com a mensagem, “os angolanos estão cansados da pobreza extrema, da cultura de medo e intimidação, da miséria, da autocracia e outros males (…)”.

As reclamações são focadas na figura do presidente (há quase 32 anos no poder), na mudança constitucional que acabou com as eleições diretas para o cargo e o “controle dos recursos” do país, segundo maior produtor de petróleo da África.

A página foi criada em 4 de fevereiro, “tendo como fonte de inspiração as manifestaçõeses no mundo árabe”, segundo o próprio autor. De acordo com ele, até agora o governo não o procurou, apesar do espaço que o assunto tem ganhado em discussões na internet e até em alguns veículos angolanos.

“Estamos muito cautelosos na campanha de mobilização nos nossos bairros e em toda Angola”, afirmou o líder. “Estou a ser diariamente alertado que o MPLA (partido do governo) está à minha procura”.

O secretário de Informação do MPLA, Rui Falcão Pinto de Andrade, não acredita que situação semelhante à dos países do Norte da África se repita em Angola. Citado pela Voz da América (serviço oficial de radiodifusão do governo dos Estados Unidos), Andrade disse acreditar que “José Eduardo dos Santos é um fator de estabilidade para o partido no poder”.

Em entrevista à Rádio Nacional de Angola, o secretário-geral do MPLA, Dino Matross, afirmou que o governo trabalha para a estabilidade do país e alertou que “o poder não pode estar nas ruas”. Para ele, o que for considerado abusivo não será tolerado.

“Nós temos uma nova Constituição, temos leis, e é com base na nova Constituição e nas leis que vamos agir”, disse. “Sabemos o que aconteceu (na guerra civil), perdemos vidas, a infraestrutura foi destruída, quase não havia empregos para as pessoas”.

“Agostinho Jonas” disse que espera pela ação da polícia, caso o protesto convocado por ele para o dia 7 de março realmente ocorra. “Mas estamos a apelar à nossa Polícia Nacional e às Forças Armadas angolanas que juntem-se ao povo, como foi no Egito” acrescentou, na entrevista por e-mail. “Eles não têm nada a perder porque estão na mesma miséria, pobreza e sob um regime que nem se interessa pelas necessidades deles. São benvindos à nossa manifestação”.

A página já provocou várias discussões em outros blogs, onde “Agostinho Jonas” e seu movimento são chamados, entre outros adjetivos, de “aberração”, “logro”, “estranho” (por ter criado um movimento com sigla tão parecida com a do partido do governo), “pouco inteligente” (por ter feito uma convocação pública com muita antecedência). Ele também foi definido como “corajoso” e recebeu palavras de apoio.

“Nós apenas daremos fim a essa manifestação quando [José Eduardo dos] Santos, seus ministros e companheiros renunciarem ao poder e saírem de Angola”, afirmou.

A Embaixada de Angola em Brasília está sem adido de imprensa e não confirmou nem desmentiu as informações sobre uma eventual mobilização no país.

Comida é pasto

Cada vez mais pobres, cada vez mais famintos.

Você tem fome de quê?

23/02/2011
Estudo mostra que setor público africano deve aumentar investimentos na agricultura

Eduardo Castro
Correspondente da EBC na África

Maputo (Moçambique) – O setor público deve aumentar os investimentos na agricultura na África, onde a produtividade agrícola ainda é muito baixa. A conclusão está no estudo Perspectiva para uma Agricultura Comercial na África Subsaariana, divulgado este mês em Maputo pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) e pelo Banco Mundial.

Em Moçambique, por exemplo, cada hectare gerava cerca de 60 toneladas de mandioca entre 2004 e 2006. No Brasil, a mesma área produzia mais de 100 toneladas. Na Tailândia, chegava a 140. “Aqui, a maior parte da produção é dos pequenos produtores, de pequena escala – máximo de dois hectares”, diz Calisto Bias, diretor-geral do Instituto de Investigação Agrária de Moçambique. “E a produtividade nessas áreas ainda não é aquela que desejamos. Existe um grande espaço para o aumento da produção das famílias e, por consequência, o aumento da produção nacional”, explica.

De acordo com o diretor, a comercialização e distribuição dos alimentos é outra questão a ser enfrentada. “Isso também inibe a produzir mais. Os produtores ficam apenas no consumo das suas famílias, sem estarem devidamente orientados para o mercado”, afirma Bias.

Em entrevista à TV Brasil no fim do ano passado, o ministro da agricultura José Pacheco indicou que o setor está pronto para dar um salto. “O potencial que o país permite, a curto prazo, sermos uma potência na agricultura, e com uma perspectiva de sustentabilidade”, assegurou. “Isso depende, basicamente, de fazer o uso das nossas capacidades para intervir nas potencialidades agro-ecológicas de Moçambique, para produzirem mais comida”, explicou à época.

No total, 80% da população moçambicana vive basicamente da agricultura, que contribui com cerca de 22% no Produto Interno Bruto do país. As culturas básicas de subsistência são milho, arroz, mapira (espécie de sorgo), amendoim, meixoeira (tipo de cereal), feijões e mandioca. A produção comercial envolve cana-de-açúcar, algodão, tabaco, chá, girassol, copra, gergelim, gengibre, soja, páprica, castanha de caju, entre outras.

O Ministério da Agricultura já disponibiliza sementes e fertilizantes melhorados geneticamente no Instituto de Investigação. “Moçambique já produz quantidades suficientes de milho e mandioca. O problema é a movimentação dessa produção”, diz Calisto Bias. Segundo ele, também já há hortícolas e batata reno em boas quantidades. Quanto ao arroz, o déficit está acima de 300 mil toneladas.

De acordo com o estudo da FAO e do Banco Mundial, a África deve combinar as apostas nos mercados agrícolas interno e global, além de investir em pesquisa, infraestrutura e acesso ao financiamento.

No início do mês, as Nações Unidas fizeram um alerta sobre a possibilidade de falta de alimentos nos países da África Austral, afetados por inundações que danificaram grandes extensões de terras agrícolas.

Outro fator que preocupa os especialistas é o aumento internacional nos preços dos alimentos, que levou 44 milhões de pessoas à pobreza em países em desenvolvimento, desde junho passado. O dado consta de um relatório do Banco Mundial divulgado antes do encontro dos ministros das Finanças do G20, em Paris.

De acordo com o Food Price Watch, índice do preço dos alimentos do Banco Mundial, o acréscimo foi da ordem de 15% entre outubro de 2010 e janeiro de 2011 – 29% acima do verificado ano passado.

A internet voltou. Mas Khadafi continua

Uns vão e voltam – a internet, por exemplo.

Já alguns não vão nunca.

Inevitável, sobre Khadafi: em 2003, Lula foi recebido por ele na tenda montada dentro do complexo do Palácio (que foi bombardeado pelos americanos nos anos 80 e continua lá, sem ter sido mexido).

Nós, os jornalistas, chegamos correndo, porque uma multidão bloqueou o comboio. Tinha até cavalo no meio da pista…

Correndo chegamos, corremos entramos na tenda, cercada pelas famosas seguranças-mulheres. A tempo de ver (e fazer a imagem do) Lula cumprimentando Khadafi, a uns cinco metros de mim. Logo atrás vem o Fernando Rodrigues, da Folha, esbaforido, que bate o olho e manda, baixinho no meu ouvido:

“Ih, ó lá! O Khadafi é uma mistura de Reginaldo Rossi com Wanderlei Luxemburgo!”

Minhas pernas ficaram bambas e meu rosto vermelho, de segurar a gargalhada. Quase cai no colo do Luxa – ops, do coronel Khadafi.

Não foi a única do dia. Terminado o encontro, a comitiva partiu pro hotel Corinthia Bab Africa (todo verde e branco, como, no geral, é a Líbia). Eu, o câmera Ubaldino Motta e o produtor João Beltrão – hoje chefe da Record Brasília – disparamos pro local da geração, a TV estatal. Pegamos carona numa Kombi cujo motorista só falava árabe.

Naquele tempo, quase século passado, não existia geraçao pela internet. Tínhamos que ir onde ficava o famoso “local da geração”, que conectava o satélite com o Brasil, a mil dólares o minuto. Tínhamos dez. Atrasou, perdeu.

Como é mister em países altamente democráticos, fomos parados pelo polícia, para que fosse averiguado o inusitado fato de uma câmera de TV sair por aí, livre e solta. Lembro da cara do polícia, acendendo um cigarro dentro da viatura, com uma luzinha acesa, e nós no escuro.

Liguei para o Heitor, do Itamaraty:

“Ó, a polícia nos parou.”
“E o que ele disse?”
“Meu árabe, ainda que escorreito, não me permite asseverar”.
“Liga avisando”.

Depois do chá de cadeira de praxe (Motta tinha escondido a fita, por via das dúvidas), fomos liberados com a ordem expressa de voltar para o hotel (pelo menos foi isso que eu entendi, no meu árabe escorreito). Claro que mandamos o cara tocar pra TV. Mais confusão, mas chegamos, minutos antes do sinal abrir.

Tudo miraculosamente gerado, hora de voltar. O cara da TV queria nossos passaportes, que tinham ficado lá na tenda do Khadafi. Mais telefonemas, mistura de inglês, árabe e italiano… podemos ir. Mas tragam os passaportes amanhã, ok? Ok.

Quando chegamos ao hotel, era uma correria. Afinal, “jornalistas brasileiros haviam sido presos e possivelmente, agredidos” (era o que se dizia lá). Indignação na sala de imprensa, onde já se praparavam as matérias contra a sangrenta ditadura, exigindo a liberdaaade dos colegas…. que éramos eu, Motta e João.

“Bateram em vocês?”, me perguntou o então ministro Ciro Gomes. “Não, nada, só uma chateação lá.” Se não me falha a memória, até o chanceler Celso Amorim veio nos ver, sem contar Johnny Saad, nosso patrão, que fazia parte da comitiva do presidente.

Conheço coleguinha que passou pelo mesmo e quase publicou livro depois, descrevendo as agruras pelas quais- oh! – tinha passado…

Quando é, é. Foi o caso dos nossos Gilvan e Corban lá no Egito, há umas semanas. Mas quando não é, não é.

Abaixo, reportagem da Agência Brasil. Preparo outra, para entre hoje e amanhã, sobre como a coisa espalhou-se pela África. E seguirá se espalhando.

21/02/2011
Ki-moon fala com Khadafi e mostra preocupação com aumento da violência na Líbia

Eduardo Castro
Correspondente da EBC na África

Maputo (Moçambique) – O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, falou hoje (21) por telefone com o presidente da Líbia, Muammar Khadafi. De acordo com o relato distribuído pela ONU, foi uma “ampla conversa”, na qual Moon manifestou “profunda profunda preocupação com o aumento crescente da violência” no país. Ainda de acordo com o texto, o secretário-geral solicitou o fim “imediato” dos atos violentos e apelou pelo respeito “às liberdades fundamentais e aos direitos humanos, incluindo os de associação pacífica e de informação.”

Ki-moon também convocou as autoridades a iniciar um diálogo amplo para responder às preocupações legítimas da população. Não há referência no comunicado às palavras de Khadafi, nem sobre onde ele estaria quando da conversa telefônica. Rumores de que o líder líbio teria deixado o país rumo a Venezuela circulam por vários veículos de comunicações desde o início do desta segunda-feira (21). O Ministério dos Negócios Estrangeiros da Líbia negou que Khadafi tenha deixado o país.

Na sede das Nações Unidas, em Nova York, diplomatas líbios anunciaram apoio aos protestos antigoverno e pediram interferência da ONU. De acordo com a rede de televisão árabe Al Jazeera, pilotos de dois caças Mirage líbios pousaram sem autorização na Ilha de Malta e pediram asilo, alegando terem se recusado a atirar sobre manifestantes em Benghazi, segunda maior cidade da Líbia e palco de grandes manifestações contra o governo.

Uma marcha em Trípoli teria sido alvo de tiros disparados de aviões militares. A sede do Parlamento estaria entre os prédios incendiados por opositores nos protestos, segundo a Voz da América. Tiros também foram ouvidos na segunda-feira à noite, de acordo com testemunhas. O Departamento de Estado dos Estados Unidos ordenaram a retirada do país de parentes dos diplomatas americanos e de todo o pessoal considerado “não essencial”.

Cortes na internet e nos serviços de telefonia dificultam a comunicação com a Líbia, bem como a verificação de informações de forma independente. Não há nenhuma confirmação sobre o número de mortos nos protestos, apenas relatos de entidades civis não governamentais que apontam para mais de 60 as vítimas fatais apenas nesta segunda-feira.

Edição: Vinicius Doria

Nada de internet ainda

Sem conexão – desde sábado passado.

Lembra que eles tinham dado 72 horas? Pois é. Não foi.

A promessa, agora, é segunda-feira. Vamos ver.

Havendo como, volto a escrever com a frequência de sempre.

Aqui e por aí.

O pouco acesso que tive usei para enviar duas reportagens para a TV Brasil.

Uma sobre a chegada das manifestações à Líbia (tá aqui, ó).

E outra que foi ao ar no Repórter Brasil de sábado, sobre as enchentes em Moçambique. Clique aqui para assistir.

Vamos ver se amanhã retomamos a rotina.

Líbia também?

E então? O dominó segue ou não segue.

Eu não me arrisco. Os especialistas que opinem.

Clicando aqui, você assiste à reportagem da TV Brasil.

17/02/2011
Protestos na Líbia têm forte componente político, diz acadêmico africano

Eduardo Castro
Correspondente da EBC na África

Maputo (Moçambique) – Relatos passados pelas redes sociais na internet informam que pelos menos 14 pessoas foram presas hoje (17) durante manifestações contra o governo da Líbia em Benghazi, a segunda cidade mais populosa do país africano. Os protestos do chamado Dia da Ira foram convocados depois dos conflitos de ontem entre manifestantes oposicionistas e as forças de segurança do governo de Muammar Kadhafi, no poder há 42 anos.

De acordo com a página oposicionista Libya Al-Youm, pelo menos quatro pessoas morreram na quarta-feira (16), na cidade de Baida. Segundo a Agência Lusa, de Portugal, o número de mortos nas quatro principais cidades líbias, incluindo a capital Trípoli, chega a 14.

Para defender o governo, centenas de apoiadores do presidente Muammar Kadhafi saíram às ruas de Tripoli, em uma contraposição às manifestações de Benghazi.

Para o doutor em conflitos africanos Ali Jamal, do Instituto Superior de Relações Internacionais de Moçambique, o cenário dos protestos é o mesmo: Norte da África, países árabes majoritariamente muçulmanos, grandes massas populares empobrecidas e governos autoritários instalados há décadas. “Nesses países há o multipartidarismo de disfarce que, de fato, é um regime de monopartidarismo brutal. Sabemos que as pessoas não têm liberdade de se manifestar.”

Entretanto, segundo Jamal, Tunísia, Egito e Líbia vivem situações diferentes. “Na Tunísia, o grande motivador foi econômico. No Egito, como o governo cedeu, os egípcios sentiram-se fortes para pedir a queda do presidente [Hosni] Mubarak, já com um forte componente político no protesto”.

“Na Líbia, a questão é mais política”, disse o professor. “Muitos dos serviços públicos e benefícios sociais são subsidiados. É um país com uma economia mais estável e muito mais riqueza que alguns vizinhos”. De acordo com o acadêmico, é difícil prever até onde vai a força dos protestos. “O carisma de Muammar Kadhafi é muito grande, apesar de tanto tempo [no poder] e da falta de liberdade política”.

Edição: Vinicius Doria