Não é feitiçaria, nem tecnologia. Para a ciência, é histeria

Versão televisiva do fim do mistério na escola Quisse Mavota.

Histeria coletiva, nas palavras do ministro.

Que, aliás, virou ex-ministro um dia depois de dar esta entrevista aí.

Mas nada a ver uma coisa com a outra.

Assista clicando aqui para ver como foi no Repórter Brasil

A versão para a Agência Brasil você acessa por aqui.

PS: mudei o ícone para indicar que no post tem coisa pra assistir. Até este aqui, colocava só uma televisãozinha piscando. Por um tempo, também será a cara do Kent Brokman.

E voltamos a Quisse Mavota

Estive hoje, de novo, na escola. Minha primeira visita ao Zimpeto – onde ela fica – foi no final de maio. Clicando aqui e aqui você lembra como foi.

Fato é que a coisa é o que é. E não é o que não é. Só que o que é pra mim, pode não ser pra você.

É ou não é?

Texto publicado na Agência Brasil.

12/10/2010
Para curandeiros, desmaio de alunas é feitiçaria; para governo de Moçambique, histeria coletiva

Eduardo Castro
Correspondente da EBC para a África

Maputo (Moçambique) – O Ministério da Saúde de Moçambique concluiu o relatório a respeito da série de desmaios de alunas de uma escola secundária no bairro do Zimpeto, na capital do país, Maputo. “A conclusão dos pesquisadores da saúde é que se tratou de um caso de histeria coletiva, como tantos que já houve em outras partes, e até mesmo aqui em Moçambique”, afirmou o ministro Ivo Garrido, em um de seus últimos atos à frente da pasta, antes de ser substituído junto com outros membros do primeiro escalão do governo.

Entre maio e junho deste ano, 71 alunas da Escola Quisse Mavota perderam os sentidos durante as aulas. Em um único dia, foram 25 casos. As primeiras hipóteses levantadas pela direção do colégio foram anemia ou desnutrição. Mas, desde o início, o Ministério da Saúde sustentava ser algo psicológico. A diretora da Seção de Saúde Mental, a psiquiatra Lídia Gouveia chamou, na época, de “causas emocionais”. “O quadro de medo e de ansiedade é muito marcante. O que elas têm, realmente, são manifestações de pânico”. Segundo a médica, em vários casos não houve sequer desmaio, mas apenas a perda momentânea dos sentidos.

Mas os moradores do bairro do Zimpeto têm outra explicação para o caso, mesmo depois da conclusão do Ministério da Saúde. “Penso que não é histeria nem emoção”, disse Otília Luis, mãe de uma aluna da Quisse Mavota. “Estou aqui neste bairro desde 1975 e antes tinha um cemitério onde hoje é a escola”, indicando que o problema poderia ter origem metafísica.

“Histeria coletiva, acho que não é”, disse Pedro Joaquim, aluno da escola. “Na minha opinião é algo ligado ao tradicional.”

“É difícil saber de onde vem essas coisas, mas, para mim, alguém que foi enterrado aqui quer se comunicar com o nosso mundo”, disse Maria Timane, que mora perto da escola. “A escola sempre vai ter problemas, porque é algo sobrenatural”, explicou em idioma xangana.

Na época dos desmaios, a comunidade exigiu que as autoridades fizessem uma cerimônia para “acalmar os espíritos do lugar”. A cerimônia, conhecida como mhamba ocorreu no dia 29 de maio. O Poder Público local comprou cabritos e bois para a celebração. Depois, houve uma festa com a vizinhança. Um curandeiro foi chamado para mediar os trabalhos, fato muito comum em Moçambique. O país tem mais de 30 mil médicos tradicionais no país – também chamados de curandeiros ou feiticeiros. Nas áreas mais afastadas, os curandeiros são a primeira resposta – quando não a única – para os problemas de saúde da população.

A força dos médicos tradicionais é tão grande na sociedade moçambicana que, no ano passado, o próprio Ministério da Saúde criou o Instituto de Medicina Tradicional para catalogar os curandeiros e os remédios usados por eles. Mesmo assim, para o porta-voz da Associação dos Médicos Tradicionais de Moçambique (Ametramo), Fernando Mathe, o relatório do Ministério da Saúde é válido, mas incompleto. “Reconhecemos o trabalho deles, mas eles não reconhecem o nosso”, afirmou. “Nós mandamos doentes para o hospital. Falta eles mandarem doentes deles para nós”.

Mathe concedeu a entrevista à Agência Brasil justamente no jardim do Hospital Central de Maputo, enquanto aguardava a mulher, que faz tratamento de um tumor. “Curandeiro trata as doenças do espírito”, disse ele. “O que é de hospital é de hospital”. Para o curandeiro, era preciso levar em conta que, depois do mhamba, os desmaios pararam na Quisse Mavota, fato confirmado pela comunidade.

O ministro Ivo Garrido foi substituído nesta terça-feira (12), juntos com os titulares de outras três pastas. No lugar de Garrido entrou Alexandre Manguele. No Ministério da Indústria e Comércio, Antônio Fernando saiu para a chegada de Armando Inronga, presidente da Associação Moçambicana de Economistas. Na Agricultura, Soares Nhaca deixou o cargo para José Pacheco, vindo da pasta do Interior. Para o lugar dele, foi empossado o então reitor da Academia de Ciências Policiais, Alberto Mondlane. Foi a primeira mudança ministerial em Moçambique depois dos protestos do início de setembro, contra o aumento do custo de vida, que deixaram 13 mortos.

E o chefe dos curandeiros morreu


Já falei aqui da AMETRAMO – Associação dos Médicos Tradicionais de Moçambique – quando tratei dos fenômenos de Quisse Mavota (se você não lembra, leia aqui e veja aqui).

Ela reúne mais de 20 mil médicos tradicionais – que não se zangam quando são chamados de curandeiros. O grupo tem uma imensa importância no país. Pra que se tenha uma idéia: Moçambique todo tem menos de 1000 médicos convencionais. Assim, pra muita gente – principalmente no interior mais afastado – o médico tradicional é o único que ele vê na vida. Contando os não-associados, chega-se a mais de 70 mil curandeiros atuando.

Cuidam de todas as doenças… desde que causadas por espírito, como explica Fernando Mathe na reportagem aí em cima.

Eles têm até cargo no Ministério da Saúde. Tem médico que é convencional e curandeiro ao mesmo tempo. São muito mais influentes na vida cotidiana do país que alguns líderes de igrejas, mesmo não sendo exatamente religiosos.

De fato, são um traço marcante aqui nessa parte da África – dela toda, aliás.

Pois o presidente da AMETRAMO morreu. Maciane Zimba, de Gaza, tinha 76 anos.

Era considerado forte. Mas…

Na última reunião da AMETRAMO, ele pediu a palavra e lançou uma idéia: que os associados criassem um auxílio-funeral na Associação, para ajudar nas despesas finais. Tirou 200 meticais do bolso (10 reais) e foi o primeiro a contribuir. Aos outros, pediu só 50 meticais de cada.

A lista correu, teve gente que deu, gente que não deu, mas, de acordo com alguns dos presentes, ninguém suspeitava que o próprio Maciane seria o primeiro a usar do benefício. Ele parecia saudável, sem problemas.

“Por que foi mexer com isso…xê!”, me disse Fernando Mathe, porta-voz da Associação, a caminho dos funerais.

Estive com Fernando para uma reportagem que estou preparando, sobre AIDS. A história que ele conta na matéria é muito interessante. Mas você vai ter de esperar uns dias pra ver, porque a apuração continua.