A segurança, Orlando e Luis

Durante o apartheid, Moçambique foi destino para muitos exilados sul-africanos. Entre tantos integrantes do CNA (Congresso Nacional Africano), o ex-presidente Thabo Mbeki – primeiro sucessor de Nelson Mandela – e o atual presidente, Jacob Zuma, viveram aqui.

Recentemente foi lançada, até, a pedra fundamental de um memorial que vai lembrar o episódio que ficou conhecido como “raid na Matola”, que matou 14 sul-africanos exilados que viviam na cidade vizinha à Maputo.

Uma ação parecida com o que os Estados Unidos fizeram há poucos meses no Paquistão, para matar Osama Bin Laden.

Em 31 de Janeiro de 1981, uma força especial do exército da África do Sul, então governado pelos racistas do Partido Nacionalista, invadiu o território moçambicano e atacou três casas na cidade da Matola, onde viviam os exilados. Eram todos combatentes do CNA, que lutavam pelo fim do apartheid e eram considerados terroristas pelo regime racista.

Não foi a única ação do tipo. Ataques aéreos também aconteceram.

Por isso, a segurança nas casas dos exilados do CNA era reforçadíssima. Mas nem sempre os vizinhos sabiam.

Um amigo, Orlando, quase morreu ao roubar frutas do vizinho – que vinha a ser Oliver Tambo, presidente do CNA no exílio, uma das maiores referências da vida de Nelson Mandela (a outra era Walter Sisulu) e, hoje, nome do aeroporto de Joanesburgo.

Na época um garoto de menos de dez anos, ele subiu na árvore no fundo de casa para roubar algumas frutas. Um dos galhos fez um estalo alto, e, em segundos, quatro ou cinco seguranças armados até os dentes (como diria o Homem Chavão) surgiram no jardim, prontos para atirar.

O susto foi imenso. Rindo (hoje, claro), Orlando faz troça, dizendo que, naquela idade, “jamais tinha imaginado que alguém pudesse ficar tão bravo por causa de umas frutinhas…”

Na mesa do almoço, ao lado de Orlando, Luis lembrou da vez que, na República Democrática do Congo (onde mora até hoje), ele quase foi soterrado pelos seguranças do presidente Joseph Kabila. Kabila herdou o poder depois que o pai foi assassinado, em 2001 – e foi eleito em 2006.

Luis trabalha com construção civil e foi chamado para ver um jogo de futebol na tribuna de honra de um estádio em Lubumbashi, no norte do país, do qual ele trabalhou na reforma. Bola rolando, sai um gol do time da casa. A torcida grita e ouve-se um barulho – fogos, talvez – ali perto. Os seguranças não tiveram dúvida: pularam todos em cima de Kabila, para protegê-lo. Quem estava no meio, foi pro chão também.

“E você não tirou foto?”, perguntou o Orlando, rindo. “Eu não!”, disse o Luis. “Vai que os seguranças não gostassem do barulho…”

PS: caso você seja daqui ou venha e queira conhecer o novo memorial da “raid da Matola” (que deve ficar pronto no fim do ano), aproveite para almoçar no Coisa Nossa, ali na mesma praça, na Matola mesmo. Diga ao Jorge, o proprietário, que é meu amigo. E vai ter de pagar a conta do mesmo jeito.

Será que a Revolução Verde vai mesmo chegar?

Ouço sobre ela desde que cheguei a Moçambique, há seis meses. “Produzimos pouco alimento”. “Tudo vem de fora” são outras coisas que ouço também.

Vejamos. E comamos.

19/11/2010
Com apoio do Brasil, CNA aposta em Moçambique como grande produdor de alimentos

Eduardo Castro
Correspondente da EBC na África

Maputo (Moçambique) – Para a presidenta da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Kátia Abreu, Moçambique tem condições de ser um dos grandes fornecedores de alimentos da África. “A pesquisa agropecuária foi o instrumento mais poderoso que fez do Brasil a potência que é hoje. E isso o Brasil esta abrindo mão e cedendo à África”, disse ela, que também é senadora pelo DEM de Tocantins. A comitiva de técnicos brasileiros veio ao país conhecer oportunidades no setor agroindustrial e trocar experiências.

Mas ela alertou que “não há como ser eficiente sem trabalhadores treinados ou sem logística, que esta sendo construída”. Quanto ao treinamento, o Brasil também vai colaborar. “Fomos convidados pela ABC [Agência Brasileira de Cooperação] para uma parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural, que é o nosso braço de qualificação profissional. Nós já recebemos no Brasil produtores e técnicos angolanos e, agora, estamos retornando para treiná-los. Aqui [em Moçambique] é a mesma coisa”, disse a senadora.

Outro ponto fundamental do processo é o financiamento, seja por microcrédito ou com a ajuda dos instrumentos internacionais de fomento dos países desenvolvidos.

Além de ter um encontro com o ministro da Agricultura moçambicano, José Pacheco, a comitiva esteve nas instalações da mineradora brasileira Vale, na província de Tete, e conheceu projetos sociais na região. Também fez visitas técnicas a empreendimentos agropecuários, para identificar novas áreas com potencial para futuros investimentos. “Estamos vendo toda a região como um polo de produção, um celeiro, não só para Moçambique como também para vários países da África”.

Metade do território do país tem condições de ser cultivado. Mas 80% dos produtores praticam a agricultura de subsistência. Hoje em dia, boa parte do alimento em Moçambique é importado, principalmente da África do Sul.

O primeiro passo, disse Kátia Abreu, é fortalecer o mercado interno. “O Brasil produz 80% para abastecer o mercado interno e apenas 20% é exportado. Mesmo assim, o país lidera a tabela mundial de exportadores de soja e carne bovina, por exemplo. Moçambique tem localização muito especial, não só em relação ao mercado africano, mas também ao Oriente Médio, além de China e Japão para direita e Brasil e América Latina para a esquerda”.

Na volta a Maputo, o grupo teve contato com o Programa de Desenvolvimento da Agricultura das Savanas Tropicais de Moçambique (ProSavana), uma parceria que envolve a Agência de Cooperação Internacional do Japão. O governo japonês desenvolveu um projeto semelhante no Brasil, o Pro-Cerrado.

A infraestrutura do ProSavana deve estar pronta nos próximos 2 a 5 anos. Mas Katia Abreu fez um alerta. “Já observamos muitos plantios de madeira. O mundo precisa de papel e celulose, mas aquelas áreas não podem ser ocupadas totalmente por madeira”.

Também nesta semana, outra comitiva brasileira, de 25 empresários de diversos setores, esteve prospectando oportunidades em Moçambique. Na segunda-feira (15), o grupo ouviu do ministro dos Transportes e Energia, Paulo Zucula, quais são os locais do país que mais precisam de investimentos. Também conheceu a estrutura legal e tributária voltada aos investimentos estrangeiros. Os principais focos dos investidores são mineração, energia, agroindústria e serviços.

Edição: Vinicius Doria