Gigante Adamastor, Mandela e o fim do mundo

Durante muito tempo, o Cabo das Tormentas era considerado o fim do mundo.

Hoje, nem o fim da África é mais – os mapas agora mostram o Cabo Agulhas como o ponto mais ao sul do continente.

Mas a história ficou. Os naufrágios também.

Aqui, na pontinha da África do Sul, as ondas batem firme, a água é esverdeada e o vento é muito frio e forte.

Esse vento que virava barcos e matava tripulações inteiras ganhou vida na literatura: é o Gigante Adamastor, dos Lusíadas de Luis de Camões, que atacava quem tentava invadir seus domínios, no Oceano Índico, aqui pelo Cabo – hoje conhecido pelo nome de “Boa Esperança”.

O nome ficou mais ameno. Mas os ventos continuam assustadores.

Fomos ao fim do mundo durante nossa visita à Cidade do Cabo.

E também estivemos em outro lugar que representa bem o fim do mundo, o fim da picada, mas – paradoxalmente – é o berço de uma história fantástica e um trajeto inigualável: o longo caminho para a liberdade, vivido por Nelson Mandela (a expressão, inclusive, é o título da autobiografia dele).

Condenado à prisão perpétua por lutar contra o apartheid, Mandela passou 18 anos aqui – numa cela de dois metros por três, num pátio do tamanho de uma quadra de tênis e numa mina de calcário, local dos trabalhos forçados. Ele, e seus colegas de prisão, fizeram da injustiça combustível para mudar seus destinos e o do país, e transformaram este cenário numa verdadeira universidade.

Hoje, aos 93 anos, Mandela passou de “perigoso terrorista” a ídolo de todos. Ao chegar ao poder, deixou de lado qualquer desejo de vingança e governou para verdadeiramente integrar e reconciliar o país.

A África do Sul de hoje está longe de ser o paraíso na Terra. Mas também está longe do que foi por muito tempo – um estado racista e desumano.

Um verdadeiro fim de mundo.

A segurança, Orlando e Luis

Durante o apartheid, Moçambique foi destino para muitos exilados sul-africanos. Entre tantos integrantes do CNA (Congresso Nacional Africano), o ex-presidente Thabo Mbeki – primeiro sucessor de Nelson Mandela – e o atual presidente, Jacob Zuma, viveram aqui.

Recentemente foi lançada, até, a pedra fundamental de um memorial que vai lembrar o episódio que ficou conhecido como “raid na Matola”, que matou 14 sul-africanos exilados que viviam na cidade vizinha à Maputo.

Uma ação parecida com o que os Estados Unidos fizeram há poucos meses no Paquistão, para matar Osama Bin Laden.

Em 31 de Janeiro de 1981, uma força especial do exército da África do Sul, então governado pelos racistas do Partido Nacionalista, invadiu o território moçambicano e atacou três casas na cidade da Matola, onde viviam os exilados. Eram todos combatentes do CNA, que lutavam pelo fim do apartheid e eram considerados terroristas pelo regime racista.

Não foi a única ação do tipo. Ataques aéreos também aconteceram.

Por isso, a segurança nas casas dos exilados do CNA era reforçadíssima. Mas nem sempre os vizinhos sabiam.

Um amigo, Orlando, quase morreu ao roubar frutas do vizinho – que vinha a ser Oliver Tambo, presidente do CNA no exílio, uma das maiores referências da vida de Nelson Mandela (a outra era Walter Sisulu) e, hoje, nome do aeroporto de Joanesburgo.

Na época um garoto de menos de dez anos, ele subiu na árvore no fundo de casa para roubar algumas frutas. Um dos galhos fez um estalo alto, e, em segundos, quatro ou cinco seguranças armados até os dentes (como diria o Homem Chavão) surgiram no jardim, prontos para atirar.

O susto foi imenso. Rindo (hoje, claro), Orlando faz troça, dizendo que, naquela idade, “jamais tinha imaginado que alguém pudesse ficar tão bravo por causa de umas frutinhas…”

Na mesa do almoço, ao lado de Orlando, Luis lembrou da vez que, na República Democrática do Congo (onde mora até hoje), ele quase foi soterrado pelos seguranças do presidente Joseph Kabila. Kabila herdou o poder depois que o pai foi assassinado, em 2001 – e foi eleito em 2006.

Luis trabalha com construção civil e foi chamado para ver um jogo de futebol na tribuna de honra de um estádio em Lubumbashi, no norte do país, do qual ele trabalhou na reforma. Bola rolando, sai um gol do time da casa. A torcida grita e ouve-se um barulho – fogos, talvez – ali perto. Os seguranças não tiveram dúvida: pularam todos em cima de Kabila, para protegê-lo. Quem estava no meio, foi pro chão também.

“E você não tirou foto?”, perguntou o Orlando, rindo. “Eu não!”, disse o Luis. “Vai que os seguranças não gostassem do barulho…”

PS: caso você seja daqui ou venha e queira conhecer o novo memorial da “raid da Matola” (que deve ficar pronto no fim do ano), aproveite para almoçar no Coisa Nossa, ali na mesma praça, na Matola mesmo. Diga ao Jorge, o proprietário, que é meu amigo. E vai ter de pagar a conta do mesmo jeito.

Mandela Day 2011

Mandela faz hoje 93 anos.

Integrante da realeza de sua região, foi estudar e montou o primeiro escritório de advocacia comandado por negros na África do Sul (ele e Oliver Tambo – que hoje é o nome do aeroporto de Joanesburgo).

Africanista de princípio, foi moldando seu pensamento durante a luta contra a discriminação e o apartheid. No começo, defendia que os negros retomassem o país e expulsassem os brancos. Com o tempo, viu que isso o igualava com os racistas, e mudou de posição.

Passou 27 anos preso por lutar para simplesmente poder ser ele mesmo. Recusou a liberdade quando ela foi oferecida sob condições. Só saiu realmente livre, para pensar e agir. Eleito presidente, poderia massacrar quem o massacrou – mas não. Até contra a vontade de muitos de seus apoiadores, mostrou que o país ( e o mundo) é de todos.

Li sua autobiografia. Agora, estou lendo sua biografia escrita por um jornalista. Ele não é santo – cometeu erros, mudou de opinião, reviu o que havia dito, feito e escrito. Mas… mas.

A ONU consagra o 18 de julho a Nelson Mandela. Longa vida a quem deu a maior parte dela a uma causa. Que viva Nelson Mandela.

Acidente ou assassinato, a luta continua

Reportagem publicada pela Agência Brasil, sobre o aniversário da Morte de Samora Machel.

Depois de acompanhar em Maputo as cerimônias da independência de Moçambique, em 1975, Mirian Makeba gravou uma canção em homenagem ao país, à Frelimo e à Samora Machel.

“Mama Africa”, na época, não podia entrar no seu próprio país, a África do Sul, por ser uma voz muito ativa contra o apartheid. Por isso apreciou tanto a independência do vizinho.

Ela só voltaria à África do Sul 15 anos depois. Samora havia morrido quatro anos antes.

A luta prosseguia. E não parou até hoje.

20/10/2010
Após 24 anos, a morte do presidente moçambicano Samora Machel ainda não foi esclarecida

Eduardo Castro
Correspondente da EBC para a África

Maputo (Moçambique) – A família do ex-presidente de Moçambique Samora Machel ainda espera por “reais esclarecimentos” sobre as causas da morte do líder africano. “Se não for no meu tempo, será no tempo dos meus netos. O que eu sei é que a verdade vai chegar e todos vão conhecê-la”, afirmou a viúva, Graça Machel (casada atualmente com o ex-presidente da África do Sul Nelson Mandela), logo depois de uma cerimônia que marcou os 24 anos da morte de Samora Machel. Falando ao jornal O País, Samora Machel Junior disse que “a verdade nunca se esconde. Pode demorar, mas há de chegar. Nós acreditamos nisso”.

Em 19 de outubro de 1986, o presidente Samora e sua comitiva de 33 pessoas voltavam de Mbala, na Zâmbia, depois de um encontro com os então presidentes Kenneth Kaunda, da Zâmbia, José Eduardo dos Santos, de Angola, e Mobuto Sesse Seko, do antigo Zaire (hoje República Democrática do Congo). No retorno para Maputo, o avião russo Tupolev chocou-se contra as montanhas de Mbuzine, ainda em território sul-africano, controlado pelo governo do regime racista do apartheid.

Em Madri, onde está em visita de trabalho, o atual presidente moçambicano, Armando Guebuza, afirmou que as estátuas erguidas em lembrança de Samora “não são apenas em homenagem à sua vida e obra, mas também uma expressão da indignação pelo seu assassinato”. Segundo Guebuza, que liderou a parte moçambicana da investigação na época do acidente, o procedimento deve continuar aberto “enquanto não forem esclarecidas as circunstâncias em torno dos trágicos acontecimentos”.

Uma comissão internacional, formada por especialistas da então União Soviética, da África do Sul, de Moçambique e dos Estados Unidos, concluiu tratar-se de acidente. O governo moçambicano queixa-se de não ter tido pleno acesso ao local da queda, nem a dados referentes aos rádios de localização (VOR) instalados nas proximidades, levantando a suspeita de que o sinal de um falso radar poderia ter desviado o avião da rota, induzindo-o ao choque nas montanhas. A hipótese de um míssil ter sido disparado contra a aeronave também foi levantada na época.

“O trágico acidente que vitimou o presidente moçambicano ocorreu numa altura em que o então regime racista do apartheid protagonizava ações de agressão e desestabilização contra os países da África Austral, bem como de ameaça pessoal ao próprio presidente Samora”, afirmou em comunicado a Presidência de Moçambique, quando da passagem do vigésimo aniversário do acidente, em 2006.

Contrapondo-se à certeza das autoridades moçambicanas, o livro de um jornalista português radicado há 33 anos na Rússia foi recentemente publicado com uma série de documentos e depoimentos de autoridades da então União Soviética envolvidas nas investigações e também no relacionamento político entre os governos de Moscou e Maputo.

“À medida que as leituras avançavam, aumentava a convicção de que o desastre aéreo que vitimou o presidente de Moçambique não se tinha devido a um ato de sabotagem dos serviços secretos sul-africanos, nem a outras conspirações, mas simplesmente ao desleixo da tripulação soviética”, escreveu José Milhazes, logo no texto introdutório do livro.

De acordo com depoimentos colhidos por Milhazes, os mapas de bordo do Tupolev estavam defasados, o avião não carregava todos os manuais de segurança e não existia plano de vôo detalhado. O livro também acusa a tripulação, com base nas gravações da caixa preta, de estar desatenta no momento da aproximação para pouso, por já ter feito o procedimento tantas e tantas vezes.

Edição: Vinicius Doria

Tutu na TV Brasil

Reportagem do Repórter Brasil.

Clique aqui para assistir.

Já se você clicar aqui vai ler o texto publicado na Agência Brasil, e republicado aqui no ElefanteNews.

Can You Feel It?

O discurso de Tutu na abertura da Copa foi sensacional.

“Can you feel it?”, perguntava. “Podem sentir?

E como.

Como também podemos sentir a falta que faz gente que, como ele, se coloca à disposição de uma causa. Sim, tem gente assim no mundo.

São vários.

Reportagem da Agência Brasil.

07/10/2010
Desmond Tutu vai deixar a vida pública

Eduardo Castro
Correspondente da EBC na África

Maputo – O arcebispo sul-africano Desmond Tutu – a “consciência antiapartheid” – completa hoje (7) 79 anos e diz que pretende abrir espaço para que surjam novas lideranças na busca da paz.

Tutu está aposentado das funções religiosas há 14 anos, mas nunca deixou de envolver-se em negociações para a solução de conflitos. Em julho, anunciou que passaria a ter uma agenda mais leve.

Ordenado em 1960, fez da sua igreja, no bairro negro de Soweto, um local de encontros e discussões da resistência ao regime. Com menos de 30 anos, ele já era um dos mais abertos críticos da política racista. Pregava a resistência nas comunidades negras carentes, mas sempre pacificamente, como secretário-geral do Conselho das Igrejas da África do Sul.

Em 1984, recebeu o Prêmio Nobel da Paz. Dois anos depois, tornou-se o primeiro arcebispo anglicano negro da Cidade do Cabo. Logo depois do fim do apartheid, em 1995, presidiu a Comissão da Verdade e Reconciliação, que investigou crimes cometidos durante o regime racista.

Herói na África do Sul e em todo o continente, é dele a expressão rainbow nation (nação arco-íris), usada para designar a diversidade do povo do país, que por tanto anos foi negada pelos seus líderes.

Tutu também fez campanhas de esclarecimento sobre o vírus HIV e a aids, além da homofobia e do racismo em geral. Em várias ocasiões, defendeu a causa palestina no Oriente Médio, o fim dos conflitos na Faixa de Gaza e comparou o sionismo ao apartheid. Israel não permitia a entrada dele no país até 2008.

“Vamos sentir falta do seu senso de humor, mesmo ao tratar das questões políticas mais delicadas”, disse Brian Sokutu, porta-voz da Comissão Nacional Sul-Africana, partido do presidente Jacob Zuma e de Nelson Mandela. “Verdadeiro com o seu caráter, Tutu nunca calou sua voz ao defender as campanhas para acabar com o regime do apartheid”.

Nos últimos anos, o arcebispo dirigiu palavras duras ao partido, criticando, inclusive, a escolha de Zuma para suceder Thabo Mbeki em 2008. Ele também mostrou-se irritado com o descontrole da corrupção e a má qualidade do serviço público no país.

Sua última aparição pública na arena internacional foi na cerimônia de abertura da Copa do Mundo da África do Sul, em julho. Com uma camiseta da seleção do país, gorro verde-amarelo e cachecol dos Bafana Bafana, fez um discurso bem-humorado e mostrou sua conhecida e sonora gargalhada ao mundo mais uma vez. Também pediu aplausos para Nelson Mandela.

Tutu celebra seu aniversário com a esposa Leah a bordo de um navio de estudos, o September At Sea, ancorado justamente na Cidade do Cabo, de onde parte no dia 8 para as Ilhas Maurício. De lá, irá ainda para a Índia, o Vietnã, Japão e Havai, antes de chegar a San Diego, nos Estados Unidos, em dezembro.

Em um comunicado, o encarregado do Escritório Desmond Tutu pela Paz, Dan Vaughan, afirmou que a intenção do arcebispo é completar a agenda que já estava marcada antes da decisão de retirar-se. “O sr. Tutu fará o que antes não tinha condições, como, por exemplo, interagir mais com estudantes. Mas ele também quer ler bastante.”

Edição: Graça Adjuto

Acabou a copa. E agora, South Africa?

Duas reportagens, uma minha, outra do Herbert, mostram claramente que a) a Copa não foi panacéia para todos os males da África do Sul – como se costuma vender pelos organizadores; e b) a Copa ajudou, sim, a unir uma sociedade que ainda é separada por um fosso, ainda racial e desde sempre econômico, mas onde também há muito a ser feito.

Digo sempre: Copa do Mundo, antes de tudo, é negócio. E acima de tudo, para poucos. Um evento privado, que garante benefícios apenas para quem o organiza e quem faz negócios com os organizadores. O que vem a partir daí – até vem um pouco – é eventual, mas vendido como garantido.

Tem impacto na sociedade? Sim, tem. O maior deles – importante, diga-se – é na auto-estima do povo. Na imagem internacional também. Mas a nossa foi estereotipada por anos pela imprensa estrangeira sem nenhuma ação efetiva para rebater. Aliás, era apenas reforçada pela atitude e pelos comentários de brasileiros no exterior.

Vamos ver como vai ser.

Aqui, eu falo da questão racial
e da reconciliação.

Aqui, Herbert mostra os problemas econômicos.

A Copa e Soweto

Símbolo da luta contra o apartheid, Soweto é mais que uma cidade. É um mundo.

E elas vivem a Copa com a mesma intensidade, mas de formas bem diferentes, como você vê nesta reportagem aqui, que foi ao ar no Repórter Brasil.

Lamola na Agência Brasil


Aqui a versão
da reportagem sobre os craques que o apartheid impediu de brilhar no exterior.

Fiquei emocionado de conversar com o Lamola, no jardim da gigantesca SABC, South Africa Broadcasting Company. 15 rádios e 5 emissoras de TV no mesmo prédio. E ninguém fala em “desperdício de dinheiro”. É serviço público. Como o nosso da TV, da Agência e das emissoras de rádio da EBC.

5/06/2010
Apartheid deixou África do Sul fora de competições internacionais por mais de 30 anos

Eduardo Castro
Correspondente da EBC na África

Joanesburgo, África do Sul – Por causa da política racista do apartheid, a África do Sul foi impedida de participar das competições internacionais de futebol por mais de 31 anos – entre 1961 e 1992. O banimento atingiu em cheio as carreiras de muitos atletas que nunca puderam defender seu país em copas do Mundo, Olimpíadas ou campeonatos continentais.

Peter Balac, Jomo Sono (o primeiro a ser chamado de Pelé africano), Patrick “Ace” Ntsoelengoe, Nelson “Teenage” Dladla, Jingles Perreira, Joel “Ace” Mnini, Sylvester “City” Kole, Marks “Go man go” Maponyane, Johannes “Ryder” Mofokeng são alguns dos nomes conhecidos praticamente apenas pelos fãs sul-africanos.

Apontado por muitos comentaristas como o meio-campista mais inteligente da história do futebol da África do Sul, Vusi Lamola – apelidado de “Computer”, computador, graças à velocidade de raciocínio – lamenta até hoje não ter tido a chance de brilhar em jogos internacionais.

“Se não fosse o apartheid, eu teria tido a chance de jogar no exterior, talvez na Europa ou até no Brasil”, diz. “Hoje, sou pastor evangélico e tenho problemas financeiros. As coisas não estão equilibradas. A falta de oportunidades maiores me afetou para sempre”.

Quando o apartheid foi implantado como política de Estado, em 1948, a África do Sul tinha quatro ligas separadas: uma branca, uma negra, outra mulata e uma indiana. Na seleção nacional só brancos podiam jogar. A regra que impedia contratações interraciais caiu em 1956, mas, na prática, não funcionou.

Em uma nova carga contra o racismo, em 1961 a Federação Internacional de Futebol (Fifa) suspendeu a África do Sul das competições internacionais. O país passava por um momento político delicado. Um ano antes, 69 negros morreram e 180 ficaram feridos durante um protesto em Sharperville, quando a polícia abriu fogo contra manifestantes. Em seguida, o movimento negro Congresso Nacional Africano (CNA) foi banido.

Graças ao episódio, a CNA intensificou sua ação contra o apartheid, mas deixou de promover apenas ações pacíficas. Em 1962, as Nações Unidas aprovaram uma resolução condenando o apartheid e pedindo aos países-membros que cortassem relações diplomáticas com a África do Sul.

Em 1964, o líder político Nelson Mandela foi condenado à prisão perpétua. Ele ficaria preso por 27 anos, só deixando a cadeia com o fim do apartheid, para ser eleito o primeiro presidente negro do país.

Como nada mudara, a Fifa decidiu então expulsar a África do Sul de seus quadros em 1976. Na mesma época, o país vivia mais uma onda de violência, depois que um protesto de estudantes de Soweto contra a obrigatoriedade de estudar a língua dos brancos – o afrikâner – foi reprimido firmemente pela polícia, o que gerou revolta e mais de 100 mortes em todo o país.

Lamola lembra que, nessa época, o futebol era mais que uma modalidade esportiva. Era uma forma de protesto. “Nós fomos muito oprimidos”, diz. “Usávamos os jogos contra os brancos para mostrar a eles que eramos capazes, que não deveríamos ser discriminados”.

A maior parte da carreira de Lamola, entre os anos 70 e 80, foi vivida com a camiseta amarela e preta dos Kaizer Chiefs, time mais popular do país, surgido no bairro de Soweto, centro da resistência negra contra o racismo. Ele chegou a jogar no Canadá em 1981, mas a liga faliu e ele voltou para a África do Sul depois de quatro meses, só aumentando a frustração.

Além de pastor evangélico, Lamola também ensina futebol para garotos do Soweto e comenta jogos em uma das 15 emissoras da rádio pública da África do Sul – a Rádio 2000. Ele diz ter ficado muito feliz ao ver o país inserido no cenário do futebol mundial, ao abrir a Copa do Mundo na sexta-feira passada (11), quando empatou com o México em 1 a 1.

“É empolgante porque, para mim, é uma forma de dizer que o apartheid não vai ficar aqui para sempre”, emociona-se Lamola. “Fico orgulhoso porque vi o poder do esporte, que fez uma coisa que os políticos não podem fazer: quebrar a barreira que nos mantinha separados, com todos torcendo pela África do Sul.”.

Para Lamola, a Copa já é um imenso sucesso, pouco depois de começar, só pelo que fez para unir ainda mais o país. Ganhar ou perder é só um detalhe. “Nós seremos ouvidos como uma só voz, uma só nação. E acredito que esse clima não vai existir somente durante a Copa do Mundo. Isso vai ficar. Esse é o meu desejo.”

Conhece o Lamola, craque sul-africano? Não?! Culpa do apartheid

Lamola era tão inteligente no meio campo que recebeu o apelido de “Computador”. Graças ao apartheid, nunca vi ele jogar. Muito provavelmente, nem você. Uma pena. E, como você vê aqui nesta reportagem da TV Brasil, ele não consegue esquecer isso.

Depois de ver essse vídeo, abra na página principal do Repórter Brasil que tem mais lá do nosso trabalho aqui.