Sudão: primeiros resultados do referendo

Pelo que vi e ouvi nos últimos seis meses, os resultados não surpreeendem.

A surpresa é o processo ter mesmo acontecido.

E, aos poucos, protestos também começam a aparecer por lá, na esteira da Tunísia-Egito.

A conferir.

Reportagem da Agência Brasil.

30/01/2011
Resultados oficiais confirmam que mais de 99% querem separação do Sudão

Eduardo Castro
Correspondente da EBC na África

Maputo (Moçambique) – Os primeiros resultados oficiais da consulta popular realizada no Sudão mostram que 99,57% dos eleitores votaram pela independência da parte sul. A escolha ocorreu entre os dias 9 e 15 de janeiro. Os números finais serão oficializados a partir de 6 de fevereiro. No total, 3,8 milhões de eleitores compareceram às seções eleitorais.

O Sudão do Sul (nome não oficial) deverá ser o 54º país africano a ser reconhecido pela comunidade internacional. A data marcada para a independência é 9 de julho. O país já tem até hino nacional e bandeira escolhida.

O anúncio dos primeiro resultados aconteceu em Juba, capital do futuro país, no túmulo de
John Garang, que liderou o Sul durante a guerra civil. Ele morreu em um acidente de avião logo depois da assinatura do acordo de paz, em 2005.

O Sul do Sudão vive de forma mais autônoma da capital Cartum desde o fim da guerra civil, em 2005. O conflito, que durou 23 anos, deixou mais de 1,5 milhão de mortos. A região, do tamanho do estado de Minas Gerais, é uma das mais pobres do mundo.

Como parte do acordo de paz, assinado entre o Norte (majoritariamente muçulmano) e o Sul (cristão ou seguidor de religiões locais), ficou acertado que uma consulta popular iria definir o futuro da parte sul. Somente sulistas puderam votar.

A solução desagradou boa parte dos líderes africanos, que temem que o exemplo tente ser seguido em outras áreas onde há conflitos étnicos, religiosos ou dificuldades econômicas. A medida quebra um princípio definido em 1963, quando da Organização dos Estados Africanos, que dizia que as fronteiras deixadas pelos colonizadores europeus iriam permanecer, por mais artificiais que fossem.

Em 1993, a Eritreia separou-se da Etiópia. Mas o país já existia antes, tendo sido anexado ao território etíope em 1962, logo depois da independência da Itália.

Além das divisões étnicas e religiosas, a riqueza do solo do Sul também é motivo de tensão. Boa parte das reservas de petróleo do Sudão estão lá. Mas as estrutura de refino e distribuição, bem como a saída para o mar, estão no Norte.

As fronteiras exatas do novo país ainda não foram definidas, bem como as regras de relacionamento e distribuição de bens com o Norte. A região de Abyei, rica em petróleo, exatamente na fronteira, é desejada pelos dois lados.

Nos últimos meses, o presidente Omar Al Bashir afirmou várias vezes que iria aceitar os resultados, mesmo que fossem pela separação, algo visto com ceticismo pelos analistas internacionais. O atraso no alistamento dos eleitores, finalizado apenas em dezembro, fez com que fossem grandes as dúvidas sobre a realização da consulta na data prevista – o que acabou ocorrendo.

Sudão do Sul na TV Brasil

Reportagem exibida no Repórter Brasil.
Clique aqui pra ver.

Aliás, vc já viu o episódio dos Simpsons em que o Kent Brokman (o sujeito aí ao lado, que uso para indicar as reportagens de TV) é demitido do Canal 6 e depois volta, coberto de glória?

Como dizem aqui, valapena ver. Coleguinhas de TV, principalmente…

Terminou o referendo no Sudão. A África terá 54 países

Se vai ser bom ou não, vamos ver lá adiante.
Talvez nem tão adiante assim.

Acompanhei o processo há algum tempo – que passa sempre por aqui sabe. Fazendo uma pequena busca no blog (clicando aqui vai direto), dá pra perceber que é algo bem completo.

Boa sorte aos envolvidos – nós todos, que vivemos na África.

17/01/2011
Resultado de consulta popular sobre divisão do Sudão deve ser homologado até 15 de fevereiro

Eduardo Castro
Correspondente da EBC na África

Maputo (Moçambique) – A consulta popular que pode decidir pela divisão do território do Sudão em dois países terminou no sábado (15). O resultado deve ser homologado, no máximo, em 15 de fevereiro. Até lá, haverá a apuração das cédulas de papel e um período para eventuais reclamações.

O processo de votação durou uma semana e foi aprovado por mais de mil observadores internacionais que acompanharam a votação. Ele era aguardado desde 2005, quando foi firmado o acordo de paz que pôs fim à guerra civil de 23 anos no país. Apesar dos elogios, a votação não foi totalmente pacífica: pelo menos 35 pessoas morreram em confrontos na região de fronteira.

Somente sudaneses nascidos no Sul podiam votar. A região é majoritariamente cristã, enquanto o Norte é muçulmano. Além disso, é lá que ficam as maiores reservas de petróleo do país.

Em várias ocasiões, o presidente Omar Al Bashir disse que o governo aceitará e seguirá qualquer que seja o resultado. A afirmação é vista com ceticismo por analistas internacionais.

Para o ex-presidente norte-americano Jimmy Carter, um dos observadores internacionais, é “altamente provável” que vença a proposta de independência do sul do país. Em entrevista em Cartum, capital sudanesa, ele disse esperar que os partidos do Sul e do Norte unam-se em conversações para “preparar as modificações na Constituição”.

Caso se confirme a vitória da proposta de separação, o novo país será criado em 9 de julho deste ano e nascerá como um dos mais pobres do mundo. Hoje em dia, mais da metade de seus quase 9 milhões de habitantes sobrevivem com menos de US$ 1 por dia de renda média. O índice de analfabetismo ultrapassa os 70%. O Sudão do Sul surgiria com o tamanho do estado de Minas Gerais e com capital na cidade de Juba.

Edição: Graça Adjuto

Sudão: mortes no referendo

Calmo na capital.
Tenso na fronteira.

Reportagem da Agência Brasil.

10/01/2011
Pelo menos 30 pessoas morrem na região de Abyei no Sudão

Eduardo Castro
Correspondente da EBC na África

Maputo (Moçambique) – Milhares de moradores do Sul do Sudão já votaram nos primeiros dos sete dias de consulta popular, que pode culminar na divisão do país em dois. Na área da futura fronteira, pelo menos 30 pessoas morreram na região de Abyei, rica em petróleo, segundo a BBC. Foram três dias de enfrentamentos, entre nômades árabes e integrantes de tribos sulistas. A Organização das Nações Unidas (ONU) também confirmou ter recebido relatos de violência.

Como o Sul tem altos níveis de analfabetismo, as cédulas de votação trazem dois desenhos, para serem assinalados pelo eleitor: uma mão simboliza a independência do sul; duas mãos dadas indicam preferência por manter o Sudão unificado.

As reiteradas declarações do presidente Omar Al Bashir de que irá aceitar e seguir o resultado, seja ele qual for, aumentou a expectativa de que o processo fosse pacífico. Mas caso o Sul efetivamente venha a separa-se, muito vai ter de se negociar antes da decisão ser completamente efetivada.

Um dos pontos mais complicados é a demarcação da fronteira.“Só sabemos o que é o Norte e o que é o Sul de forma geral”, diz Aly Jamal, doutor do Instituto Superior de Relações Internacionais de Moçambique, e especialista em conflitos africanos. “Mas uma diferença de 200, 300 metros pode ser motivo de discussão depois, percebendo que o poço de petróleo ou a mina de tantalita esteja para o outro lado”, explica.

A tantalita é um mineral composto de ferro, manganês, nióbio e tântalo, usado na indústria eletrônica, vidro e aço, cujas maiores jazidas estão nos estados brasileiros de Roraima e Amapá.

Confirmando-se a esperada separação do Sul, a região ficaria com a grande maioria das reservas de petróleo já descobertas no Sudão. Mas as estruturas de escoamento e refino, bem como a saída para o mar, ficam no Norte.

A ideia inicial era realizar, ao mesmo tempo, uma outra consulta popular simultaneamente, exclusiva sobre o futuro da região de Abyei, que fica exatamente na fronteira. Mas ela foi adiada, por causa tensão que a decisão vai causar.

Aly Jamal justifica sua preocupação citando o caso da Eritreia. O país foi o único surgido na África depois da criação da União dos Estados Africanos, em 1963 – que decidiu que, após o processo de independência, os países manteriam suas fronteiras, para evitar choques. “Em 1987, oito anos depois da separação, Eritreia e Etiópia envolveram-se em conflitos violentos por causa de uma porção de cadeia de montanhas, que alguém dizia que era importante sob o ponto de vista estratégico”, lembra. “Imagino o que pode acontecer onde há riquezas minerais comprovadas.”

Outros pontos que não foram esclarecidos antes do referendo é a cidadania dos moradores do Norte que atualmente vivem no Sul (e vice-versa), as regras de negócios entre os dois novos países e a divisão dos atuais ganhos com o petróleo.

Também é incerto o que vai acontecer no campo político no Norte. A única oposição atuante ao governo está no Sul do país. O partido no poder teria quase nenhuma resistência para impôr a lei islâmica, como já adiantou o presidente Omar Al Bashir. O Norte do Sudão tem maioria muçulmana, e o Sul é majoritariamente cristão.

Edição: Talita Cavalcante

Olhar brasileiro sobre o Sudão II

Agora, pela lente da TV Brasil.

Clique aqui para ver a reportagem, exibida no Repórter Brasil.

Olhos brasileiros sobre o Sudão

Entrevista que fiz com o embaixador Antonio Pedro. Boa sorte pra eles: o embaixador e pro Sudão.

06/01/2011
Às vésperas de consulta popular, Sudão vive momento de expectativa e tranquilidade

Eduardo Castro
Correspondente da EBC na África

Maputo (Moçambique) – O Sudão aguarda com expectativa e tranquilidade
o início da consulta popular que pode dividir o território do país. De acordo com o embaixador brasileiro no país, Antonio Carlos do Nascimento Pedro, as ruas da capital Cartum não indicam que uma tão temida revolta popular possa acontecer nos próximos dias.

“As instituições estão funcionando. Não há movimento na rua que denuncie ou prenuncie violência ou instabilidade política”, afirma o diplomata brasileiro. “Não há nada que, concretamente, indique uma situação de insegurança. Há, sim, uma ansiedade natural pelo processo.”

A consulta popular, marcada para 9 de janeiro, é aguardada desde 2005, quando foi assinado o acordo de paz que pôs fim à guerra civil que tomava conta do país havia 23 anos e deixou mais de 1,5 milhão de mortos. De um lado estava o Norte, de população muçulmana, onde fica a capital Cartum; do outro, o Sul, majoritariamente cristão, liderado a partir da cidade de Juba. Além da religião, o petróleo fazia com que o Sul lutasse pela independência.

Analistas internacionais indicavam que – caso o governo central resistisse à realização do processo ou colocasse em dúvida a implementação dele, no caso de vitória da separação – os conflitos não tardariam a voltar.

A tensão atingiu pontos altos durante as negociações que definiram as regras do recenseamento eleitoral e a tentativa – deixada para mais adiante – de delimitação clara das fronteiras das duas regiões. Houve movimento e instalação de tropas dos dois lados. Mas, de acordo com o embaixador Antonio Pedro, o quadro é outro na capital do país.

“Não vejo nenhuma situação de conturbação social ou qualquer excepcionalidade”, afirma ele. “Vejo, sim, um país caminhando para uma consulta popular ampla e de extrema relevância”, diz o diplomata, que está no Sudão desde julho de 2009.

Dos cerca de 40 milhões de sudaneses, 4 milhões registraram-se para votar. São sulistas que vivem em todo o país e também em algumas cidades do exterior. O processo dura uma semana. Para ser válida, a decisão precisa ser tomada por 60% dos eleitores inscritos.

Terminada a apuração, no dia 15, começa a verificação dos votos em cédulas de papel. Contando com o prazo para recursos e homologação, os resultados oficiais devem ser divulgados apenas em meados do mês que vem. Mas deve ser de conhecimento público, extraoficialmente, bem antes disso.

Apesar da tensão natural, o embaixador brasileiro em Cartum acredita que, caso haja mesmo a separação, os dois lados precisam rapidamente definir bases pacíficas para a convivência. E o mesmo petróleo – que chegou a ser motivo de conflito – será também fator para esse equilíbrio.

“Grande parte das reservas [do petróleo já descoberto] está no território que seria do país do Sul”, lembra Antonio Pedro. “Mas a estrutura de refino e escoamento está instalada no que seria um futuro país do Norte. Poderia ser desenvolvido algo parecido no país do Sul? Sim, mas leva tempo. Até lá, eles precisam achar a melhor forma de conviver.”

O Brasil abriu uma embaixada no Sudão em 2006. Ela apoia o comércio entre os dois países – que é pequeno, mas crescente – bem como projetos de cooperação técnica, além da implementação de ações de empresas brasileiras, especialmente no campo da agricultura.

Edição: Talita Cavalcante