Três linhas de espaço, senhor!

Mais uma burocratice moçambicana digna de registro – em cartório, inclusive.

Meu afilhado virá passar seis meses aqui conosco. Hoje fui ao Ministério da Educação pedir a equivalência de notas, para que ele estude na série certa.

Levei todos os documementos. Milagre não faltar nenhum. O que quase brecou tudo foi o protocolo.

“O senhor precisa fazer a solicitação de próprio punho. O modelo está ali no quadro. Mas não vai dar tempo. São 14:30h e fechamos às 15h, senhor.”

Deu tempo. Mas foi por pouco.

Fiz o tal protocolo, de próprio punho, quatro – eu disse quatro – vezes. Mostrava pra moça e ela só balançava a cabeça: “Vai ser chumbado, senhor” (indicando que não iriam aceitar).

“Mas por que?”

“Aqui, olhe: lá está: ‘Ministro de Educação, excelência.’ E o senhor escreveu ‘Ao ministro da educação”. E me olhava com cara de “isso é óbvio…”

A primeira versão foi “chumbada” por causa do “ao”; a segunda, porque escrevi, ao lado da série em que o Guilherme vai estudar, a expressão “de acordo com a lei brasileira”. Não podia. Era do jeito que estava no quadro. E no quadro não tinha isso, senhor.

A terceira foi a mais irritante – como se as demais já não tivessem sido.

“Aqui, senhor: o senhor não respeitou o espaço de três linhas entre o endereçamento e o texto.”

“Três linhas? Mas estou escrevendo à mão! Tem espaço aí – olha lá”.

“Sim, senhor. Mas, não, senhor. Precisa ser de três linhas de espaço.”

Aos dois minutos pras 15h, ela aceitou a versão definitiva do raio do documento. E meteu lá no fim, pá, em vermelho, o carimbão que demorou tanto pra sair.

“Volto quando?”

Daqui uma semana, senhor”.

“Precisa trazer algo mais”.

“Só mais paciência, senhor.”

Plunct, Plact, Zum

Há algumas semanas, Moçambique parou de exigir que as fotocópias entregues nas repartições estejam autenticadas, desde que o documento original seja apresentado junto.

Agora, libera o uso da carteira de habilitação brasileira aqui (falta o Brasil fazer o mesmo).

Mas… ainda seguem pedindo carta endereçada ao ministro a cada entrevista que quero fazer. A cada pauta, sinto vontade de gritar “toca Raul!” Porque tem que ser selado, registrado, carimbado, avaliado, rotulado….

Mais das peripécias burocráticas aqui, aqui e aqui. Em três vias.

13/10/2010
Moçambique ratifica acordo que reconhece validade da carteira de motorista do Brasil

Eduardo Castro
Correspondente da EBC na África

Maputo – O governo de Moçambique ratificou nessa terça-feira (12) um acordo que reconhece a validade da carteira de motorista brasileira em seu território. O entendimento foi assinado em junho, em Brasília. Para entrar em vigor, ainda depende da aprovação do Congresso Nacional brasileiro.

“Será bom para os brasileiros que residem aqui, porque vai permitir dirigir em todos os países da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral [SADC, a sigla em inglês] e também em Portugal”, afirma Leônidas Coelho, secretário da embaixada brasileira em Maputo.

A SADC é formada por 14 países – a África do Sul, Angola, Botsuana, o Congo, Lesoto, Madagascar, Malawi, as Ilhas Maurício, Moçambique, a Namíbia, Suazilândia, Tanzânia, Zâmbia e o Zimbábue.

O acordo prevê que as carteiras originais são válidas por seis meses a partir da entrada do estrangeiro no país. Para mais tempo que isso, o interessado precisa trocar o documento por uma carteira do país que o recebe. Mas terá de fazer só os exames médicos.“Tendo passado nos exames, ele recebe uma carta de condução equivalente à que tinha em seu país”, explicou o porta-voz do Conselho de Ministros de Moçambique, Alberto Nkutumula.

O entendimento elimina boa parte da burocracia atual, que inclui até deixar a carteira brasileira depositada com a autoridade de trânsito moçambicana, por exemplo.

Não há previsão de quando o acordo será analisado pelo Congresso brasileiro. Quando começar a valer, o acordo também permitirá a moçambicanos conduzirem automóveis no Brasil portando apenas a habilitação de seu país, nos mesmos prazos e condições.

Edição: Graça Adjuto

Eu e os carimbos

Não foi a primeira vez que precisei esperar por um carimbo para fazer reportagens aqui na África (clique aqui veja aqui minhas outras lutas contra os burocratas), mas foi a primeira vez que precisei esperar pelo carimbo chegar ao prédio em que eu estava.

Para entrar no campo de refugiados, é necessária a autorização do ONU e do governo de Ruanda, que tem um ministério que só cuida disso: o Minister for Refugees and Disaster Preparedness.

Como mandam as tradições, lá fui eu com minha cartinha, timbrada e assinada (tudo por mim mesmo), pedindo pra entrar no campo. Antes liguei lá: “alô, sr. Fulunorumukobwa, bom dia. É isso, isso e isso”. “OK, não há problema. Venha aqui que eu assino”, diz o sr. Fulanorumukobwa (os sobre nomes aqui são sempre longos assim). “Mas diga ao taxista que estamos novo endereço, prédio tal”.

Depois de alguma procura pelo novo enfereço, chego lá. Não tinha sequer o nome do ministério na porta. Ele tinha mudado de prédio… ontem.

Achar o andar já foi meio duro. Subi. Em meio às caixas, pastas e funcionários instalando telefones, o sr. Fulanorumukobwa me atendeu rapidamente, com um sorriso, perguntando do Brasil (e sempre do futebol), tal. Em cinco minutos o papel estava assinado.

Mas faltava o carimbo. Que ainda não tinha chegado no prédio novo.

Carimbo é uma coisa tão importante que a secretária do sr. Fulanorumukobwa tinha levado a uma caixa com eles para casa dela, para que nada se perdesse durante a mudança. E ela só viria de tarde.

“Olha”, disse o sr. Fulanorumukobwa. Se você quiser, pode ir sem o carimbo, só com minha assinatura. Mas acho melhor esperar. Mando alguém buscar.”

Então eu esperei. Uma, duas horas. Até que o motorista chegou com o carimbo.

Foi ele entrar na sala e o sr. Fulanorumukobwa carimbar uma, duas, três, quatro vias: uma pra ele, outra pra mim, uma pra ONU e outra pro gente do campo. E pronto, eu podia seguir viagem.

Com a autorização do ministério. E com um belo de um carimbo.