Aos ouvintes de sempre, meu muito obrigado

Ouvinte de rádio tem muita intimidade com os profissionais do veículo. Somos parte da família deles – e eles são parte da nossa vida.

Me lembro que, logo depois do 11 de Setembro, uma noiva preocupada me mandou uma mensagem, relatando que iria casar em pouco tempo e tinha lua de mel marcada para dali alguns dias. Ela queria saber se deveria manter a viagem ou não.

Uma baita responsabilidade…

Acabei sugerindo que ela mantivesse a viagem. Depois, a moça me mandou outra mensagem dizendo que seguiu o conselho, deu tudo certo e ela estava muito feliz. Nunca mais soube do casal, mas espero que a felicidade continue até hoje.

Não há motivos para comemorar o 11 de Setembro: muitas pessoas morreram naquele dia; e muitas mais depois, na prepotente, dispendiosa e desastrada resposta americana. Hoje o mundo é mais inseguro, mais injusto, mais instável, mais preconceituoso, e até mais pobre do que em 10 de Setembro de 2001. Não se faz justiça com vingança. Nem se chega à paz por meio do caminho do lucro.

Mas os dez anos do 11 de Setembro me trouxeram motivos para me emocionar. Recebi várias mensagens de ouvintes, que lembram do meu trabalho em 2001.

Agradeço a todos e cada um deles pelo carinho, como o demonstrado pela ouvinte Edna, que mandou a tocante mensagem que eu republico aqui.

“Prezado jornalista Eduardo Castro:

Meu nome é Edna Guisard Thaumaturgo, viúva, 68 anos, residente em Taubaté-SP,formação acadêmica em História.

Já faz bastante tempo que procuro me informar onde o senhor estaria trabalhando, visto que causou-me grande impressão a sua participação como correspondente nos Estados Unidos durante o episódio de 11/09. Nunca mais ouvi uma reportagem com tanta vibração, que me marcou profundamente pela veracidade e dedicação com que o senhor desenvolveu o seu trabalho jornalístico naquele fatídico dia. Procurei depois de algum tempo me informar sobre o seu trabalho mas foi difícil. Estou feliz de saber que o senhor continua trabalhando, agora em terras da Africa.

Parabéns por ter sabido ouvir a voz de seu coração e ter conseguido passar as informações que tanto marcaram a minha vida, como a de outros milhares de ouvintes assíduos da Radio Bandeirantes AM . Reconheço que estou um pouco atrasada em poder conversar por e mail com o senhor. O tempo passou mas a emoção é a mesma.

Seja feliz com sua família e em sua profissão. O senhor merece.”

Não sei se mereço tanto. Mas agradeço muito, por tanta atenção.

Ps: o post anterior é sobre o 11 de Setembro de 2001. Quem quiser ler – e até ouvir um pouquinho do meu trabalho naquele dia – pode clicar aqui.

O 11 de Setembro da minha janela

Em 11 de setembro de 2001, eu me preparava para sair de casa, em Arlington, estado da Virgínia, e tomar o metrô com destino ao outro lado do Rio Potomac, Washington DC, para a entrevista coletiva que Michael Jordan daria em algumas horas, sobre seu destino profissional. Na época, ele estava no time da cidade, depois de ter voltado de uma breve aposentadoria do basquete da NBA.

Achava que isso – nada além disso – faria daquela manhã histórica.

Quem dera.

Na época, era correspondente nos Estados Unidos para o Grupo Bandeirantes, mas basicamente trabalhava na rádio. Até dez dias antes, 1o de setembro, também trabalhava para a Voz da América. O serviço brasileiro acabara de ser fechado.

Ao terminar de gravar meus boletins, com o telefone ainda na mão, vi, pela TV, a imagem de uma das torres do World Trade Center, em Nova York, a pegar fogo. Em alguns canais, os apresentadores falavam em “small plane” ou algo assim.

Há quase dois anos vivendo nos Estados Unidos, não tinha um programa de preferência nas manhãs informativas. Mas, ao notar que era algo grande, passei para a ABC, captaneada pelo falecido Peter Jennings.

Em meio a um intervalo comercial, o programa Good Morning America é interrompido para a informação em “special report”. Jennings vai assumir a transmissão cerca de 15 minutos depois, exatamente às 9:11 – algarismos que marcariam esse dia.

Pedi para ser passado para o estúdio e entrei ao vivo na Rádio Bandeirantes descrevendo o que via na TV, o que consumiu alguns minutos. Em São Paulo, a produção tentava localizar brasileiros que estivessem em Nova York.

Encontrou Cláudio Maurício Alfredo, ex-colega, na altura trabalhando em um escritório de advocacia. Ele descreveu, emocionado, o segundo choque, na outra torre do World Trade Center.

Alguns minutos depois, em meio às participações que fazia na Rádio Bandeirantes – falando com o colega José Nello Marques – senti o vidro da minha casa tremer. Olhei incrédulo para minha mulher, Sandra, ao meu lado. Eu já estava na Rádio Bandeirantes, Band e Bandnews TV, e ela falava, pelo outro telefone, na TV Gazeta.

Corremos para a outra janela e vimos o Pentágono envolto numa nuvem negra, bem na nossa frente. Dali mesmo, dei a notícia antes das imagens serem difundidas.

A ABC começou a mostrar às 9:42 – sem saber o que era.

Eu já sabia.

Lembro do chefe da redação da Rádio Bandeirantes, João Marcos dos Santos, entrando no meu fone e me perguntando, delicadamente, “Meu velho, sei que você está sob pressão, nervoso, mas tem certeza do que está falando? Aqui não vimos nada ainda…”

Infelizmente, eu tinha.

Minutos depois, a ordem era para fechar os aeroportos e derrubar quem não descesse imediatamente. Mais um pouco e chegava a informação de que outro jato havia caído, em um descampado na Pensilvânia. Poucos dias mais adiante, o relato era de que um grupo de passageiros conseguiu entrar na cabine, lutar com os seqüestradores e derrubar o avião antes que ele seguisse também para Washington.

Por mais que torça para que essa história bonita tenha sido verdade, não consigo acreditar. Se tiver sido mesmo assim, sou grato a esses heróis, pois seria mais um avião a passar sobre meu prédio – como o primeiro.

Mas, para mim, ele foi mesmo abatido.

Mais um pouco, e o inacreditável voltava a acontecer. Primeiro uma, depois outra – as Torres Gêmeas vieram ao chão. Na gravação da rede ABC, Peter Jennings – o melhor âncora que já houve e vai haver, na minha opinião – viu, mas duvidou do que viu (a partir dos 4:20 do vídeo – até ele parar de falar, em choque, aos 6:25).

Fiquei no ar mais de 12 horas seguidas, a maior parte do tempo olhando da janela. Descrevi o que via para a Rádio Bandeirantes, TV BAND, Bandnews TV. Meus relatos também foram transcritos pelo IG.

Fosse no tempo em que trabalhava na Voz da América, jamais teria visto tudo tão de perto. Isso porque, àquela hora, já estaria no centro de Washington, nos prédios da VOA, sem visão do que estaria acontecendo no Pentágono.

Os pomposos “estúdios da Bandeirantes em Washington” (devo confessar) eram o “den” do meu apartamento – um quartinho atrás da porta de entrada, que serve para pendurar casacos e roupas de frio, acarpetado e sem janelas. Silencioso e mais do que suficiente para minhas gravações dali até o fim do ano, quando – já tinha acertado – voltaria para o Brasil.

No meio da tarde, consegui ir a pé até mais perto do Pentágono – que ficava a 5 quadras de onde morava. Mas eram poucas as informações e muito difícil de falar no celular.

Mas fiquei ali o tempo suficiente para sentir o cheiro característico da queda de um avião -algo difícil de descrever, inclusive. Como já tinha participado intensamente da cobertura da queda do avião da TAM em Congonhas, cinco anos antes, não tenho nenhuma dúvida.

Na TV era tanta informação, tanto medo, tanta coisa, que as emissoras começaram a colocar notícias por escrito, com o texto correndo no rodapé da tela – algo hoje comum. Até aquele dia, isso só acontecia nos canais destinados ao noticiário econômico (entram no ar exatamente aos 5:58 deste vídeo abaixo, na CNN).

Anotei o quanto pude – informações, sensações, sentimentos. Está tudo guardado, junto da minha mobília, no Brasil. Um dia, quem sabe, mexo nisso de novo. Também tenho gravada a cobertura ininterrupta que a ABC fez. Dos três dias, tenho dois – 12 e 13 de Setembro – em fitas de vídeo cassete.

O colega Milton Parron, aliás, mexeu nos arquivos da Bandeirantes outro dia, e compôs um belo programa, com um longo trecho do relato que eu e Cláudio fizemos aquele dia, comparando com o também histórico “Guerra dos Mundos” de Orson Welles.

Aparece lá bem no finalzinho.

O link está aqui.

E um outro contemporâneo de Washington, Paulo Moreira Leite – hoje na Época; em 2001 na Gazeta Mercantil – escreveu o texto abaixo, com o qual concordo em 100%.

“Bin Laden e Bush

Eu morava em Washington quando ocorreu o atentado de 11 de setembro. Minha TV estava ligada quando o segundo avião atingiu a segunda torre gêmea no WTC.  Acompanhei ao vivo as cenas seguintes.

Tentei chegar ao centro da capital americana mas fui apanhado no contrafluxo de uma multidão de cidadãos que retornavam para suas casas e bloqueavam o transito a  dezenas de quilometros de distancia do Pentágono, onde caira um terceiro avião.

Como a maioria das pessoas que viviam nos EUA, fiquei com marcas profundas em função do episódio. Quando você está perto de um ataque dessa envergadura, torna-se, queria ou não, uma vítima potencial. Qualquer que seja sua opinião sobre o governo americano, sobre os direitos humanos e sobre o terrorismo, seu julgamento é influenciado pelo angulo de visão, digamos assim.

Uma década depois, a maioria das análises sobre o 11 de setembro aponta suas responsabilidades para a organização terrorista Al Qaeda e seu líder, Osama Bin Laden.

Mas apesar de morar em Washington e ter até conhecido pessoas que perderam parentes no atentado, eu acho que o presidente americano George W. Bush tem uma grande responsabilidade pelo que ocorreu a partir de 12 de setembro e isso não é pouco.

Feito o balanço da obra de um contra a de outro, pode-se apontar muitas diferenças importantes. Mas é difícil dizer, claramente, quem causou maior prejuizo aos homens e mulheres de nosso tempo.

Se Bin Laden organizou um massacre criminoso de inocentes, Bush tomou diversas decisões erradas e injustificáveis. Agiu como aquela autoridade que aceita a provocação do inimigo — em vez de respondê-la com mais eficácia, com seus próprios meios,em nome de interesses e valores claramente definidos.

Não consigo apontar, depois do 11 de setembro, um único aspecto da vida da humanidade que tenha ficado melhor graças a intervenção do ex-presidente americano.
Bush tentou usar a chamada guerra permanente ao terrror como instrumento fácil de ganhar popularidade.

Admito que a reação de Bush ao atentado pode ter tido como origem a necessidade legítima de dar uma resposta a um atentado que matou milhares de cidadãos americanos, o que colocava obviamente a necessidade de elevar a segurança do país e de seus moradores. Mas Bush tomou iniciativas erradas, com o foco deslocado e com finalidades distorcidas, que se mostraram nocivas a longo prazo.
Deu inícío a uma guerra que não poderia ser vencida no Afeganistão. Iniciou outra, no Iraque, com base numa mentira interesseira. Assumiu uma postura tolerante com a tortura de prisioneiros. O saldo é que a hostilidade aos EUA só aumentou ao longo do tempo. Os atentados sangrentos de Londres e Madri encarregaram-se de mostrar que a segurança também diminuiu.

Ao investir 4 trilhões de dolaresa numa aventura militar sem retorno possível, Bush abriu as portas para a grande crise de hoje, quando a potencia número 1 do planeta tornou-se um transatlântico à deriva e carrega boa parte do mundo desenvolvido consigo.
Bush mostrou-se incapaz de dar uma resposta política a qualquer problema sério dos países árabes e do Oriente Médio, causa original dos ataques. Sempre tentou respostas no plano militar e fracassou sempre.

Se a vida no Oriente Médio pode melhorar, daqui para a frente, deve-se a uma atuação corajosa da população árabe que, sem ajuda dos EUA nem da Al Qaeda, muitas vezes apenas hostilizada por ambos, colocou a questão da democracia no horizonte. Não sabemos ainda o que vai acontecer nesses lugares. Só sabemos que tanto Bush como Bin Laden estão perdendo.”

A vida de repórter me deu a chance de ver muita coisa de perto. Tristes e tensas, como enterro dos sem terra mortos em Eldorados dos Carajás ou a ação dos Tupac Amaru ao seqüestrar um monte de embaixadores ao mesmo tempo, no Peru; a queda de avião da TAM em 1996 e o enterro do Papa João Paulo II; a revolta violenta dos trabalhadores moçambicanos em Maputo, em 2010, ou encontrar uma sobrevivente do genocídio de Ruanda em frente a uma igreja que virou memorial, bem no meio do país.

Também vi fatos alegres e emocionantes, como a final da Copa de 98, a abertura da Copa de 2002 ou a final dos 100 metros rasos na Olimpíada da Grécia. E também instantes históricos, como a eleição (interminável) e posse de Bush nos EUA e a posse de Lula, a poucos metros dele, no Congresso Nacional; a visita de Lula a Obama na Casa Branca (o operário nordestino e o negro pela primeira vez no Salão Oval), e até a cerimônia com as virgens e o rei da Suazilândia.

Mas nada será como o 11 de Setembro.