Escrever coluna é algo novo pra mim. A idéia foi do Vinícius Dória, editor de esportes do Fato On Line e colega de longa data. Ele pediu pra falar sobre esportes, mas não ficar só em resultado e análise tática.
“Faz sentido”, pensei eu. Quem quer saber dessas coisas, vai procurar um site de esportes, passa o dia mudando a TV de canal da SporTV pra ESPN, da ESPN pra Fox, da Fox pro Esporte Interativo, do Esporte Interativo pra SporTV de volta. Ou faz como eu: vai ler a coluna do Tostão.
Foi desse papo, e de algumas trocas de mensagens posteriores, pra afinar o conteúdo, que nasceu o nome fixo da coluna: “Muito mais que quatro linhas”. Como internet não tem limite de toques, linhas ou páginas, tem dia que passa muito das quatro linhas. Mas, em termos de conteúdo, a idéia é sempre ir além. Propiciar uma leitura leve, informativa, opinativa até – mas sem muita firula, só no feijão-com-arroz mesmo.
Comecei em junho, informalmente. Como não sabia exatamente como a coisa iria fluir, não quis dar grande publicidade. Agora, já com a experiência de alguns meses e os primeiros aprendizados, me sinto mais à vontade para convidar mais gente a conhecer meus escritos.
Por isso, irei republicá-los aqui no ElefanteNews a partir de hoje. Vou colocar um ou dois por dia, até emparelhar com a data de publicação no Fato, que é sextas-feiras pela manhã.
Espero que gostem. Como tenho dito no Feicebuque, receber críticas faz parte da graça. É só a partir delas que eu consigo saber se estou atingindo o objetivo, agradando quem nós queremos agradar – não necessariamente só quem gosta de esportes, mas também quem curte uma boa leitura e quer se informar minimamente sobre esse tema, que ocupa a vida e é tão importante pra tanta gente.
14 anos dos atentados de 11 de setembro de 2001.
É um dia complicado pra mim. Mistura muitas emoções e memórias, boas e ruins.
Não é bom lembrar da violência, do pânico, da dor, das mortes do dia.
Também é péssimo pensar nas causas e nos efeitos.
Hoje o mundo é mais preconceituoso, mais racista, mais complexo, mais intolerante, mais pobre e mais inseguro que em 10 de setembro de 2001.
Do outro lado, resta a lembrança do trabalho realizado em meio à incerteza, ao medo, a dor, a dúvida – que era de todos nós. Não sabíamos o que estava acontecendo, nem o que poderia acontecer em alguns minutos, horas, dias – ou 14 anos.
Me restava contar o que via – na TV, na minha janela (a foto que ilustra este post) e na minha frente.
É a primeira vez que eu republico esses sons. Durante esses 14 anos, ficaram nos meus arquivos. O querido Milton Parrom, no seu programa Memória, mostrou o registro algum tempo atrás.
Transmiti ao vivo por quase 12 horas. No meio delas, tivemos que sair correndo do prédio, que ficava pertinho do Pentágono. Foi só um susto. Mais um, porque mais cedo, nós sentimos o impacto. Corri para a janela porque as janelas tremeram. Graças a isso, comecei a relatar o que ocorrida em Washington antes das primeiras imagens.
Foi marcante na minha vida, na minha carreira e na vida de muita gente.
Alguns dias depois de 11 de setembro de 2001, recebi um email (naquela época se usava email…) de um casal que estava com lua-de-mel marcada para a Disney. Queriam saber o que eu achava: se deveriam ir ou não.
Fiquei impressionado com aquilo, alguém confiar em mim para tomar uma decisão tão significativa pra eles. Também me ajudou muito a entender que o tom que usamos para contar as coisas, muitas vezes, tem mais força sobre o ouvinte/leitor/espectador que a mensagem em si. Afinal, eles ficaram preocupados com o “clima”. Não havia nada que indicasse que outros ataques poderiam ocorrer, nem que seriam na Disney.
Passei a me policiar mais nesse aspecto.
Quando se completaram dez anos do ocorrido, eu morava em Maputo, Moçambique, numa outra experiência de ter como obrigação trazer o mundo – um outro mundo, diga-se – mais perto dos brasileiros.
E recebi a mensagem que reproduzo aí embaixo, guardada com muito carinho.
Sinal de que valeu a pena – apesar de, hoje, ver que, para as empresas jornalísticas, no geral, fazer bem o nosso serviço faz pouca diferença.
Mas como se verifica aí embaixo, a gente não sai da memória do destinatário do nosso serviço: quem nos lê, nos vê e nos ouve.
“Prezado jornalista Eduardo Castro:
Meu nome é Edna Guisard Thaumaturgo, viúva, 68 anos, residente em Taubaté-SP,formação acadêmica em História.
Já faz bastante tempo que procuro me informar onde o senhor estaria trabalhando, visto que causou-me grande impressão a sua participação como correspondente nos Estados Unidos durante o episódio de 11/09. Nunca mais ouvi uma reportagem com tanta vibração, que me marcou profundamente pela veracidade e dedicação com que o senhor desenvolveu o seu trabalho jornalístico naquele fatídico dia. Procurei depois de algum tempo me informar sobre o seu trabalho mas foi difícil. Estou feliz de saber que o senhor continua trabalhando, agora em terras da Africa.
Parabéns por ter sabido ouvir a voz de seu coração e ter conseguido passar as informações que tanto marcaram a minha vida, como a de outros milhares de ouvintes assíduos da Radio Bandeirantes AM . Reconheço que estou um pouco atrasada em poder conversar por e mail com o senhor. O tempo passou mas a emoção é a mesma.
Seja feliz com sua família e em sua profissão. O senhor merece.”
Contando com os preparativos – que não foram poucos – a África já é parte da nossa vida há mais de dois anos.
Aqui em Moçambique, lá se vai mais de ano e meio.
Vir não foi uma decisão simples. Mas voltar também não foi.
Aqui criamos novos hábitos, aprendemos coisas novas, visitamos lugares lindos, recolhemos muito conhecimento (além de uns livrinhos, roupas muito bonitas e muitos enfeites para casa…).
Mas, principalmente, fizemos amigos. Gente que nos acolheu sem sequer nos conhecer, que nos ajudou a estabelecer uma rotina, nos acarinhou, muito nos ensinou pelo simples prazer de nos ter por perto.
E também muita gente que nunca vi, outros que nem sequer falei, mas que lêem o que escrevo no ElefanteNews, no Facebook e no Twitter, comentam de volta, e que só conheço por escrito.
Em alguns casos foi um reencontro, depois de muitos anos – real e virtual. Nova prova de que tempo e distância não atrapalham as verdadeiras amizades. E minha vida de andarilho já me mostrou mais de uma vez que são elas que ficam.
Não sei como agradecer, porque realmente não há como. Não há o que retribua a generosidade da companhia, o prazer da convivência, a alegria do compartilhar.
Tentarei assim: muito obrigado, sinceramente.
Vida que segue, diria João Saldanha. Em breve, a TV Brasil/EBC (o que me trouxe, inicialmente) vai mandar novo correspondente para a África, que também ficará baseado em Maputo.
O ElefanteNews (eduacatro.wordpress.com) surgiu de nossa vinda para cá, mas – caminante que é – vai continuar a abrir suas sendas por aí. Ele sai de férias comigo, mas deve voltar, de barba feita e banho tomado, assim que nos reestabelecermos em algum lugar.
“Em algum lugar” porque não sabemos exatamente onde será. Estamos retornando ao Brasil por razões familiares e, por isso, devemos ficar perto de onde está a maior parte da família – São Paulo. Mas é duro voltar para uma cidade deste tamanho depois de 12 anos fora. Assim, estamos vendo com calma.
Não é todo canto que aceita um elefante…
O mesmo vale para o futuro profissional. Não sei onde, mas certamente será “trombando com as notícias, sempre contra a manada”.
Foram quase oito meses aqui, conhecendo de perto uma realidade televisiva – ao mesmo tempo – tão próxima e tão distante da nossa.
Conheci gente excelente, trabalhando em condições e quantidade que muito medalhão brasileiro simplesmente não daria conta.
Vi a influência gigantesca que o Brasil tem nos países lusófonos – para o bem e para o mal. Na vida, na moda, na música, na língua e também no jeito de ver e fazer televisão.
Aos que me permitiram estar aqui, meu muito obrigado. Aos que conviveram comigo aqui, muito, mas muito obrigado mesmo.
Até uma próxima.
O que vou fazer agora? Férias. Pra mim e para o ElefanteNews.
Ouvinte de rádio tem muita intimidade com os profissionais do veículo. Somos parte da família deles – e eles são parte da nossa vida.
Me lembro que, logo depois do 11 de Setembro, uma noiva preocupada me mandou uma mensagem, relatando que iria casar em pouco tempo e tinha lua de mel marcada para dali alguns dias. Ela queria saber se deveria manter a viagem ou não.
Uma baita responsabilidade…
Acabei sugerindo que ela mantivesse a viagem. Depois, a moça me mandou outra mensagem dizendo que seguiu o conselho, deu tudo certo e ela estava muito feliz. Nunca mais soube do casal, mas espero que a felicidade continue até hoje.
Não há motivos para comemorar o 11 de Setembro: muitas pessoas morreram naquele dia; e muitas mais depois, na prepotente, dispendiosa e desastrada resposta americana. Hoje o mundo é mais inseguro, mais injusto, mais instável, mais preconceituoso, e até mais pobre do que em 10 de Setembro de 2001. Não se faz justiça com vingança. Nem se chega à paz por meio do caminho do lucro.
Mas os dez anos do 11 de Setembro me trouxeram motivos para me emocionar. Recebi várias mensagens de ouvintes, que lembram do meu trabalho em 2001.
Agradeço a todos e cada um deles pelo carinho, como o demonstrado pela ouvinte Edna, que mandou a tocante mensagem que eu republico aqui.
“Prezado jornalista Eduardo Castro:
Meu nome é Edna Guisard Thaumaturgo, viúva, 68 anos, residente em Taubaté-SP,formação acadêmica em História.
Já faz bastante tempo que procuro me informar onde o senhor estaria trabalhando, visto que causou-me grande impressão a sua participação como correspondente nos Estados Unidos durante o episódio de 11/09. Nunca mais ouvi uma reportagem com tanta vibração, que me marcou profundamente pela veracidade e dedicação com que o senhor desenvolveu o seu trabalho jornalístico naquele fatídico dia. Procurei depois de algum tempo me informar sobre o seu trabalho mas foi difícil. Estou feliz de saber que o senhor continua trabalhando, agora em terras da Africa.
Parabéns por ter sabido ouvir a voz de seu coração e ter conseguido passar as informações que tanto marcaram a minha vida, como a de outros milhares de ouvintes assíduos da Radio Bandeirantes AM . Reconheço que estou um pouco atrasada em poder conversar por e mail com o senhor. O tempo passou mas a emoção é a mesma.
Seja feliz com sua família e em sua profissão. O senhor merece.”
Não sei se mereço tanto. Mas agradeço muito, por tanta atenção.
Ps: o post anterior é sobre o 11 de Setembro de 2001. Quem quiser ler – e até ouvir um pouquinho do meu trabalho naquele dia – pode clicar aqui.
Em 11 de setembro de 2001, eu me preparava para sair de casa, em Arlington, estado da Virgínia, e tomar o metrô com destino ao outro lado do Rio Potomac, Washington DC, para a entrevista coletiva que Michael Jordan daria em algumas horas, sobre seu destino profissional. Na época, ele estava no time da cidade, depois de ter voltado de uma breve aposentadoria do basquete da NBA.
Achava que isso – nada além disso – faria daquela manhã histórica.
Quem dera.
Na época, era correspondente nos Estados Unidos para o Grupo Bandeirantes, mas basicamente trabalhava na rádio. Até dez dias antes, 1o de setembro, também trabalhava para a Voz da América. O serviço brasileiro acabara de ser fechado.
Ao terminar de gravar meus boletins, com o telefone ainda na mão, vi, pela TV, a imagem de uma das torres do World Trade Center, em Nova York, a pegar fogo. Em alguns canais, os apresentadores falavam em “small plane” ou algo assim.
Há quase dois anos vivendo nos Estados Unidos, não tinha um programa de preferência nas manhãs informativas. Mas, ao notar que era algo grande, passei para a ABC, captaneada pelo falecido Peter Jennings.
Em meio a um intervalo comercial, o programa Good Morning America é interrompido para a informação em “special report”. Jennings vai assumir a transmissão cerca de 15 minutos depois, exatamente às 9:11 – algarismos que marcariam esse dia.
Pedi para ser passado para o estúdio e entrei ao vivo na Rádio Bandeirantes descrevendo o que via na TV, o que consumiu alguns minutos. Em São Paulo, a produção tentava localizar brasileiros que estivessem em Nova York.
Encontrou Cláudio Maurício Alfredo, ex-colega, na altura trabalhando em um escritório de advocacia. Ele descreveu, emocionado, o segundo choque, na outra torre do World Trade Center.
Alguns minutos depois, em meio às participações que fazia na Rádio Bandeirantes – falando com o colega José Nello Marques – senti o vidro da minha casa tremer. Olhei incrédulo para minha mulher, Sandra, ao meu lado. Eu já estava na Rádio Bandeirantes, Band e Bandnews TV, e ela falava, pelo outro telefone, na TV Gazeta.
Corremos para a outra janela e vimos o Pentágono envolto numa nuvem negra, bem na nossa frente. Dali mesmo, dei a notícia antes das imagens serem difundidas.
A ABC começou a mostrar às 9:42 – sem saber o que era.
Eu já sabia.
Lembro do chefe da redação da Rádio Bandeirantes, João Marcos dos Santos, entrando no meu fone e me perguntando, delicadamente, “Meu velho, sei que você está sob pressão, nervoso, mas tem certeza do que está falando? Aqui não vimos nada ainda…”
Infelizmente, eu tinha.
Minutos depois, a ordem era para fechar os aeroportos e derrubar quem não descesse imediatamente. Mais um pouco e chegava a informação de que outro jato havia caído, em um descampado na Pensilvânia. Poucos dias mais adiante, o relato era de que um grupo de passageiros conseguiu entrar na cabine, lutar com os seqüestradores e derrubar o avião antes que ele seguisse também para Washington.
Por mais que torça para que essa história bonita tenha sido verdade, não consigo acreditar. Se tiver sido mesmo assim, sou grato a esses heróis, pois seria mais um avião a passar sobre meu prédio – como o primeiro.
Mas, para mim, ele foi mesmo abatido.
Mais um pouco, e o inacreditável voltava a acontecer. Primeiro uma, depois outra – as Torres Gêmeas vieram ao chão. Na gravação da rede ABC, Peter Jennings – o melhor âncora que já houve e vai haver, na minha opinião – viu, mas duvidou do que viu (a partir dos 4:20 do vídeo – até ele parar de falar, em choque, aos 6:25).
Fiquei no ar mais de 12 horas seguidas, a maior parte do tempo olhando da janela. Descrevi o que via para a Rádio Bandeirantes, TV BAND, Bandnews TV. Meus relatos também foram transcritos pelo IG.
Fosse no tempo em que trabalhava na Voz da América, jamais teria visto tudo tão de perto. Isso porque, àquela hora, já estaria no centro de Washington, nos prédios da VOA, sem visão do que estaria acontecendo no Pentágono.
Os pomposos “estúdios da Bandeirantes em Washington” (devo confessar) eram o “den” do meu apartamento – um quartinho atrás da porta de entrada, que serve para pendurar casacos e roupas de frio, acarpetado e sem janelas. Silencioso e mais do que suficiente para minhas gravações dali até o fim do ano, quando – já tinha acertado – voltaria para o Brasil.
No meio da tarde, consegui ir a pé até mais perto do Pentágono – que ficava a 5 quadras de onde morava. Mas eram poucas as informações e muito difícil de falar no celular.
Mas fiquei ali o tempo suficiente para sentir o cheiro característico da queda de um avião -algo difícil de descrever, inclusive. Como já tinha participado intensamente da cobertura da queda do avião da TAM em Congonhas, cinco anos antes, não tenho nenhuma dúvida.
Na TV era tanta informação, tanto medo, tanta coisa, que as emissoras começaram a colocar notícias por escrito, com o texto correndo no rodapé da tela – algo hoje comum. Até aquele dia, isso só acontecia nos canais destinados ao noticiário econômico (entram no ar exatamente aos 5:58 deste vídeo abaixo, na CNN).
Anotei o quanto pude – informações, sensações, sentimentos. Está tudo guardado, junto da minha mobília, no Brasil. Um dia, quem sabe, mexo nisso de novo. Também tenho gravada a cobertura ininterrupta que a ABC fez. Dos três dias, tenho dois – 12 e 13 de Setembro – em fitas de vídeo cassete.
O colega Milton Parron, aliás, mexeu nos arquivos da Bandeirantes outro dia, e compôs um belo programa, com um longo trecho do relato que eu e Cláudio fizemos aquele dia, comparando com o também histórico “Guerra dos Mundos” de Orson Welles.
E um outro contemporâneo de Washington, Paulo Moreira Leite – hoje na Época; em 2001 na Gazeta Mercantil – escreveu o texto abaixo, com o qual concordo em 100%.
Eu morava em Washington quando ocorreu o atentado de 11 de setembro. Minha TV estava ligada quando o segundo avião atingiu a segunda torre gêmea no WTC. Acompanhei ao vivo as cenas seguintes.
Tentei chegar ao centro da capital americana mas fui apanhado no contrafluxo de uma multidão de cidadãos que retornavam para suas casas e bloqueavam o transito a dezenas de quilometros de distancia do Pentágono, onde caira um terceiro avião.
Como a maioria das pessoas que viviam nos EUA, fiquei com marcas profundas em função do episódio. Quando você está perto de um ataque dessa envergadura, torna-se, queria ou não, uma vítima potencial. Qualquer que seja sua opinião sobre o governo americano, sobre os direitos humanos e sobre o terrorismo, seu julgamento é influenciado pelo angulo de visão, digamos assim.
Uma década depois, a maioria das análises sobre o 11 de setembro aponta suas responsabilidades para a organização terrorista Al Qaeda e seu líder, Osama Bin Laden.
Mas apesar de morar em Washington e ter até conhecido pessoas que perderam parentes no atentado, eu acho que o presidente americano George W. Bush tem uma grande responsabilidade pelo que ocorreu a partir de 12 de setembro e isso não é pouco.
Feito o balanço da obra de um contra a de outro, pode-se apontar muitas diferenças importantes. Mas é difícil dizer, claramente, quem causou maior prejuizo aos homens e mulheres de nosso tempo.
Se Bin Laden organizou um massacre criminoso de inocentes, Bush tomou diversas decisões erradas e injustificáveis. Agiu como aquela autoridade que aceita a provocação do inimigo — em vez de respondê-la com mais eficácia, com seus próprios meios,em nome de interesses e valores claramente definidos.
Não consigo apontar, depois do 11 de setembro, um único aspecto da vida da humanidade que tenha ficado melhor graças a intervenção do ex-presidente americano.
Bush tentou usar a chamada guerra permanente ao terrror como instrumento fácil de ganhar popularidade.
Admito que a reação de Bush ao atentado pode ter tido como origem a necessidade legítima de dar uma resposta a um atentado que matou milhares de cidadãos americanos, o que colocava obviamente a necessidade de elevar a segurança do país e de seus moradores. Mas Bush tomou iniciativas erradas, com o foco deslocado e com finalidades distorcidas, que se mostraram nocivas a longo prazo. Deu inícío a uma guerra que não poderia ser vencida no Afeganistão. Iniciou outra, no Iraque, com base numa mentira interesseira. Assumiu uma postura tolerante com a tortura de prisioneiros. O saldo é que a hostilidade aos EUA só aumentou ao longo do tempo. Os atentados sangrentos de Londres e Madri encarregaram-se de mostrar que a segurança também diminuiu.
Ao investir 4 trilhões de dolaresa numa aventura militar sem retorno possível, Bush abriu as portas para a grande crise de hoje, quando a potencia número 1 do planeta tornou-se um transatlântico à deriva e carrega boa parte do mundo desenvolvido consigo.
Bush mostrou-se incapaz de dar uma resposta política a qualquer problema sério dos países árabes e do Oriente Médio, causa original dos ataques. Sempre tentou respostas no plano militar e fracassou sempre.
Se a vida no Oriente Médio pode melhorar, daqui para a frente, deve-se a uma atuação corajosa da população árabe que, sem ajuda dos EUA nem da Al Qaeda, muitas vezes apenas hostilizada por ambos, colocou a questão da democracia no horizonte. Não sabemos ainda o que vai acontecer nesses lugares. Só sabemos que tanto Bush como Bin Laden estão perdendo.”
A vida de repórter me deu a chance de ver muita coisa de perto. Tristes e tensas, como enterro dos sem terra mortos em Eldorados dos Carajás ou a ação dos Tupac Amaru ao seqüestrar um monte de embaixadores ao mesmo tempo, no Peru; a queda de avião da TAM em 1996 e o enterro do Papa João Paulo II; a revolta violenta dos trabalhadores moçambicanos em Maputo, em 2010, ou encontrar uma sobrevivente do genocídio de Ruanda em frente a uma igreja que virou memorial, bem no meio do país.
Também vi fatos alegres e emocionantes, como a final da Copa de 98, a abertura da Copa de 2002 ou a final dos 100 metros rasos na Olimpíada da Grécia. E também instantes históricos, como a eleição (interminável) e posse de Bush nos EUA e a posse de Lula, a poucos metros dele, no Congresso Nacional; a visita de Lula a Obama na Casa Branca (o operário nordestino e o negro pela primeira vez no Salão Oval), e até a cerimônia com as virgens e o rei da Suazilândia.
Menos um desempregado no mundo: comecei hoje a colaborar com a Record Moçambique, que aqui assina como TV Miramar.
Numa só tacada, mato duas grandes vontades profissionais: ver de perto como é a TV aqui em Moçambique – e como se dá essa relação entre lusófonos e Brasil; e também trabalhar para a mais antiga emissora brasileira em atividade.
Fato que não vou, a princípio, fazer nada para a Record do Brasil. É uma consultoria no jornalismo local. Desafio interessante, porque muitos jornalistas que fazem TV hoje, em Moçambique, nasceram num tempo em que não havia TV no país. Ou, se tanto, havia uma única emissora – a TV do estado, numa época de partido único ou de guerra civil.
A ideia não é impôr o “estilo brasileiro” de fazer TV ou jornalismo. Mas sim colocar à disposição dos colegas daqui uma fórmula testada, que tem falhas detectadas (no formato menos; no conteúdo muito mais), mas que é bem diferente das referências portuguesas ou de jornal impresso que também acabaram marcando o mercado local. Vamos ver.
Record é uma marca histórica. Tantos foram os colegas mais velhos que muito me influenciaram na Bandeirantes e na Trianon que tinham passado por ela e pela Jovem Pan (que eram do mesmo grupo). Tantos outros colegas, mais novos, que começaram comigo na Bandeirantes ou Trianon que hoje estão na Record. Sem contar que Bandeirantes e Record, um dia, foram uma coisa só.
A TV Record nasceu em 27 de setembro de 1953. A primeira imagem a aparecer foi a de uma escada; por ela desceu a maior estrela da Rádio Record na época, Blota Junior, que apresentou a nova emissora: “Boa noite. Está no ar a TV Record, canal 7 de São Paulo.”
Anos depois, na sala da casa dele, junto com minha futura esposa Sandra e futura madrinha de casamento (a neta dele, Sonia, hoje repórter da BAND), ouvi Blota dizer que gostava do nome com o qual eu tinha assinado minha primeira reportagem, naquela mesma semana (uma greve de professores em São Paulo): “Curto, forte e sonoro”.
“Talvez pudesse usar algo mais jovem, como ‘Edu Castro Macedo”, disse ele. “Mas, não”. Sentenciou: “Eduardo Castro vai dar certo.”
Fora o saudoso Gerson de Abreu, falecido, do “X Tudo”, da TV Cultura, que me chamava de “Duda Castrão” na Rádio Trianon (e meu padrinho André Porto Alegre lembra e adora até hoje) – nunca mais ninguém me chamou no ar por outro nome.
Sábio Blota. Já pensou se tivesse vingado o “Edu”? Depois de ouvir, na TV Brasil, que tinha me “aboletado numa boquinha”, agora ia ter jênio (com “j” mesmo, pra enfatizar a genialidade) dizendo que só arrumei o novo emprego porque “sou” da família.
Inevitável, sobre Khadafi: em 2003, Lula foi recebido por ele na tenda montada dentro do complexo do Palácio (que foi bombardeado pelos americanos nos anos 80 e continua lá, sem ter sido mexido).
Nós, os jornalistas, chegamos correndo, porque uma multidão bloqueou o comboio. Tinha até cavalo no meio da pista…
Correndo chegamos, corremos entramos na tenda, cercada pelas famosas seguranças-mulheres. A tempo de ver (e fazer a imagem do) Lula cumprimentando Khadafi, a uns cinco metros de mim. Logo atrás vem o Fernando Rodrigues, da Folha, esbaforido, que bate o olho e manda, baixinho no meu ouvido:
“Ih, ó lá! O Khadafi é uma mistura de Reginaldo Rossi com Wanderlei Luxemburgo!”
Minhas pernas ficaram bambas e meu rosto vermelho, de segurar a gargalhada. Quase cai no colo do Luxa – ops, do coronel Khadafi.
Não foi a única do dia. Terminado o encontro, a comitiva partiu pro hotel Corinthia Bab Africa (todo verde e branco, como, no geral, é a Líbia). Eu, o câmera Ubaldino Motta e o produtor João Beltrão – hoje chefe da Record Brasília – disparamos pro local da geração, a TV estatal. Pegamos carona numa Kombi cujo motorista só falava árabe.
Naquele tempo, quase século passado, não existia geraçao pela internet. Tínhamos que ir onde ficava o famoso “local da geração”, que conectava o satélite com o Brasil, a mil dólares o minuto. Tínhamos dez. Atrasou, perdeu.
Como é mister em países altamente democráticos, fomos parados pelo polícia, para que fosse averiguado o inusitado fato de uma câmera de TV sair por aí, livre e solta. Lembro da cara do polícia, acendendo um cigarro dentro da viatura, com uma luzinha acesa, e nós no escuro.
Liguei para o Heitor, do Itamaraty:
“Ó, a polícia nos parou.”
“E o que ele disse?”
“Meu árabe, ainda que escorreito, não me permite asseverar”.
“Liga avisando”.
Depois do chá de cadeira de praxe (Motta tinha escondido a fita, por via das dúvidas), fomos liberados com a ordem expressa de voltar para o hotel (pelo menos foi isso que eu entendi, no meu árabe escorreito). Claro que mandamos o cara tocar pra TV. Mais confusão, mas chegamos, minutos antes do sinal abrir.
Tudo miraculosamente gerado, hora de voltar. O cara da TV queria nossos passaportes, que tinham ficado lá na tenda do Khadafi. Mais telefonemas, mistura de inglês, árabe e italiano… podemos ir. Mas tragam os passaportes amanhã, ok? Ok.
Quando chegamos ao hotel, era uma correria. Afinal, “jornalistas brasileiros haviam sido presos e possivelmente, agredidos” (era o que se dizia lá). Indignação na sala de imprensa, onde já se praparavam as matérias contra a sangrenta ditadura, exigindo a liberdaaade dos colegas…. que éramos eu, Motta e João.
“Bateram em vocês?”, me perguntou o então ministro Ciro Gomes. “Não, nada, só uma chateação lá.” Se não me falha a memória, até o chanceler Celso Amorim veio nos ver, sem contar Johnny Saad, nosso patrão, que fazia parte da comitiva do presidente.
Conheço coleguinha que passou pelo mesmo e quase publicou livro depois, descrevendo as agruras pelas quais- oh! – tinha passado…
Quando é, é. Foi o caso dos nossos Gilvan e Corban lá no Egito, há umas semanas. Mas quando não é, não é.
Abaixo, reportagem da Agência Brasil. Preparo outra, para entre hoje e amanhã, sobre como a coisa espalhou-se pela África. E seguirá se espalhando.
Maputo (Moçambique) – O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, falou hoje (21) por telefone com o presidente da Líbia, Muammar Khadafi. De acordo com o relato distribuído pela ONU, foi uma “ampla conversa”, na qual Moon manifestou “profunda profunda preocupação com o aumento crescente da violência” no país. Ainda de acordo com o texto, o secretário-geral solicitou o fim “imediato” dos atos violentos e apelou pelo respeito “às liberdades fundamentais e aos direitos humanos, incluindo os de associação pacífica e de informação.”
Ki-moon também convocou as autoridades a iniciar um diálogo amplo para responder às preocupações legítimas da população. Não há referência no comunicado às palavras de Khadafi, nem sobre onde ele estaria quando da conversa telefônica. Rumores de que o líder líbio teria deixado o país rumo a Venezuela circulam por vários veículos de comunicações desde o início do desta segunda-feira (21). O Ministério dos Negócios Estrangeiros da Líbia negou que Khadafi tenha deixado o país.
Na sede das Nações Unidas, em Nova York, diplomatas líbios anunciaram apoio aos protestos antigoverno e pediram interferência da ONU. De acordo com a rede de televisão árabe Al Jazeera, pilotos de dois caças Mirage líbios pousaram sem autorização na Ilha de Malta e pediram asilo, alegando terem se recusado a atirar sobre manifestantes em Benghazi, segunda maior cidade da Líbia e palco de grandes manifestações contra o governo.
Uma marcha em Trípoli teria sido alvo de tiros disparados de aviões militares. A sede do Parlamento estaria entre os prédios incendiados por opositores nos protestos, segundo a Voz da América. Tiros também foram ouvidos na segunda-feira à noite, de acordo com testemunhas. O Departamento de Estado dos Estados Unidos ordenaram a retirada do país de parentes dos diplomatas americanos e de todo o pessoal considerado “não essencial”.
Cortes na internet e nos serviços de telefonia dificultam a comunicação com a Líbia, bem como a verificação de informações de forma independente. Não há nenhuma confirmação sobre o número de mortos nos protestos, apenas relatos de entidades civis não governamentais que apontam para mais de 60 as vítimas fatais apenas nesta segunda-feira.
BRASÍLIA – Carlos Alberto Junior era o nosso correspondente na África, baseado em Luanda, Angola. Foi o primeiro brasileiro a fixar-se no continente por uam empresa de comunicação, em 2008. Desbravador em todos os sentidos, porque, além de efetivamente ser o pioneiro brasileiro por lá, sentou praça num país que mal saíra da guerra civil. Teoricamente rico, por causa do petróleo. Mas enfiado numa confusão em termos de estrutura, instituições, segurança, péssima distribuição de renda, economia precária… enfim, Junior foi um pioneiro mesmo.
Em novembro do ano passado, 2009, ele comunicou a TV Brasil que iria deixar o país no fim do contrato. Seguiria com a mulher, diplomata, para os Estados Unidos. Seria duro convencê-lo a ficar…
Diante das dificuldades enfrentadas pelo Junior, será que era bom manter o correspondente da EBC em Angola? Custos exorbitantes, problemas seríssimos com estrutura e mão de obra locais, corrupção… O trabalho foi bom – apesar de tudo – mas Angola já estava brilhando na TV Brasil por um ano e meio. Simbora, pois, para a próxima estação. Mas qual?
Poderia ser direto a África do Sul: mais estruturado economicamente , tem um governo sólido, liberdade de imprensa, facilidades de para voar a partir de Johanesburgo. Mas todo mundo está lá, por causa da Copa (chegaram depois do Junior na África, e voltam tão logo ela termine). Além disso, tem menos afinidade com o Brasil que outros países africanos. Entre os mais próximos, claro, estão os que falam português. Depois de Angola, onde estava o Junior, o primeiro lugar na lista era de Moçambique.
Moçamba, prazer em conhecê-lo melhor: independente em 1975, embrulhou-se na guerra civil, mas ela acabou em 1994. A guerrilha nunca chegou a Maputo, o que preservou bem a capital (Luanda, por exemplo, está crivada de balas até hoje). Politicamente estável, com o mesmo partido no governo desde a independência, mas eleito e reeleito em pleitos pouco contestados; existe oposição atuante e imprensa livre. A estrutura pra trabalhar é pequena mas crescente (internet é caríssima, coisa de U$ 1000 mensais por 8 mega – mas existe), a telefonia tá lá direitinha, cinegrafistas locais precisam de treino mas são dispostos a isso. E, principalmente, Moçambique cobra um preço que é alto pra tudo (como tudo na África), mas longe dos valores de Luanda (aluguel de casa de 2 quartos porU$ 9 mil, diária de cinegrafista a U$ 700…).
Tudo isso a 40 minutos de avião e 4 horas de carro de Johanesburgo, a 90 quilômetros da fronteira com a África do Sul. De frente pro Oceano Índico, falando português e idiomas locais, crescendo mais de 6% ao ano em 2009, investindo no turismo, cheio de empresas e interesses brasileiros. E cheio de interesse por nós.
Na minha rápida visita a Maputo fiquei impressionado com a manifesta vontade dos jovens moçambicanos de morar nesse maravilhoso país chamado “Malhação”, que chega a eles pela TV todos os dias.