A Miss Angola e a vida de miss

A coleguinha Madeleine Lacsko tem trajetória profissional, de certa forma, parecida com a minha: depois de um tempão numa rádio grande de São Paulo (a Jovem Pan, no caso dela), foi pra Brasília, trabalhou em empresa pública (Rádio Justiça) e acabou aqui na África (Angola).

De bebê novinho, voltou para São Paulo, para – certamente – olhar para a cidade e sua gente como nunca dantes.

As referências mudam. O tamanho dos problemas, principalmente.

Aliás – paulistano classemédiaalta querido – pra rever conceitos, abrir a mente, dar mais valor ao que tem, não precisa bater o carro, viver experiência de quase-morte ou falir de maneira irremediável.

É só viajar um pouco – claro, longe do circuitinho Elizabeth Arden, paralelos e adjacências.

É da Madeleine o texto que vai aí embaixo, originariamente publicado no blog Vida de Madá (e o link para ele está aqui)

“A MISS ANGOLA E A VIDA DE MISS

A gente (Carlos Moraes e eu) torceu para a Leila Lopes, mas não só porque ela é linda e sambou na cara das outras.

É que, em Angola, miss é um troço diferente, importante e, ao mesmo tempo, lindo.

Não existe por lá essa figura meio apagada, meio caricata, que a gente mal sabe o nome e trilha essa vida de sub-celebridade, do ar condicionado ao programa de variedades, estampada nas fotinhos menos importantes de coluna social.

Miss Angola é uma pessoa importante para a sociedade do próprio país, que todo mundo conhece, sabe o nome, sabe a cara.

Além disso, é uma moça que põe a mão na massa, põe o pezinho no barro, dá voz a campanhas importantes, usa a própria beleza para fazer a diferença na vida de muita gente que precisa de verdade.

A minha experiência foi com a Miss Angola do ano passado, a Jurema Ferraz, negra com uns olhos de chinesa, uma cara diferente e um jeito de menina.

Eu, no Sambizanga (só quem vive em Luanda entende), ouço que a Miss Angola ia participar da abertura nacional da Campanha de Vacinação contra a Pólio, da qual eu fazia parte.

E aí que eu já pensei que a moça ia dar um puta trabalho, que não ia querer andar na lama, que ia ter frescura com as crianças, a falta de estrutura, a falta de banheiro e tudo mais.

Mas Jurema Ferraz surpreende. Surge de tênis no pé, toda empolgada para vacinar as crianças. Amassa barro, se envereda pelas vielas e, sempre com um sorriso no rosto, beija criança suja, catarrenta, descalça, sem roupa.

Decora algumas coisas sobre a vacina contra a pólio, sorri para as mães, pede que avisem as vizinhas, as parentes, vacina mais crianças, tudo isso com a faixa de Miss Angola no peito.

Não há como negar que a Miss Angola foi importante ali.

E, bem lembrado pelo Kênio Andrade, o episódio em que a mesma moça, sem salto e sem luxo, passou o dia todinho na porta do Belas Shopping, o único de Angola.

São umas 30 lojas, se tanto, um único andar e os melhores cinemas do país. Um supermercado grande, todos os ricos disputando vaga para os carrões praticamente a tapa.

O caso é que ali, na porta, o dia todo, a Miss Angola pedia donativos para montar cestas básicas ou agasalhos para os pobres. Teve sucesso. Depois, com a mesma simplicidade, foi entregar todas as cestas para as pessoas.

A importância da Miss de um país não se faz no concurso, se faz no dia-a-dia, na capacidade que ela tem de usar a própria beleza em prol de algo maior que a beleza.

Sem falar na condição feminina em Angola, tão problemática, tão desigual, capaz de render livros e mais livros sem a gente entender como isso existe.

Angola é um lugar cheio de problemas, mas onde as pessoas são tão bem feitas, de uns corpos tão lindos e umas caras tão desenhadas que, às vezes, a gente nem acredita no que está vendo.

E eu, por ali, mal acreditava que a Miss Angola podia ser algo tão interessante. Por isso a empolgação da gente, esse bando de expatriados, com essa história de Miss Universo.

Luanda e Maputo atraem imigrantes

Eles vêm da África e da Ásia atrás da famosa “vida melhor”.

Sinal de que Angola e Moçambique já têm seus atrativos.

Ou, pelo menos, já criam essa ilusão na cabeça de outros povos.

E pensar que 20 anos atrás os dois estavam enfiados na guerra civil.

A pobreza ainda é enorme, os problemas também.

Mas…

Pra quem não conhece: é Luanda aí em cima. E Maputo aqui embaixo.

Reportagem da Agência Brasil.

24/02/2011
Serviço de Imigração de Angola detém estrangeiros que tentavam entrar ilegalmente no país

Eduardo Castro
Correspondente da EBC na África

Maputo (Moçambique) – Vinte e um cidadãos do Mali, da Costa do Marfim, Guiné-Bissau, República da Guiné e do Senegal foram detidos nessa quarta-feira (23) ao tentar desembarcar ilegalmente em Angola. O grupo foi detido em Cacuaco, às 3h, depois de uma denúncia anônima feita ao Serviço de Migração e Estrangeiros Angolano (SME).

Segundo o diretor do SME, Freitas Neto, grandes redes foram estruturadas em países vizinhos para levar cidadãos ilegalmente para Angola. Graças aos negócios do petróleo, Angola tem recebido vários investimentos estrangeiros nos últimos anos, que geraram grande número de novas construções na capital Luanda. A cidade reúne praticamente metade da população angolana e já não garante emprego para seus próprios habitantes.

As redes de imigrantes ilegais contam com o auxílio de funcionários do próprio SME. Nesta semana, uma agente foi surpreendida ao receber US$ 3 mil de um cidadão brasileiro que estava sem a documentação adequada. A funcionária foi detida. De acordo com o diretor, dez agentes já foram presos este ano.

Em Moçambique, mais de 400 cidadãos procedentes do Paquistão, de Bangladesh, da China e Índia aguardam o repatriamento alojados em um centro de formação de agentes alfandegários em Boane, nas proximidades da capital Maputo. Ainda não há previsão de quando serão embarcados de volta. Eles chegaram ao aeroporto de Maputo, procedentes da Etiópia, sem os documentos adequados.

Na última terça-feira (22), dez dos integrantes do grupo tentaram fugir, mas foram recapturados. De acordo com o comando da polícia, três policiais foram detidos recentemente, acusados de facilitar a fuga de três paquistaneses que aguardavam repatriamento. Os agentes teriam recebido suborno de 10 mil meticais – a moeda do país (cerca de R$ 540).

Edição: Graça Adjuto

Angola também?

23/02/2011
Clima de revolta social no Norte da África pode chegar ao centro da região

Eduardo Castro
Correspondente da EBC na África

Maputo (Moçambique) – O clima de revolta social no Norte da África pode começar a ser sentido no centro do continente, caso a convocação de um grupo angolano dê resultado. “Sem falta, a manifestação antigovernamental em Angola vai começar à 0h do dia 7 de março de 2011, de Cabinda a Cunene”, diz texto divulgado em uma página da internet.

A convocação é assinada por alguém identificado como “Agostinho Jonas Roberto dos Santos” – uma clara referência a figuras históricas do movimento de independência do país (Agostinho Neto, Jonas Savimbi, Holden Roberto e Wilson dos Santos).

Por e-mail, o autointitulado líder do Movimento Revolucionário do Povo Lutador de Angola (MRPLA) disse à Agência Brasil que infelizmente, por segurança, não pode revelar quem faz parte do grupo. “Mas, estamos na fase final de mobilização do nosso povo para o grande dia”.

Segundo “Agostinho Jonas”, a manifestação não está ligada a nenhum partido politico angolano. “Isso foi uma iniciativa de um jovem. E, como vês, está num bom caminho, porque Angola toda já recebeu a nossa mensagem e temos o apoio de muitos angolanos na diáspora (na França e no Canadá)”, assegurou.

O site convoca a população para uma marcha a partir do Largo da Independência, em Luanda, exigindo a saída do Zé Dú (o presidente angolano José Eduardo dos Santos) e seus ministros. De acordo com a mensagem, “os angolanos estão cansados da pobreza extrema, da cultura de medo e intimidação, da miséria, da autocracia e outros males (…)”.

As reclamações são focadas na figura do presidente (há quase 32 anos no poder), na mudança constitucional que acabou com as eleições diretas para o cargo e o “controle dos recursos” do país, segundo maior produtor de petróleo da África.

A página foi criada em 4 de fevereiro, “tendo como fonte de inspiração as manifestaçõeses no mundo árabe”, segundo o próprio autor. De acordo com ele, até agora o governo não o procurou, apesar do espaço que o assunto tem ganhado em discussões na internet e até em alguns veículos angolanos.

“Estamos muito cautelosos na campanha de mobilização nos nossos bairros e em toda Angola”, afirmou o líder. “Estou a ser diariamente alertado que o MPLA (partido do governo) está à minha procura”.

O secretário de Informação do MPLA, Rui Falcão Pinto de Andrade, não acredita que situação semelhante à dos países do Norte da África se repita em Angola. Citado pela Voz da América (serviço oficial de radiodifusão do governo dos Estados Unidos), Andrade disse acreditar que “José Eduardo dos Santos é um fator de estabilidade para o partido no poder”.

Em entrevista à Rádio Nacional de Angola, o secretário-geral do MPLA, Dino Matross, afirmou que o governo trabalha para a estabilidade do país e alertou que “o poder não pode estar nas ruas”. Para ele, o que for considerado abusivo não será tolerado.

“Nós temos uma nova Constituição, temos leis, e é com base na nova Constituição e nas leis que vamos agir”, disse. “Sabemos o que aconteceu (na guerra civil), perdemos vidas, a infraestrutura foi destruída, quase não havia empregos para as pessoas”.

“Agostinho Jonas” disse que espera pela ação da polícia, caso o protesto convocado por ele para o dia 7 de março realmente ocorra. “Mas estamos a apelar à nossa Polícia Nacional e às Forças Armadas angolanas que juntem-se ao povo, como foi no Egito” acrescentou, na entrevista por e-mail. “Eles não têm nada a perder porque estão na mesma miséria, pobreza e sob um regime que nem se interessa pelas necessidades deles. São benvindos à nossa manifestação”.

A página já provocou várias discussões em outros blogs, onde “Agostinho Jonas” e seu movimento são chamados, entre outros adjetivos, de “aberração”, “logro”, “estranho” (por ter criado um movimento com sigla tão parecida com a do partido do governo), “pouco inteligente” (por ter feito uma convocação pública com muita antecedência). Ele também foi definido como “corajoso” e recebeu palavras de apoio.

“Nós apenas daremos fim a essa manifestação quando [José Eduardo dos] Santos, seus ministros e companheiros renunciarem ao poder e saírem de Angola”, afirmou.

A Embaixada de Angola em Brasília está sem adido de imprensa e não confirmou nem desmentiu as informações sobre uma eventual mobilização no país.

Fly Brazilian. Everybody does it.

Quando estive em Ruanda fiz o seguinte comentário sobre os aviões que vi na pista dos aeroportos de lá (Kagali), de Nairóbi, e aqui de Maputo.

“Detalhe aéreo: voei de Maputo (Moçambique) a Nairóbi (Quênia) num Embraer 170 da LAM – Linhas Aéreas Moçambicanas. Avião brasileiro, portanto. E voei de Nairóbi (Quênia) para Kigali (Ruanda) em outro Embraer 170, agora da Kenya Airways. Aeronave brasileira de novo, pois. Nunca, na minha vida toda, voei dentro do Brasil num Embraer de companhia brasileira. Só nos da FAB. Nosso bairrismo aeronáutico é do contrário”.

Pois, como vemos aí embaixo, logo eles estarão em mais pistas africanas.

30/11/2010
Governo de Angola e empresários africanos querem comprar aviões da Embraer

Eduardo Castro
Correspondente da EBC na África

Maputo (Moçambique) – O governo de Angola quer comprar dois aviões executivos da Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer). E empresas comerciais de aviação do país também estão interessadas em adquirir jatos da fabricante brasileira. A informação foi dada pelo secretário executivo do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Welber Barral, durante visita de dois dias a Luanda, capital de Angola.

Segundo ele, esses são alguns dos muitos negócios que podem surgir entre os dois países em futuro próximo. “A demanda angolana voltou aos patamares anteriores aos da crise internacional”, disse Barral. “No ano passado, Angola foi muito afetada pela crise e pelas variações do preço do petróleo”. A economia angolana cresceu 14,3% em 2008, mas, com a turbulência da economia mundial, viu a taxa cair para 2,4% no ano passado. Segundo o governo angolano, a previsão para 2011 é de 7,6% de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). E a volta ao crescimento de dois dígitos (previsão de 15,5%) em 2012.

O Brasil abriu mais uma linha de crédito – a quarta – de U$ 1 bilhão via Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), voltada a projetos de empresas brasileiras em Angola, incluindo aquisição de equipamentos do Brasil. Angola é um dos principais destinos das exportações nacionais. Em 2008, antes da crise, as vendas atingiram o pico de US$ 1,97 bilhão, fazendo de Angola o maior parceiro do Brasil na África. Em 2009, as exportações caíram para US$ 1,33 bilhão. Em 2010 somaram, até outubro, US$ 771,9 milhões.

Angola também está interessada em atrair investimentos brasileiros para os setores de agronegócio e infraestrutura, disse o secretário do MDIC. O país teve a agricultura e as estruturas básicas destruídas pela guerra civil, que acabou em 2002.

Além da agenda com líderes do governo angolano, Welber Barral está em Luanda liderando uma comitiva de 25 empresários brasileiros dos setores de alimentos e bebidas, casa e móveis, material de construção, máquinas e equipamentos industriais, máquinas agrícolas e serviços. O grupo participou, nesta segunda-feira (29), do lançamento do primeiro Centro de Negócios da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) no Continente Africano.

A missão comercial terminará na África do Sul, onde o secretário irá encontrar-se com a vice-ministra do Comércio sul-africano, Thandi Tobias-Pokolo, para discutir o alargamento do acordo já existente entre Mercosul e União Aduaneira da África Austral (Sacu, na sigla em inglês). “Há uma complementariedade econômica que precisa ser melhor aproveitada”, afirmou Barral. Nos primeiros dez meses de 2010, as exportações brasileiras para a África do Sul somaram US$ 1,1 bilhão, aumento de 5,2% sobre o mesmo período do ano passado.

Edição: Vinicius Doria

Busínes são busínes. Chê!

29/11/2010
Apex acerta parceria para que brasileiros forneçam produtos e serviços ao governo de Angola

Eduardo Castro
Correspondente da EBC na África

Maputo (Moçambique) – O Brasil vai fechar um acordo de cooperação com a Central de Compras de Angola para ampliar a participação de empresários brasileiros no processo de reconstrução do país africano. “É um parceiro de peso para ajudar a pequena e média empresa brasileira a entrar nesse mercado”, disse Ricardo Schaefer, diretor de Gestão e Planejamento da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil). O governo angolano usa a Central de Compras para negociar preços e contratar fornecedores nas áreas de logística e abastecimento de órgãos governamentais, inclusive o Exército. Nos próximos dias, a central anunciará a verba disponível para o ano que vem.

Segundo Schaefer, é uma oportunidade para o pequeno e o médio empresários brasileiros explorar novas oportunidades. “Angola ainda está reconstruindo suas estruturas, totalmente destruídas pela guerra civil”, que terminou em 2002, lembrou ele. Desde então, o país, o segundo mais rico da África em petróleo, tem sido muito procurado por investidores.

Antes de estourar a crise financeira internacional, o volume de negócios com Angola passou de US$ 520 milhões para US$ 1,5 bilhão, colocando o país entre os maiores parceiros comerciais do Brasil. Em julho passado, 40 empresas nacionais expuseram produtos e serviços na Feira Internacional de Luanda.

Ricardo Schaefer está em Luanda para o lançamento do primeiro centro de negócios da Apex-Brasil na África. A agência já tem estruturas funcionando em Pequim (China), Dubai (Emirados Árabes), Miami (Estados Unidos), Havana (Cuba), Varsóvia (Polônia), Moscou (Rússia) e Bruxelas (Bélgica).

O centro angolano pretende dar suporte às empresas brasileiras identificando oportunidades de negócios para expandir o comércio entre Brasil e África. Segundo dados da Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), o fluxo de comércio no ano passado foi de US$ 17,2 bilhões (US$ 8,7 bilhões em exportações e US$ 8,5 bilhões em importações).

Em 2009, duas missões comerciais brasileiras estiveram na África. Empresários e representantes do governo visitaram Líbia, Argélia, Tunísia, Gana, Nigéria, Guiné Equatorial, Burquina Faso, Costa do Marfim, Gâmbia, Gana, Guiné, Guiné-Bissau, Libéria, Mali, Mauritânia, Marrocos, Senegal, Benin, Cabo Verde, Níger, Nigéria, Senegal, Serra Leoa e Togo. Em dezembro, outro grupo visitará Angola, Moçambique e África do Sul. Mais de duzentas empresas participaram das “caravanas”, representando setores variados como agronegócio, energia, alimentos e bebidas, casa e construção, mineração, tecnologia da informação, máquinas e equipamentos, automotivo, logística, têxteis e calçados, varejo, cosméticos e defesa.

A Apex-Brasil aposta em crescimento rápido dos negócios com os países africanos. “Nossa expectativa é voltar rapidamente aos patamares de antes da crise [financeira internacional]. Em 2008, foram quase U$ 2 bilhões só em Angola”, informou Ricardo Schaefer. “Acho que é possível repetir esse número em 2011”.

Edição: Vinicius Doria

África 50, Lusófonos 35

Mais sobre o processo de independência dos países africanos.

Angola, o último dos lusófonos, celebrou semana passada 35 anos de autonomia (como a Agência Brasil mostrou aqui).

E hoje? Independnente?

Reportagem da Agência Brasil.

15/11/2010
Países africanos comemoram independência política, mas avançam pouco no combate às desigualdades

Eduardo Castro
Correspondente da EBC para a África

Maputo (Moçambique) – Este ano, duas das últimas grandes possessões africanas que se transformaram em países, Moçambique e Angola, celebraram 35 anos de independência. Para o presidente de Cabo Verde, Pedro Pires, que lutou não só pela independência do próprio país como também participou da luta de Guiné-Bissau, as nações africanas de língua portuguesa têm, como grande benefício desse processo de libertação, o Estado de Direito. “A vida após as independências não foi fácil, com muitos obstáculos e alguns conflitos”, afirmou o presidente, em visita a Moçambique nesta segunda-feira (15).

“Em fase de aperfeiçoamento ou já mais sólido, esse instrumento permite programar o futuro e ganhar muito mais, com avanço nos diversos domínios. O Estado de Direito nos permite ter muita esperança e garantir que vamos ganhar o desafio”, disse o líder cabo-verdense.

Nos países lusófonos, a independência demorou mais a chegar do que no restante da África. A ditadura portuguesa de Oliveira Salazar, que durou de 1933 a 1968, e que prosseguiu até 1974 sob o comando de Marcello Caetano, nunca abriu mão das chamadas províncias ultramarinas, empenhando-se em guerras para manter a posse dos territórios em Angola, Moçambique, Guiné Portuguesa (Guiné-Bissau), Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. Mas, tão logo a Revolução dos Cravos derrubou o governo totalitário, em 1974, os países africanos também ganharam liberdade política. Primeiro Guiné-Bissau, no mesmo ano, e os demais, em 1975.

Para estudiosos e protagonistas, a autonomia política ainda não se refletiu em liberdade plena, não só nos países mais populosos da lusofonia na África, mas no continente como um todo. “Livre significaria os países africanos serem efetivamente soberanos. Mas, no contexto atual, os Estados não conseguem decidir por si próprios os seus destinos”, analisou o historiador moçambicano Sérgio Maungue, investigador do Arquivo Histórico e professor de história e antropologia. “Usava-se o chavão do imperialismo; hoje fala-se de globalização. Mas, no fundo, consegue-se perceber que os propósitos são os mesmos: manter os países africanos ancorados no sistema mundial, sob controle de determinados países”, completou.

O historiador ressaltou que a independência política foi o primeiro passo. “Visava, depois, a um desenvolvimento econômico, de serviços e intervenções nacionais. Mas o que se verifica agora é que os países africanos não têm conseguido a soberania que permite levar isso a cabo. Falta o componente econômico para consolidar a parte política já conseguida. Esse era um dos objetivos que levaram ao movimento de independências que se iniciou em 1960”.

O processo de ocupação territorial, exploração econômica e domínio político da África por nações europeias (França, Reino Unido, Portugal, Holanda e Espanha) começou no século 15, na busca de novas rotas para o Oriente e de mais mercados produtores e consumidores. Quatro séculos depois, com a expansão do capitalismo industrial, países como Alemanha, Bélgica e Itália também se lançaram na corrida para ocupar o Continente Africano, aumentando a presença europeia. Em 1884, a Conferência de Berlim dividiu a África entre os europeus. Somente a Etiópia e a Libéria mantiveram-se independentes.

Como lembra Martin Meredith, no livro O Estado da África – Uma História dos 50 anos de Independência, os negociadores “frequentemente traçaram linhas retas sobre os mapas, levando pouco ou nada em consideração a miríade de monarquias tradicionais existentes na realidade”. Metade das novas fronteiras impostas era composta de desenhos geométricos perfeitos, separando etnias em nações diferentes ou reunindo tribos inimigas em um único país.

Terminada a 2ª Guerra Mundial (1939-45), a difusão de ideias democráticas e o nacionalismo, influenciados pelas disputas locais e pela Guerra Fria, levaram aos processos de independência no continente. Em 1950, somente Egito e África do Sul tinham se libertado de seus colonizadores. Dez anos depois, 17 países conseguiram autonomia em um único ano (1960): Alto Volta (hoje Burkina Faso), Camarões, Costa do Marfim, Congo, Daomé (hoje Benin), Gabão, Mali, Mauritânia, Níger, Nigéria, República Centro-Africana, Madagascar, Senegal, Somália, Chade, Togo e República Democrática do Congo (ex-Zaire).

Os últimos países africanos a alcançar a independência, na década de 1990, libertaram-se não mais de Estados europeus, mas de países africanos: a Namíbia separou-se da África do Sul e a Eritreia, da Etiópia. Mas, até hoje, ainda há territórios ocupados por europeus, como as possessões espanholas no Marrocos e as ilhas de Santa Helena, Ascensão e Tristão da Cunha, do Reino Unido. Já as ilhas Reunião e Mayotte decidiram, em consulta popular, se manter sob controle da França.

O camaronês Achille Mbembe, professor de história e ciência política da Universidade de Witvatersrand, em Joanesburgo (África do Sul), publicou este ano o livro Saindo da Grande Escuridão – Ensaio sobre a África Descolonizada. Nele, defende que a descolonização é um processo inalcançado, “fictício” como a democratização. De acordo com o acadêmico, o adversário não é mais externo; é a desigualdade e a estrutura de exploração que permanecem intactas no Continente Africano.

Edição: Vinicius Doria

É… isso ainda existe. E não só na África

Algo que acabou no Brasil em 1989 ainda mata gente por aqui e em outras partes. A vacina tá aí, funciona, é simples. Mas…

No último evento da visita do Lula aqui, a cerimônia na futura fábrica de antirretrovirais, o ministro da saúde contou algo no discurso que eu não imaginava: metade dos remédios produzidos no mundo é consumida num único país, os Estados Unidos.

Mesmo assim, por causa dos custos, muitos velhinhos fazem mensalmente uma viagem ao Canadá pra comprar remédio mais barato, graças a um programa do governo canadense. Vi isso lá quando vivia em Washington e está num documentário do Michael Moore sobre a falta que faz um sistema público de saúde no país.

Nós temos um – o SUS. Não é o melhor serviço do mundo, tem muitas falhas, muitas filas. Mas temos. Graças a ele, no Brasil não tem pólio. Muita gente (ricos, inclusive) fazem transplante. Você pode não acreditar, mas o SUS brasileiro é referência internacional pra muita coisa.

Como disse o Temporão (clique aqui pra ler na Agência Brasil) a saúde é cara e precisa de muito mais dinheiro.

Completo eu: graças a essa moçada que acha normal tratar doente como consumidor e remédio como mercadoria.

12/11/2010
OMS promove primeira etapa de vacinação contra poliomielite na África

Eduardo Castro
Correspondente da EBC na África

Maputo – Cinco milhões de doses de vacina contra a poliomielite chegam hoje (12) à África para a primeira parte de uma campanha de imunização da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Uma campanha de vacinação realizada ao mesmo tempo em 15 países do continente foi lançada no fim do mês passado. O objetivo é imunizar 72 milhões de crianças entre zero e cinco anos de idade. Até o começo de novembro, a doença fez 767 vítimas em 19 países este ano.

O lote inicial de vacinas, procedente da Dinamarca, será distribuído na cidade portuária de Pointe-Noire, no distrito de Kouilou, na República do Congo, e em 16 distritos na província vizinha da República Democrática do Congo. Mais vacinas devem chegar até dezembro, destinadas ao Congo, à República Democrática do Congo e ao Norte de Angola.

Em entrevista à Rádio ONU, o diretor regional do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) para a África Ocidental e Central, Gianfranco Rotigliano, afirmou que a intenção é “vacinar todas as pessoas de forma a impedir a ocorrência de mais casos e mortes o mais rapidamente possível”.

Na República do Congo, 58 mortes foram registradas até outubro, além de 120 casos de paralisia flácida, de acordo com a Iniciativa Mundial para a Erradicação da Pólio. A doença não era registrada no país desde o fim do século passado. A maioria dos casos afetou jovens entre 15 e 25 anos.O governo congolês lançou um plano de resposta de emergência, com apoio internacional.

A iniciativa é uma parceria público-privada da OMS, do Rotary International, do Centro Americano para o Controle das Doenças (CDC) e do Unicef.

A OMS recomendou aos viajantes provenientes e com destino ao Congo e à República Democrática do Congo que reforcem a dose da vacina. O alerta também abrange a província do Zaire, em Angola. O país conseguiu erradicar a pólio entre os anos de 2000 e 2005, mas os casos voltaram a aparecer. A Fundação Bill e Melinda Gates estima que serão necessários US$ 60 milhões (pouco mais que R$ 100 milhões) nos próximos três anos para voltar a eliminar a doença no território.

O reaparecimento da doença não se deu apenas na África. Casos foram registrados este ano no Tajiquistão, Turcomenistão, Cazaquistão e na Rússia. A Europa não tinha novas ocorrências de poliomielite desde 2002.

No Brasil, não há novos casos de poliomielite desde 1989.

A pólio é mais comum em crianças, mas também pode aparecer em pessoas de outras idades. A transmissão se dá por via oral, principalmente em água ou alimentos contaminados por fezes. O vírus infecta o sistema nervoso, se multiplica e pode causar a destruição dos neurônios motores (paralisia flácida), a meningite ou levar à morte.

Não há tratamento. A única medida eficaz é a imunização, feita por dois tipos de vacina – Salk (injeção em uso desde 1995) e Sabin (licenciada em 1962, administrada em gotas).

Edição: Graça Adjuto

Angola 35 anos

Reportagem publicada pela Agência Brasil.

11/11/2010
Fome e miséria: os maiores desafios de Angola, que completou 35 anos de independência

Eduardo Castro
Correspondente da EBC na África

Maputo (Moçambique) – Angola comemorou nesta quinta-feira (11) 35 anos de independência. O presidente José Eduardo dos Santos fez o lançamento da pedra fundamental de uma biblioteca multimídia e participou de um desfile militar no Estádio 11 de Novembro, o maior do país, na capital Luanda. No mesmo local, na véspera, o time de futebol português Benfica bateu a seleção angolana por 2 a 0, dando início às comemorações oficiais.

O partido do governo, MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola) divulgou um texto em que diz que, finalmente, é momento de os “angolanos darem-se as mãos e rumarem para a edificação de uma sociedade democrática e moderna”. Ressalta que o país testemunha um “processo dinâmico de reconstrução e desenvolvimento, em que é visível a consolidação da estabilidade macroeconômica, com reflexos positivos na valorização da moeda nacional, na reabilitação e modernização das principais infraestruturas produtivos e sociais e na realização de uma trajetória de crescimento rigoroso da economia, condição para a diminuição da miséria e da pobreza, e da promoção e reforço da unidade nacional”.

A independência, em 11 de novembro de 1975, foi conquistada depois de uma guerra que começou em 1961, um ano depois de 17 colônias africanas de países europeus (França, principalmente) terem conseguido suas independências. Em Angola, vários grupos não alinhados adotaram a guerrilha como forma de combater as Forças Armadas Portuguesas.

Os grupos recebiam apoios das forças que disputavam espaço na arena internacional da época, auge da Guerra Fria e, na África do Sul, da política racista do apartheid. O mais destacados eram o MPLA (ligado a Cuba e à extinta União Soviética); a Unita (União Nacional para a Independência Total de Angola, apoiada por Estados Unidos e África do Sul) e a FNLA (Frente Nacional de Libertação de Angola, também ligada aos Estados Unidos).

Foram esses três grupos que, em janeiro de 1975, assinaram em Alvor, no Algarve, o acordo com Portugal que pôs fim à guerra e criou com os parâmetros para a partilha do poder. Mas a paz não duraria muito. Pouco tempo depois de assinado o acordo, os três movimentos envolveram-se em um conflito armado que só terminou em 2002, com a morte de Jonas Savimbi, líder da Unita.

A guerra civil foi intercalada por alguns momentos de trégua, como entre 1992 e 96, quando houve eleições presidenciais, ganhas pelo até hoje presidente José Eduardo dos Santos.

Santos chegou ao poder em 1979, escolhido pelo partido para substituir o herói da independência Agostinho Neto, que havia morrido. A eleição de 1992 exigia segundo turno, contra Jonas Savimbi, que nunca ocorreu. A Unita não aceitou o resultado, alegando fraude, e retomou a disputa armada.

Em 2006, foi ajustado outro entendimento de paz, entre o governo e uma frente guerrilheira que luta pela separação de Cabinda, região de onde sai mais da metade da produção de petróleo do país.

Nos 27 anos de conflito, mais de 1,5 milhão de angolanos morreram e 4 milhões perderam parentes ou tiveram de deixar as casas por causa da guerra. Nos últimos oito anos, a luta tem sido para regularizar as instituições, reconstruir a infraestrutura e reorganizar a economia do país.

Com cerca de 18,5 milhões de habitantes, Angola é o segundo maior produtor de petróleo da África (atrás da Nigéria). Mas a riqueza ainda não é repartida por todos. Menos de metade da população tem acesso à água potável e 90% dos moradores de áreas urbanas não têm a casa regularizada, segundo as Nações Unidas. A capital Luanda tem bem mais que os 4 milhões de habitantes apontados pelo números oficiais e vive perto do colapso da infraestrutura, com grande engarrafamentos, favelas e fornecimento de energia insuficiente.

Para tentar minorar o problema, o governo anunciou nesta semana um plano de regularização de áreas periféricas da capital e iniciou a construção de 1 milhão de habitações populares.

Antes do início da crise econômica internacional, a economia de Angola crescia na média de 15% ao ano, entre 2004 e 2007, graças à disparada do preço do petróleo, que contribui com cerca de 85% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. Há forte presença portuguesa em vários setores da economia, como o financeiro e o de geração de energia. Empresas brasileiras também estão presentes. A construtora Odebrecht, por exemplo, é a segunda maior empregadora de mão de obra formal em Angola.

Investir em Angola também significa vencer dificuldades nem sempre mensuráveis. O relatório mais recente da organização não governamental (ONG) Transparência Internacional considera o país como um dos dez mais corruptos no mundo. As instituições do Estado ainda estão sendo remontadas. A Constituição, por exemplo, foi promulgada este ano.

Cumprindo uma das novas obrigações previstas no documento, o presidente José Eduardo dos Santos fez, pela primeira vez, um discurso “sobre o estado da Nação”. O texto deixou claro os problemas mais imediatos: “o combate à fome e a luta pela redução e erradicação da pobreza (…) constituem dois dos maiores desafios que se colocam hoje ao Estado angolano”.

Edição: Vinicius Doria

Em Moçambique é lobolo. Em Angola, é alambamento.

Fui a Chókwe, no interior da provÍncia de Gaza, para acompanhar um lobolo tradicional.

Aqui na cidade, resume-se à entrega de dinheiro e ao pagamento da comida da festa. “Perdeu-se muito do sentido”, diz o André, que nos acompanhou na visita.

Também farei uma versão para a TV Brasil. Por enquanto, saiba o que é um lobolo – ou um alambamento – tradicionalíssimo, lendo a reportagem da Agência Brasil.

Em Angola, o ritual chama-se alambamento. Ele é o tema deste comercial aqui embaixo – que você vai entender melhor se assistir depois de ler o texto.

09/10/2010
Tradição secular, casamento africano não tem papel passado nem cerimônia religiosa

Eduardo Castro
Correspondente da EBC para a África

Chókwe (Moçambique) – O novo código que regula as relação familiares em Angola deve incorporar, pela primeira vez, uma regulamentação para o casamento tradicional africano, chamado pelos angolanos de alambamento. Em entrevista ao Jornal de Angola, a diretora da Família e Promoção da Mulher no Huambo, Maria do Rosário Amadeu, afirmou que o fato de o alambamento não ser reconhecido juridicamente tem causado muitos transtornos à sociedade. Segundo ela, a nova legislação também deve levar em conta os casos de mulheres que têm filhos com homens casados que se recusam a reconhecer as crianças.

No alambamento não há certidões, assinaturas e nem rituais religiosos para consagrar o casamento. O homem presenteia os pais da mulher com base em um rol de pedidos, elaborado para confirmar seu interesse em fazer parte da família. Tradicionalmente, quando essas condições são aceitas, a mulher passa a ser tratada pela sociedade como esposa, mesmo que, do ponto de vista formal, não haja casamento. Essa espécie de aprovação familiar é levada a sério em muitos países africanos.

Em Moçambique, a prática é muito parecida e recebe o nome de lobolo. O casamento propriamente dito, registrado em cartório (ou na conservatória, como se diz nos países africanos lusófonos), é considerado menos importante sob ponto de vista social, sobretudo nas pequenas comunidades no interior. Mas ele dá a proteção jurídica à esposa e aos filhos que o alambamento e o lobolo não alcançam.

O casamento tradicional pode ocorrer antes ou depois da união de fato do casal. Entretanto, é comum às mulheres dizer que só se sentem seguras depois da cerimônia tradicional. “Depois de 18 anos finalmente fui lobolada. Esperei tanto por este momento. Estou muito feliz”, diz Milagrosa Sitóe, de 33 anos, ainda vestida de branco, no quintal da casa dela, no vilarejo de Guijá, província de Gaza, interior de Moçambique. Ao lado dela, o marido, Arlindo Mulhoi, também não disfarçava a alegria. “Agora sou um mukonwana, genro de verdade”, afirmou.

Antes de lobolar Milagrosa, Arlindo era apenas mukwaxi, palavra da língua xangana que indica que o companheiro de uma mulher ainda não cumpriu totalmente sua obrigação tradicional. O tempo que estão juntos (18 anos) e os quatro filhos não fazem diferença. “Agora, sim, o sangue dos filhos pertence a ambos. Se o homem não faz lobolo, não é genro legítimo. Enquanto não lobolou, os filhos não são seus”, explicou Alexandre Sidomi, tio de Milagrosa, que acompanha o lobolo. “Genro é aquele que lobolou a sua mulher. Aquele que não lobola e que tem filhos, esses filhos não lhe pertencem, fazem parte só da família da noiva”, confirmou outro tio, Armenio Saia.

Quando a mulher casada morre sem ser lobolada, o marido viúvo não pode sequer enterrar o corpo. Antes precisa cumprir sua obrigação, sob pena de ser reprovado por toda a comunidade. Os dois tios de Milagrosa aprovaram o lobolo da sobrinha. Eles eram parte de uma espécie de “comissão de parentes” – a madoda – que confere se os pedidos feitos para o noivo foram efetivamente atendidos. A conferência é parte da cerimônia, que foi integralmente acompanhada pela Agência Brasil.

O ritual do lobolo

A tradição começou com um chá, servido para as visitas no pátio que serve de sala de estar do casal. Arlindo estava sozinho; desde a véspera, Milagrosa havia ido para a antiga casa onde morou e onde atualmente vivem suas irmãs solteiras e algumas tias e primas. Tanto a mãe quanto o pai dela já morreram, mas os tios se encarregaram de fazer os pedidos e Arlindo, de cumpri-los. O noivo mostrou aos parentes quais foram as exigências da família de Milagrosa para o lobolo: um terno com sapatos e camisa para o tio da noiva, capulanas, mukume e vemba (tecidos floridos tradicionais) para as tias, 12 litros de vinho, quatro caixas de refrigerante e cerveja, uma esteira de palha (a cama do casal), 8,5 mil meticais (MT – moeda moçambicana) em dinheiro (cerca de R$ 400, equivalente a 3,5 salários mínimos moçambicanos), além de uma vaca, cujo preço na região fica entre MT 8 mil e MT 12 mil, dependendo do peso e da idade do animal. Três pequenos potes de rapé completavam o rol de solicitações.

Arlindo, que é alfaiate no vilarejo, demorou quase dois anos para recolher tudo. Sem ordenado fixo, estima que seus ganhos variem entre MT 3,5 mil e 4,5 mil por mês. Queria ter feito antes. “Agora tenho como cumprir a tradição. É uma forma de agradecer aos pais dela por tê-la guardado bem e me confiado sua filha”, diz ele.

Em um canto o quintal, Madalena, a segunda esposa de Arlindo, acompanha à distância. Ela também não foi lobolada, mas terá de esperar sua vez. A primeira esposa deve ser lobolada antes. Arlindo tem dois filhos com Madalena, que é mais jovem que Milagrosa.

Não há limite para casamentos tradicionais. Um homem pode ter tantas esposas quanto puder manter. Tradicionalmente, mulher que é lobolada fica casada para sempre. Se o marido quiser outra esposa, costuma levá-la junto. Nas cidades, a lei (que proíbe a poligamia) e as regras cristãs da Igreja Católica – trazida pelos portugueses para Moçambique – e das denominações evangélicas que cresceram muito nos últimos ano têm feito com que a maioria dos homens tenha apenas uma mulher. Entretanto, o adultério é prática comum. As campanhas anti-aids (a doença é muito disseminada no país) costumam tratar do tema em peças publicitárias e até no material didático usado pelos estudantes de escolas públicas.

Na hora marcada, 9 da manhã, os parentes seguiram a pé até a casa da família da noiva, carregando o lobolo, a vaca inclusive, e cantando pelas vias de terra. Bem vestidos, recebem o carinho da vizinhança, que sempre se alegra em dia de lobolo. O nkulunguana, grito de alegria, de influência árabe, é ouvido em todo bairro. O noivo não acompanhou; só irá para a casa da noiva se tudo correr bem e o lobolo for aceito.

Sempre cantando, as famílias se encontraram na frente da casa de Milagrosa, que não tem portão ou grade – apenas um portal de madeira simples, enfeitado com flores para a ocasião. Um tronco na frente da passagem é retirado por uma das tias, em meio à cantoria, para mostrar que a visita é bem aceita. Cerca de 100 parentes se aglomeram no terreno. Estão com roupa de festa: mulheres de vestidos longos, homens de camisa e paletó, mesmo com o calor de 30 graus Celsius. Ao lado, jovens depenam galinhas que foram mortas ali mesmo, havia poucos minutos. Rapazes retiram o couro de um cabrito pendurado em uma árvore – um dos três que serão servidos para os convidados. Também há xima (tradicional purê de farinha de milho), arroz e batata frita. Tudo cozido à lenha, em fogueiras montadas no quintal.

A madoda confere os itens longe dos convidados e dos noivos. Depois de um tempo, se junta aos demais em uma roda no quintal. Senhoras com capulanas coloridas sentam-se no chão, sobre esteiras de palha. Aos mais velhos são oferecidas cadeiras. As mulheres cantam o tempo todo em xangana, a língua materna da maioria. As letras recomendam paciência (tiyisela) e avisam à família visitante que, apesar das exigências, eles querem paz (kurhula).

A noiva sai de seu quarto acompanhada das irmãs. Apreensiva, ouve as considerações dos parentes sobre o lobolo e o noivo. O ancião da vila (nduna) passa a palavra a quem queira se manifestar. Ao fim de quase uma hora, é dado o veredito da comunidade: o lobolo foi aceito. O noivo é, então, recebido com festa. As tias e primas trazem os presentes da noiva: colheres de pau, tachos de madeira, uma enxada, capulanas coloridas. E também um galão de plástico, para buscar água para casa na única fonte do lugar.

Começa o almoço, que se estenderá até o fim da tarde, quando o sol for embora. Sem a interferência de um juiz de paz ou de qualquer líder religioso, Arlindo, Milagrosa e os quatro filhos passam agora a ser, pelas regras tradicionais africanas, uma família.

Edição: Vinicius Doria

Angola, Brasil, petróleo

Estão à procura aqui em Moçambique, estão à procura em Angola, estão à procura no Brasil. E cada vez precisam ir mais fundo para encontrar.

No caso do petróleo, encontram.

Já os patrulheiros vão continuar cavando, cavando. Gente que se julga especialista em águas profundas. Mas quando não acha nada, espalha lama.

Abaixo, reportagem da Agência Brasil.

20/09/2010
Angola quer ajuda da Petrobras para mapear o pré-sal africano

Eduardo Castro
Correspondente da EBC para a África*

Maputo (Moçambique) e Brasília – O Ministério da Defesa de Angola quer o apoio do Brasil para mapear a plataforma continental daquele país. “Estamos à espera de receber nos próximos dias uma delegação brasileira, com quem vamos entabular conversações com vista à organização desse programa”, afirmou o ministro Cândido Pereira Van-Dúnem à agência portuguesa de notícias Lusa.

A chamada plataforma continental começa na linha da costa e vai até a profundidade média de 200 metros. Tem entre 70 e 80 quilômetros de largura. Grande parte do petróleo explorado no mar se localiza nela.

A possibilidade de haver mais petróleo na camada pré-sal angolana levou as autoridades a apostar no levantamento. Tanto o ministro da Defesa quanto a titular da pasta da Justiça, Guilhermina Prata, estiveram no Brasil em agosto para tratar do tema. A região é uma das áreas de interesse da Petrobras no exterior, juntamente com a América Latina e o Golfo do México.

De acordo com a estatal brasileira, há similaridades em termos de bacias sedimentares entre a Costa Oeste da África e o litoral do Brasil. No entanto, a Petrobras reitera que, antes de qualquer conclusão sobre haver ou não petróleo na camada do pré-sal angolano, ainda são necessários muitos estudos sobre a região.

A Petrobras já atua na exploração de petróleo e gás natural em cinco países do continente: Angola, Líbia, Namíbia, Nigéria e Tanzânia, mas produz apenas em Angola e na Nigéria. Entre as parceiras estão estatais como a Sonangol (Angola), NOC (Líbia) e Nigerian National Petroleum Corporation (NNPC), da Nigéria.

Por meio de parceiras com a Sonangol, a Petrobras explora três blocos na costa brasileira – dois na Bacia de Campos e um na Bacia de Santos. Em Angola, as duas empresas anunciaram a descoberta do Poço Cabaça, em junho deste ano. Na semana passada, o presidente da Sonangol confirmou que a empresa já se preparara para o desafio de explorar a camada do pré-sal. “Vamos procurar”, garantiu Cândido Cardoso.

Durante visita ao Rio de Janeiro, para a Rio Oil & Gas 2010, o maior evento de petróleo e gás da América Latina, Cardoso afirmou que a troca de experiências com a Petrobras é importante para os dois países. “Tanto o Brasil como Angola, do ponto de vista técnico, têm coisas a ganhar”, disse o executivo angolano à agência Lusa.

*Colaborou Pedro Peduzzi
Repórter da Agência Brasil

Edição: Vinicius Doria