Comprei de cambista. Mas calma, que eu explico

Revendo os textos do ano passado, notei que este aqui não estava mais no arquivo do site – sabe-se lá porquê. Como deu trabalho pra escrever (e o Elefante anda meio borocoxô esses dias), republico, tal qual foi escrito, em 29 de junho do ano passado, durante a Copa do Mundo.

Já teci aqui considerações nada elogiosas sobre os cambistas e sobre quem compra deles. Como você vê aqui no post anterior sobre o tema, e também aqui, na reportagem que fiz no primeiro jogo do Brasil, acredito que não há muita solução para situações em que há um espertão prestando uma picaretagem de um lado e um malandrão do outro pronto a pagar por ela.

Mas ontem vi Brasil e Chile com ingresso comprado na porta. E, creio, sem alimentar esse ciclo de gente ixperrrta.

Calma que eu explico. Como você vai ver no fim, fundamental foi ter calma e paciência.

Na véspera encontrei sujeito comprando ingresso por 600 dólares – nem vi qual o preço original dele, mas o camarote custa 260. O vendedor era uma brasileiro todo saliente, agindo sem medo ou remorso na Praça Nelson Mandela.

Parêntesis: ridículo e vergonhoso ver coleguinha vendendo ingresso com preço majorado. E tem de monte. Penso seriamente em colocar os nomes deles aqui. Que tal depois que a copa acabar, só pra fazer suspense? Vou pensar.

Claro que acontece de alguém ter comprado ingresso achando que não seria escalado pra partida, depois acabar tendo que trabalhar no jogo (ou fazer outro jogo) e quer só recuperar o que investiu. Normal. Mas quem faz isso cobra preço de face desde o primeiro minuto. Não tenta ganhar em cima. Fecha parêntesis.

Horas antes do jogo tinha cara oferecendo ingresso por 300 euros na porta do Ellis Park. Aliás, como você já viu na reportagem lá em cima (link aqui de novo) a rua em frente à entrada principal do estádio é quase uma Feira do Bilhete. E, de novo, estava fervendo. Parecia a bolsa de valores no tempo do pregão viva-voz.

Pois bem. Como minha obrigação era acompanhar a entrada dos torcedores, para o caso de alguma problema, e já tinha decidido fazer uma reportagem só depois do jogo (que você vê como ficou no próximo post, lá em cima), fiquei meio de bobeira cerca de meia hora antes do começo da partida.

Já estava lá mesmo, na “feira”, fiquei observando. À medida que o tempo passava, o preço baixava. Comecei a ver gente que uma hora antes estava cheia de gingado ao oferecer ingressos pelo dobro do preço agora corria, com cara de preocupado, pra não ficar com o mico na mão.

Às 20:28h, um ex-ixpeerrrrto chegou me perguntando, “quanto eu pagava” pelo ingresso. Olhei bem pra ele, lembrei quanto tinha no bolso e disse “50 dólares”. Ele me olhou de volta com cara de espanto. “Mas comprei por 100 – tá aqui, ó”, disse, me mostrando o valor de face. Ao que respondi, fina, calma e pacientemente: “Problema seu. Então limpa o nariz com essa porcaria”.

Claro que ele vendeu. E, burrro, eu deveria ter oferecido menos. Ele pegaria do mesmo jeito.

Quando sentei no meu lugar (ingresso número 1400155947, Category 3, Gate 2, Upper Level, Block 039, fila Q, assento 09) o placar marcava 4 minutos do primeiro tempo (o lugar, aliás, era exatamente o do bilhete – não tinha nenhum outro ixperrrto sentado nele). Só perdi o hino. Que, como é pela metade, nem me importei muito.

Só pra comparar as duas últimas vezes que fui a um estádio. A última ontem, a 50 dólares, pouco menos de 90 reais. Antes, foi no Campeonato Brasileiro do ano passado (ou foi no Paulista do ano passado? Enfim, foi no ano passado), numa das idas a São Paulo. Fui ver Palmeiras e Santos no Palestra Itália, sozinho, sem estacionamento, com chuva, num sábado à tarde. Placar 1 a 1, um jogo horroroso. Quanto paguei pelo ingresso no Palestra? DUZENTOS reais, por uma cadeira parcialmente coberta.

Claro que não é todo mundo que consegue ter paciência numa hora dessas. Eu estava lá trabalhando, sem nenhum medo de não ver o jogo. Iria fazer exatamente o que fiz nos outros três: procurar uma TV num lugar aquecido, pedir um café e acompanhar a partida. Agir de caso pensado exigiria sangue frio. Calma e paciência.

Mas que foi uma delícia a ver a cara do bonitão me vendendo o ingresso pela metade do que ele pagou, foi.

PS: por razões estritamente higiênicas, os fatos foram ligeiramente adaptados para serem contados neste blog – do qual minha mãe e minha tia são leitoras, inclusive. Principalmente o trecho em que reproduzo a educada conversa com o cambista, transcrita como “”Problema seu. Então limpa o nariz com essa porcaria”. Na realidade, os termos utilizados não foram exatamente esses. Notadamente os “porcaria” e “nariz”.

Calma e paciência, meu caro. O resto é tudo verdade.

Cambistas de novo.

Agora quem encontrou com eles foi o Vinícius, da Agência Brasil (leia a reportagem aqui). O Marcelo fez fotos de longe (aqui estão as fotos).

Como você já viu aqui no ElefanteNews (e clique aqui pra ver de novo) já trombei com eles por aí também.

E vou trombar de novo até o fim da Copa. E também na próxima Copa. E na outra. E a outra…

Mas na próxima vai sair no jornal gente dizendo que “é só no Brasil” que acontecem essas coisas.

Não caia nessa.

Aliás, também não caia nas outras que se aprontam pelas redações por aí, tá? Tem gente que acha ainda vive no tempo em que “era só eu falar pra ser verdade, era eu só não falar pra não ter acontecido”.

Não é mais assim. E tenho orgulho de fazer parte dessa mudança – aqui no blog e na EBC.

Cambistas e a Copa


Cambista é mais uma daquelas coisas que nego que vai duas vezes à DisneyWorld e acha que conhece o mundo gosta de falar que “ah, isso só tem no Brasil”.

Não é não. Cambista é igual capim – tem em todo canto. Malandragem não é exclusividade brasileira. E o malandro aqui está dos dois lados, diga-se. Um querendo encher a burra sem trabalhar. Outro querendo fazer algo para o qual não se preparou com a devida antecedência na marra, do tipo “posso porque tô pagando”.

Por isso gosto de mostrar cambistas agindo, no geral abertamente, em grandes eventos no exterior. É o tipo de coisa que todo mundo reclama, anuncia que vai combater, mas nunca vai acabar. Enquanto tiver trouxa comprando vai ter espertão vendendo. Ponto final.

Fiz matéria sobre isso em um monte de finais de Copa do Brasil, Campeonato Brasileiro e Paulistão para a Rádio Bandeirantes. Repeti a dose na porta da abertura da Copa da Coréia em 2002. Também fiz no Parque Olímpico da Grécia no dia de uma final importante (tão importante que eu esqueci qual era) para a TV Bandeirantes, em 2004. E agora fiz na porta do estádio da estréia do Brasil aqui em Joanesburgo, contra Coréia do Norte.

Nunca falhou. E é sempre igual: esconder o microfone, colocar a câmera de longe e esperar cinco minutos. Malandros são rápidos no gatilho. E trouxas não gostam de esperar.

A reportagem de ontem está aqui, no site do Repórter Brasil.

Ah… nunca comprei ingresso fazendo essas matérias. Tinha credencial na Coréia e em Atenas. E ontem assisti ao jogo de uma sala perto do estádio, de onde geramos o material depois do jogo.

Malandro é o gato, que já nasceu de bigode.