O monstro, o correto e o dispensável

ThSilva

Publicado sexta, 18 de setembro (08:17)

(Nota: nos próximos dias, republico aqui minhas primeira colunas no Fato On Line. Cheque a data antes de discutir velhas novidades…)

Agora sim: Tenho dificuldades em entender o desespero de alguns colegas por causa da ausência de Thiago Silva na convocação da seleção brasileira que joga em outubro as duas primeiras partidas das Eliminatórias da Copa de 2018. Repare: entendo acharem que Thiago Silva tem futebol para estar na seleção. Isso até que ele tem. Mas não tem todo o resto. E isso faz uma baita falta.

A zaga da seleção não é grande coisa mesmo. Focam convocados os corretos – nada além – David Luiz (PSG), Marquinhos (PSG), Miranda (Atlético de Madri) e Gil (Corinthians). Nenhum craque incontestável, nenhum insubstituível. O contrário, até. É o que temos.

Eu não convocaria David Luiz. Apesar de valer milhões lá pros empresários geniais da Europa (tem Coaf na União Europeia, aliás?), não passa de um jogador correto. Não é grosso; é correto, esforçado. Tem um cabelão engraçado (parecido com o Pshyco Bob, que vive querendo matar o Bart nos desenhos dos Simpsons), mas, principalmente, é ótimo de márquetim. Tão bom que, graças a sua enorme exposição, virou o jogador-símbolo dos Sete a Um.

Mas não é por que a zaga não é lá um portento que vamos chamar de volta quem já não funcionou. Thiago pode ter dado certo no Fluminense, no Milan, no Paris Saint-Germain. Mas, na seleção brasileira, não deu.

Vá lá: cite qual é a primeira coisa que vem à sua cabeça quando falamos de Thiago Silva. Meus colegas que sabem de cor o time reserva do Borussia Dortmund da temporada 2004/2005 e outras informações similares talvez digam que foi o melhor zagueiro do Brasileirão 2008, pelo Fluminense. Ou que é ídolo no Milan. Mas você, que, como eu, gosta mesmo é de torcer pelo seu time, aposto que vai dizer que lembra dele mesmo é chorando na beira do campo, nas quartas de final da Copa, contra a Colômbia, dizendo que não queria bater pênalti. E isso basta. “Ah, mas é um único momento numa carreira brilhante”. Sim, pode ser. Mas basta.

O sujeito era capitão da seleção brasileira, jogando uma decisão em casa. Podia ter jogado mal, podia ter feito gol contra. Mas não podia ter se mostrado incapaz de lidar com o momento. Quem é incapaz de lidar com pressão não pode jogar na seleção brasileira. E não consigo acreditar que tenha melhorado muito psicologicamente em um ano. Até porque, na Copa América, há dois meses, mostrou, de novo, que não tem no equilíbrio seu ponto forte. Meteu a mão na bola infantilmente, fazendo um pênalti que abriu caminho para o Paraguai empatar e tirar o Brasil da semifinal contra a Argentina. Tão ruim quando fazer, foi não admitir – disse que “não percebeu” que havia enfiado o bração na bola.

Tinha feito burrada parecida num jogo decisivo do PSG contra o Chelsea. Mas ali conseguiu, pelo menos, fazer um gol depois. Com a camisa do Brasil ele nunca fez o gol depois. “Monstro” (apelido dele na Itália) não falha desse jeito e por esse motivo na hora decisiva. Não adianta nada jogar bem o ano todo – a vida toda até – se não consegue fazer o mesmo quando mais se precisa que ele jogue.

Compare com Paolo Guerrero. Não é um gênio, não é um monstro – mas, quando o time precisa dele, não se omite, está lá. E faz. Foi assim no Corinthians, tem sido assim no Flamengo. Qual dos dois você prefere no seu time?

Há chances na vida que só se tem uma vez. Imagine a mocinha, na frente da igreja, linda, vestida de branco, de braço dado com o papai, pronta para realizar seu sonho. Só que a porta não abre, a marcha nupcial não toca. Daí alguém vem e fala: sabe o que é? É que o noivo não aguentou a pressão, começou a chorar na sacristia e diz que não quer mais brincar”. Monstro sim, mas veja só por qual motivo. A escolha é do casal, óbvio. Se eles quiserem, podem até tentar casar de novo. Mas o papai aqui não deixaria de alertar: “desculpa, anjo: esse cara vai te deixar na mão ali, na primeira dificuldade. Pense bem antes de entrar nessa fria”.

É assim com Thiago Silva. Mas, e daqui um tempo? Talvez. Depois que nos esquecermos do Sete a Um e de tudo o que levou àquilo. Você vai esquecer? Eu não.

http://fatoonline.com.br/conteudo/9191/o-monstro-o-correto-e-o-dispensavel?or=h-opi-colu&p=l&i=5&v=0

A Suazilândia, as virgens, os negócios – todos continuam

Escrevi o texto que está aí embaixo há exatinhos quatro anos, quando assisti à Festa do Caniço da Suazilândia – a tal festa das virgens, quando o rei, anualmente, escolhe a próxima esposa.

A Swazi é do tamanho do Distrito Federal. Em 2011, eu morava no vizinho Moçambique, a menos de 200 quilômetros da capital Mbabane. Várias vezes fomos almoçar lá, nos fins de semana, onde a carne é boa e mais barata que em Maputo.

Lembro da impressão que me causou, logo no posto de fronteira, a foto oficial do rei, na parede. Ao invés de um senhor de gravata ou uma senhora de tailler, um jovem vestido de peles, com uma coroa com três plumas vermelhas (dá pra ver na foto, ai embaixo).

Ao escolher a esposa, o rei pensa no equilíbrio étnico e político do país, como acontece na composição de um ministério. Tem ano que ele não escolhe nenhuma. Tem ano que demora dias pra anunciar a escolhida.

A festa de 2015 começa hoje, dia 31 de agosto. Um reality show demasiadamente reality.

A Suazilândia é a única monarquia absolutista da África. O país é bem pequeno – quem entra nele, de carro, pela fronteira com Moçambique, chega do outro lado, na África do Sul, em apenas três horas.

Um milhão de habitantes dividem o espaço com uma bela paisagem, leões, rinocerontes, macacos, búfalos, enormes plantações de cana de açúcar. E com a família real.

Dividem o espaço, mas não a riqueza. De cada três suazis, dois vivem com menos de um dólar por dia. Dificuldade, é evidente, que não atinge o rei ou seus familiares.

Assim, ser da família real (na Suazilândia e em qualquer outra parte que ainda tenha família real, diga-se), acaba sendo um bom negócio.

Ponto, parágrafo.

Na última semana, milhares de jovens reuniram-se para uma cerimônia que se repete há 25 anos. As meninas do reino suazi dançam e homenageiam a Rainha-Mãe. Trazem para ela caniços (longos bambus) que servirão para adorno e segurança do palácio em que ela vive.

A festa também celebra a unidade nacional e a pureza das jovens – é o que diz o texto que recebemos do Ministério do Turismo.

As garotas – 80 mil, segundo a casa real – vêm de todo reino. Recolhem os caniços em um ponto pré-determinado, carregam os feixes a pé pela estrada, trazem os presentes até o palácio da Rainha e dançam em um estádio montado só parta a ocasião.

Tudo isso leva oito dias (como a Sandra explicou em detalhes aqui, no Mosanblog). O rei participa dos dois últimos, ao assistir às danças e anunciar se, desta vez, escolherá uma das meninas para ser sua próxima esposa.

Ele já fez isso 13 vezes.

Ponto, parágrafo.

Será que é muito diferente que preparar seu menino de nove anos para um empresário levá-lo pra jogar na Europa? Ou a sua garotinha para a agência de modelos, que fará dela uma estrela dos próximos comerciais, do concurso de miss, do programa de humor ou do estábulo do próximo reality?

Sei não.

Ponto final.

Dia Mundial de Combate a AIDS

01/12/2010
Para ONU, redução dos casos de aids na África é motivo de orgulho

Eduardo Castro
Correspondente da EBC na África

Maputo (Moçambique) – Em um comunicado divulgado hoje (1), o diretor executivo do Unaids (Programa das Nações Unidas para HIV/Aids), Michel Sidibé, disse que há motivos para orgulho neste dia mundial de combate à síndrome. “Houve redução global no número de novos casos e mortes perto de 20%. Isso significa que menos gente está se infectando com o HIV e menos gente morrendo de aids”, afirmou Sidibé.

Segundo o diretor do Unaids, 56 países estabilizaram ou reduziram o ritmo de novos contágios. “Pela primeira vez, quebramos a trajetória da epidemia e alcançamos na primeira parte da Meta do Milênio relativa ao HIV.” Mas a nota também lembra que os “duros ganhos são frágeis”. A aids matou 30 milhões de pessoas até agora, enquanto 10 milhões esperam tratamento, muitas enfrentando estigmas e preconceitos. “É possível ter esperança, mas o compromisso precisa ser mantido”. Sidibé estimou que, em 2015, a transmissão da infecção de mãe grávida para o filho (transmissão vertical) poderá estar virtualmente eliminada.

A pediatra brasileira Mônica Machado, que atua na organização não governamental (ONG) Médicos Sem Fronteiras, em Moçambique, não é tão otimista. “Acho que aqui, na África, será difícil”, disse ela. Para a médica, práticas que foram muito eficazes para evitar a contaminação vertical em outras regiões do mundo são difíceis de ser repetidas no continente. “Não conseguimos falar em fazer cesarianas no lugar do parto normal”, lamentou a médica, lembrando que 70% dos casos de contágio de mãe para filho se dão no momento do parto. Muitas crianças do interior da África nascem com auxílio de parteiras, longe dos hospitais.

A segunda maior incidência da transmissão vertical se dá pelo aleitamento materno. “Não existem condições que nos permitam preconizar a suspensão do aleitamento para bebês de mães infectadas porque, em muitos lugares, o leite da mãe é um dos únicos alimentos disponíveis para o recém-nascido”, disse a pediatra brasileira, por causa das condições de higiene e pela pouca oferta de comida.

Hoje, a África tem mais de 22,5 milhões de pessoas contaminadas pelo HIV. É o equivalente a toda população de Moçambique, um dos dez países mais afetados pela epidemia no mundo. São 60 mil mortes relacionadas à doença por ano. O país tem índice de prevalência de 11,5% entre homens e mulheres de 15 a 49 anos de idade. No meio rural, o percentual cai para 9,5%. Mas, nas cidades, chega a 15,9%. No Brasil, por exemplo, o índice é de 0,5%.

“A cidade é agressiva, exige comportamentos que as pessoas não estão habituadas”, analisou o médico João Schwalbach, ex-diretor da Faculdade de Medicina da Universidade Eduardo Mondlane. Para ele, o grande problema é a falta de proteção nas relações sexuais. “Esses comportamentos mais liberais, no caso da aids, levam à infecção”, disse ele, que foi responsável pela redação final da Política de Combate ao HIV/Aids na capital Maputo.

Mesmo com tantas dificuldades, foi na África Subsaariana, onde vivem 70% dos infectados de todo o mundo, que o Unaids registrou os maiores avanços na luta contra a síndrome. Juntos, os 22 países da região tiveram um declínio de mais de 25% nos registros de novos casos entre 2001 e 2009. Os países mais afetados (Costa do Marfim, Nigéria, África do Sul, Zâmbia e Zimbábue) foram os que registraram as maiores quedas.

Em Moçambique, o maior avanço se deu no acesso ao tratamento. Um salto de 6 mil atendidos em 2005 para mais de 200 mil este ano. Mesmo assim, ainda é pouco. “Já foi feito um grande esforço, mas ainda é completamente insuficiente”, lamentou o médico Schwalbach.

Edição: Vinicius Doria

Pela última vez como presidente, Lula se despede da África

Maputo despediu-se de Lula com muita gente na pista do aeroporto. Na correria, não tirei nenhuma foto em que ele aparece…

Bélia adorou ver o presidente “de pertinho”, mas ficou mais radiante quando ela e o Estevão, nosso cinegrafista, foram apresentados ao presidente moçambicano, Armando Guebuza.

Como toda visita presidencial, houve muito trabalho, muita tensão e – isso nem sempre é assim – muita notícia.

Lula parou para falar conosco nos três dias, em entrevistas rápidas, mas organizadas.

Como dizemos no nosso jargão, “deu lead”.

10/11/2010
Moçambique: Lula volta a defender Enem, mas diz que prova pode ser refeita

Eduardo Castro
Correspondente da EBC na África

Maputo (Moçambique) – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse hoje (10) que qualquer problema ocorrido nas provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) não invalida os resultados alcançados e que o processo vai continuar. “O Enem é um exemplo de uma coisa bem-sucedida. Se tem problemas, vamos consertar”, afirmou. Lula falou com os jornalistas na Base Aérea de Malavane, minutos antes de deixar a capital moçambicana rumo à Coreia do Sul, onde participa da reunião do G20.

O presidente garantiu que a Polícia Federal vai investigar para saber o que ocorreu efetivamente no exame e que nenhum jovem vai ficar sem cursar a universidade. “Se for necessário fazer uma prova, faremos; se forem necessárias duas, faremos. Mas o Enem vai continuar a ser fortalecido. É isso.”

Sobre a recomendação do Tribunal de Contas da União (TCU) de paralisar 32 obras públicas por irregularidades graves, Lula disse que o ato é uma questão administrativa. Do total, 18 são do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O relatório foi entregue ao Congresso Nacional, que decidirá se aceita a recomendação.

“Se o TCU encontrou alguma irregularidade, na lógica dele, numa obra, pode ficar certo que o ministério atingido vai entrar com recursos e isso certamente será resolvido”, afirmou Lula. “No fundo, faz parte da normalidade administrativa do nosso país”.

Sobre a prisão de um dos chefes da Receita Federal no Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo, e mais 22 pessoas, por suspeita de fraudar importações, o presidente disse que o fato mostra a seriedade do trabalho da polícia brasileira. “Seja quem quer que seja – do presidente ao menor servidor público – só tem um jeito de não ser molestado: é andar na linha.”

No último compromisso antes de deixar Moçambique, o presidente Lula visitou as futuras instalações da fábrica de remédios antiaids, que está sendo montada com patrocínio do governo brasileiro. Depois de uma espera de sete anos, a primeira máquina foi instalada para treinamento.

A mineradora brasileira Vale anunciou que irá ajudar o governo moçambicano a completar o valor necessário (U$ 4,5 milhões, aproximadamente R$ 7,6 milhões) para a adequações do prédio que vai abrigar os laboratórios. O investimento do governo brasileiro foi de R$ 13,6 milhões. A meta é produzir 250 milhões de comprimidos até 2012.

A comitiva do presidente deixou Maputo logo depois do meio-dia, hora local (8h em Brasília). A aeronave fará uma escala para abastecimento nas Ilhas Maldivas e desembarca em Seul ao meio-dia de amanhã (11), pelo horário local.

Chega a primeira máquina da fábrica de antirretrovirais

Demorou. Mas veio.

27/10/2010
Chega a Moçambique máquina brasileira da primeira fábrica de remédios contra Aids do país

Eduardo Castro
Correspondente da EBC para a África

Maputo (Moçambique) – Depois de quase sete anos de expectativa, chegou hoje (27) a Moçambique a primeira máquina da fábrica de remédios de combate à aids do país, que está sendo montada com auxílio do Brasil. O equipamento, uma emblistadeira, foi trazido do Rio de Janeiro para Maputo em um avião Hércules da Força Aérea Brasileira (FAB).

A máquina serve para moldar e embalar comprimidos. Foi levada para o local definitivo, um galpão na cidade vizinha da Matola, onde hoje já opera uma fábrica de soro fisiológico e glicose do governo moçambicano.

“Os técnicos começam o treinamento já nos próximos dias. Eles vão aprender a montar um equipamento deste porte, bem como utilizar o maquinário depois”, disse a coordenadora do projeto, a brasileira Lícia de Oliveira, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Ela acompanhou a chegada da máquina na pista do aeroporto, junto com representantes da embaixada brasileira, três técnicos e o futuro diretor da fábrica, o também brasileiro Roberto Castrignani.

A Fiocruz será responsável pela gestão técnica da planta, a primeira pública a produzir antirretrovirais na África. Laboratórios privados produzem remédios anti-aids em pequena escala em Uganda, no Quênia e na África do Sul.

Além da emblistadeira, outras máquinas virão do Brasil. “Essa foi emprestada pela Fiocruz. As definitivas já foram compradas e chegam a partir de março do ano que vem”, explicou Lícia. Também foram encomendados diversos equipamentos para fabricação, controle de qualidade e armazenamento de remédios.

A fábrica de antirretrovirais é um desejo antigo de Moçambique. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou, em 2003, a intenção de ajudar o projeto, durante a primeira visita dele a Moçambique. O Congresso brasileiro liberou a verba em dezembro do ano passado (R$ 13,6 milhões). Na nova visita que fará a Moçambique no mês que vem, entre os dias 9 e 10, o presidente Lula deve visitar o local onde a fábrica vai funcionar.

Moçambique é um dos dez países mais afetados pela aids no mundo, com índice de prevalência de 11,5% (no Brasil, por exemplo, é de 0,5%). Tem 1,5 milhão de infectados em uma população de 22 milhões de pessoas. Diariamente, 85 crianças nascem com o vírus HIV no país. Segundo o escritório local do Programa das Nações Unidas para HIV-aids (Unaids), 200 mil moçambicanos são tratados com antirretrovirais. Bem mais que os 6 mil registrados em 2005, mas longe do necessário.

Em setembro, o ministro dos Negócios Estrangeiros informou, em reunião das Nações Unidas sobre as Metas do Milênio, que, mesmo com o avanço, o país não conseguirá atingir seu objetivo no combate ao HIV. “Menos custo vai significar mais gente sendo atendida, porque teremos verba para comprar mais medicamentos, pagar mais médicos. É um ganho imenso”, relativizou o porta-voz do Ministério da Saúde moçambicano, Leonardo Chavane.

Além de antirretrovirais, a fábrica vai produzir medicamentos para combater a tuberculose e a malária. O prazo para o início das atividades depende, além da chegada dos equipamentos, do fim das obras de adequação do prédio.

Edição: Vinicius Doria

AIDS e África na TV Brasil

Como disse outro dia aqui e na Agência Brasil (clique aqui pra ver), a coisa é ruim, mas está melhorando.

Conversei com dois especialistas brasileiros – um que mexe com política pública, verba e estrutura; outra que está na ponta, tratando dos doentes. Eles são sinceros ao dizer que ainda falta muito. Mas deixam claro que muito já se caminhou.

Assista clicando aqui.

AIDS na África: segue ruim, mas está melhorando

Já tratei em reportagens anteriores, vou tratar em próximas: se diminiuírem os aportes internacionais, a coisa não vai.

Vale para investimentos, doações ou parcerias.

A turma sempre levou o quanto pode daqui – e, diga-se, continua levando.

Precisa mandar de volta também.

Abaixo, reportagem da Agência Brasil.

24/09/2010
Apesar dos avanços, Moçambique não vai alcançar os Objetivos do Milênio fixados para a aids

Eduardo Castro
Correspondente da EBC para a África

Maputo – Apesar dos vários avanços, Moçambique não deve atingir as metas de combate ao vírus HIV/aids previstas nos Objetivos do Milênio fixados pela Organização das Nações Unidas (ONU). “Temos de ser realistas e reconhecer que este objetivo dificilmente será cumprido por volta de 2015”, declarou o ministro dos Negócios Estrangeiros e Cooperação de Moçambique, Oldemiro Baloi, falando à Agência Lusa, durante encontro que tratou do tema esta semana, em Nova Iorque.

Os Objetivos do Milênio foram estipulados em 2000. Deveriam ser integralmente alcançados por todos os países membros até 2015. A meta estabelecida para a saúde é a inversão da tendência de crescimento da aids, da malária e de outras doenças graves. Também fazem parte dos objetivos a redução pela metade da pobreza extrema e da fome, o estabelecimento do ensino primário universal, a promoção da igualdade de gênero, a redução em dois terços da mortalidade infantil e em 75% da mortalidade materna, a garantia de sustentabilidade ambiental e o fortalecimento de parcerias globais para o desenvolvimento.

O resultado positivo de Moçambique em alguns desses aspectos gerou comentários favoráveis do presidente norte-americano, Barak Obama, durante a assembleia da ONU. Para Obama, Moçambique, Malaui, Etiópia e Tanzânia adotaram políticas de crescimento econômico que, segundo ele, os põe em marcha mais acelerada no combate à pobreza.

Com 1,5 milhão de seus quase 22 milhões de habitantes portadores do HIV, Moçambique é um dos dez países mais afetados pela aids no mundo, com índice de prevalência de 11,5% (no Brasil, por exemplo, o índice é de 0,5%). É vizinho da África do Sul, que demorou mais de dez anos para estabelecer uma política eficaz de combate à transmissão da doença. Também faz fronteira com a Suazilândia, país que tem o maior percentual de infectados no mundo – um em cada quatro habitantes adultos, o que faz com que a expectativa de vida da população seja de apenas de 37 anos.

O coordenador do programa das Nações Unidas para o combate à síndrome (Unaids) em Moçambique é o advogado brasileiro Maurício Cysne. Cearense, está há seis anos em Maputo. Ele acha que, mesmo sem atingir a meta em 2015, o país deu passos importantes nos últimos anos. “Tendo em vista a magnitude do problema, acho que estamos num bom caminho. Em 2005 tínhamos 6 mil pessoas em tratamento. Agora são 200 mil”, informou Cysne, lembrando que 60% das moçambicanas grávidas infectadas já recebem os remédios antirretrovirais. Para o especialista da ONU, o grande desafio é conseguir mudar comportamentos de risco e massificar ainda mais o uso do preservativo nas relações sexuais.

“Os ministérios de Comunicação, Transporte e Saúde, apoiados diretamente pelas Nações Unidas, têm programas concretos nos corredores de transportes”, disse ele, para evitar que o vírus seja “carregado” por caminhoneiros, prostitutas e comerciantes que circulam pelas fronteiras com África do Sul, Suazilândia e Zimbábue, no sul do país. No norte, de forte influência muçulmana, a incidência do HIV é bem menor.

Em meio às dificuldades, é na África Subsaariana (onde vivem 70% dos infectados no mundo) que são registrados os maiores avanços na luta contra o HIV. Dados do Unaids mostram que, juntos, os 22 países que ficam ao sul do Deserto do Saara tiveram um declínio de mais de 25% nos novos casos entre 2001 e 2009. Os países mais afetados – Costa do Marfim, Nigéria, África do Sul, Zâmbia e Zimbábue – foram os que registraram as maiores quedas.

Alguns recursos de prevenção, comuns em outros continentes, ainda são inatingíveis na África, por causa da pobreza e da falta de segurança alimentar. “Não existem condições de higiene ou acesso a água potável que nos permitam preconizar a suspensão do aleitamento materno para bebês de mães infectadas”, exemplifica a médica pediatra Mônica Machado, da organização não governamental (ONG) Médicos Sem Fronteiras. “Também não conseguimos falar em fazer partos cesariana no lugar do parto normal – dois fatores que ajudaram muito outros países a reduzir a transmissão vertical [da mãe para o bebê]”.

Por dia, 85 crianças nascem infectadas pelo HIV em Moçambique. Em muitos países, essa forma de contaminação caiu praticamente a zero. “Trabalhei por oito anos em Diadema (SP), e lá só vi isso acontecer uma vez”, lembrou Mônica. Ao olhar o quadro geral, ela se diz “esperançosa”. “É bom olhar pra trás e ver os ganhos que tivemos. Isso nos estimula a continuar lutando. Mas ainda há muito que trabalhar”, disse a pediatra.

Edição: Vinicius Doria

Feitiço é Feitiço. Doença é Doença.

Reportagem apresentada no Repórter Brasil.

Veja aqui como ficou.

Um pouco mais abaixo (e aqui também) você vê como eu tratei o mesmo assunto na Agência Brasil.

Afinal, se feitiço é feitiço e doença é doença, TV é TV. Agência é agência.

AIDS, cultura, poligamia, curandeirismo

Reportagem publicada na Agência Brasil

02/08/2010
Cultura e tradições locais desafiam profissionais de saúde africanos no tratamento da aids

Eduardo Castro
Correspondente da EBC na África

Maputo – Além da falta de recursos e da agressividade natural da aids, médicos e agentes de saúde africanos enfrentam mais uma dificuldade para prevenir a difusão do vírus HIV e promover o tratamento dos doentes: a adaptação do discurso da necessidade de prevenção, testagem e medicação correta à cultura local.

Na capital, Maputo, e em outras grandes cidades moçambicanas, é grande o número de outdoors que pregam a fidelidade, a abstinência e o uso de preservativos. Uma campanha que está atualmente na televisão pergunta: “Sabes com quem andas?” e também usa a gíria local para dizer que é bastante perigoso ter vários parceiros sexuais (“Andar fora é maningue arriscado”). Outro outdoor assegura que “Amores a mais é demais”. As mensagens também são difundidas pela rádio e ensinada nas escolas, na capital e pelo interior moçambicano.

Além da pregação da fidelidade e da abstinência sexual, comum na abordagem feita por entidades norte-americanas, a palavra de ordem escolhida, por exemplo, pelo governo brasileiro de “fazer sempre sexo seguro” também aparece, seja em campanhas que pedem o uso do “jeito” (gíria local para o preservativo) nas relações sexuais ou na distribuição gratuita de camisinhas.

“É muito difícil fazer a inferência sobre qual é a prática ou o discurso que está a fazer real influência na comunidade”, afirma o porta-voz do Ministério da Saúde moçambicano, Leonardo Chavane. Mas, diz ele, massificar a informação é uma forma de atingir às várias camadas etárias e sociais. “Por exemplo, a mensagem da abstinência é importante para os jovens que não iniciaram a vida sexual. A última sondagem mostrou que, em Moçambique, cerca de 25% das meninas tiveram sua primeira relação sexual antes dos 15 anos”.

A lei moçambicana não prevê a poligamia, mas a prática de ter mais de uma esposa é muito comum, principalmente no interior, onde a família numerosa era fundamental para o trabalho no campo. Também é grande o número de muçulmanos no país, o que traz o costume também para a cidade. Sem contar a infidelidade nos casamentos monogâmicos.

Olga, Gilda e Moisés moram na periferia de Maputo. Dividem a mesma casa há 21 anos. Olga não pode ter filhos, o que fez Moisés buscar uma segunda esposa. “Para nós é normal, diz Olga. “Foi um pouco complicado no início, mas hoje vivemos bem.”

Como o marido trabalha nas minas de carvão da África do Sul e passa meses sem voltar a Maputo, a convivência maior é entre as esposas. Gilda tem três filhos com Moisés, e divide a casa com Olga, as crianças e agora também com um netinho, de 1 ano.

A intimidade vira cumplicidade na hora de prevenirem-se contra o HIV. Moisés não usa preservativo com as esposas. “Nós confiamos um no outro. Temos que ser um do outro. Nesta parte, não temos medo”, assegura Gilda.

Rafael Mavota já conseguiu convencer vários homens HIV-positivo a trazerem as esposas para fazer testes no centro de saúde. Há nove anos ele trabalha no aconselhamento de soropositivos e também na prevenção à aids no Centro de Saúde 1º de Maio, no bairro de Maxaquene, mas com cuidado especial ao abordar os pontos mais delicados. “É preciso respeitar as tradições. Respeitando as tradições podemos entrar melhor na vida das pessoas.”

Ele não concorda quando o discurso prega a mudança total dos hábitos e dos costumes. “Não pode pregar ‘parem tudo’, porque seríamos muito agressivos. E, quando há agressividade, não há compreensão”. Agressividade, defende Rafael, só na mensagem sobre o efeito da doença sobre as pessoas. “Precisa impressionar mais, entrar mais.”

A dificuldade em “entrar mais” também é vista nas outras etapas do tratamento. Muitos se recusam a fazer o teste. E vários que, depois de testados, descobrem estar contaminados custam a acreditar que a aids não é resultado de trabalhos espirituais ou feitiços. Buscam os curandeiros mesmo ouvindo deles próprios que o lugar de tratar aids é no hospital.

“Feitiço é feitiço. Doença é doença”, diz Fernando Mathe, médico tradicional há 20 anos e também porta-voz da Associação dos Médicos Tradicionais de Moçambique (Ametramo). “Nunca vi curandeiro curar sida [aids]”, diz, usando a nomenclatura mais comum em Moçambique. “A recomendação que damos aos pacientes é ir ao médico convencional. E, na associação, pedimos ao curandeiros para reforçar isso.”

Mas é comum o paciente resistir, diz ele, citando um senhor que insiste em receber banhos com ervas. “Ele toma antirretrovirais no hospital, pensando que é uma combinação que faço com os banhos que dou nele aqui. Mas eu sempre o empurrei para o hospital. Ele não entende que está sendo curado pelos antirretrovirais, e não pelos banhos que estou a lhe dar. Mas, se paro com os banhos, ele não vai ao hospital.”

África do Sul e AIDS

Fomos a uma cidade no interior, perto de Pretória, pra fazer uma reportagem sobre AIDS, acompanhando um ônibus montado pelo Ministério da Saúde do Brasil e duas ONGs que atuam aqui na África do Sul.

O local escolhido para o primeiro workshop de troca de informações com os jovens sobre prevenção foi uma escola. Como a garotada está de férias, os portões ficam abertos para crianças de todas as idades, como se fosse uma grande creche.

Ver aquela molecada ali, sabendo de onde elas vêm e qual o futuro provável que elas terão enrosca a garganta de qualquer um.

As fotos do Marcello Casal e as imagens do Ulov Flamínio acentuam isso à enésima potência.

Que essa meninada engane o futuro provável. Dê um drible nele.

Aqui, a galeria completa de fotos.

E aqui a reportagem que foi ao ar na TV Brasil, no Repórter Brasil.