
Mais sobre o assunto, agora publicado pela Agência Brasil.
A foto é da Agência também, feita por Marcello Casal, na África do Sul. Aliás, lembra das belas imagens da Copa do Mundo? Veja de novo clicando aqui.
06/11/2010
Países africanos se unem para enfrentar desafio de ampliar oferta de energia elétrica
Eduardo Castro
Correspondente da EBC para a África
Maputo (Moçambique) – Pela primeira vez, ministros de Estado, especialistas e investidores de toda África reuniram-se para discutir alternativas de geração e distribuição energia no continente. Foram cinco dias de encontros, palestras e reuniões em três eventos simultâneos: o All Africa Energy Week, o Fórum Africano de Investimento em Energia e o Encontro de Ministros de Energia da União Africana.
Na pauta dos ministros, políticas continentais como a operacionalização de um Fundo de Petróleo, além de discussões em torno de estudos referentes à produção de energia alternativa (especialmente a solar), entre outras iniciativas.
O participantes preparam a criação um mecanismo único de monitoramento e comunicação entre os países. Empresas tiveram espaço para fechar negócios e divulgar de experiências e estratégias para aumentar o acesso à luz elétrica em um ambiente de mudanças climáticas. Além do governo moçambicano, o evento teve o apoio do Banco Africano de Desenvolvimento, da Comissão Econômica Africana das Nações Unidas e da União Africana.
“Vamos chegar aos nossos objetivos de levar energia a muito mais gente na África”, afirmou o ministro de Energia de Moçambique, Salvador Namburete. “Ainda pode demorar, porque os recursos são escassos. Mas o comprometimento político dos governos, a clareza dos objetivos e a priorização de projeto melhor estruturados vão permitir a integração dos sistemas, que os países trabalhem em conjunto.”
Pelos levantamentos do fórum, o maior desafio para a infraestrutura da África é, de longe, a geração de energia. Apesar da abundância de potencial hídrico, vento, sol e recursos minerais, como petróleo e carvão, 30 dos 52 países do continente sofrem cortes regulares no fornecimento de luz elétrica. Atualmente, os 48 integrantes da África Subsaariana geram, juntos, menos eletricidade que a Espanha.
Atualmente, a Nigéria, maior produtor africano de petróleo, gasta U$ 13 bilhões só com aquisição de óleo diesel para gerar energia. U$ 10 bilhões R$ seriam suficientes para suprir a demanda do país. É que um terço dos equipamentos de geração e transmissão na Nigéria está inoperante por falta de manutenção adequada.
Muitos investimentos esperados pelo setor estão parados à espera de uma revisão das leis que regulam o setor energético. De acordo com o governo nigeriano, a Lei da Indústria do Petróleo deve ser votada até o fim do ano. As novas regras devem modificar a cobrança de impostos sobre empresas estrangeiras que exploram petróleo no país.
Estudos internacionais mostram que o potencial hídrico da República Democrática do Congo, se aproveitado integralmente, seria capaz de gerar o triplo da energia que o continente consome atualmente.
O impacto econômico da falta de fornecimento regular de energia também é grande. A estimativa do fórum é que, pelos menos, 5% das vendas das empresas do continente sejam perdidos pelo fornecimento irregular de luz elétrica. Somado ao imenso setor informal africano, o prejuízo sobe para 20%. Segundo o Banco Mundial, o impacto típico na economia como um todo de um país varia entre 1% e 4% do Produto Interno Bruto (PIB) anual.
Eletrificar toda a África custa muito. A construção de infraestrutura no continente é, em geral, duas vezes mais cara do que nos restante do mundo, por causa da pouca concorrência e por questões de escala. Técnicos do Banco Africano de Desenvolvimento estimam os países africanos precisariam investir cerca de que U$ 93 bilhões por ano no setor de energia, sendo um terço desse valor só para manutenção da infraestrutura existente. E a estimativa é que o déficit nas contas governamentais do setor seja de, pelo menos, U$ 31 bilhões por ano.
“Com recursos financeiros suficientes, poderíamos programar os investimentos corretamente”, explicou o ministro moçambicano Salvador Namburete. “Mas programas de expansão, com o da eletrificação rural, por exemplo, devem ser acompanhados da devida formação dos técnicos provedores do serviço. Tanto para garantir a qualidade da energia quanto para informar as comunidades sobre como fazer o uso racional e eficiente dela.”
No mundo todo, quase 1,5 bilhão de pessoas não têm acesso à energia elétrica, percentual que corresponde a cerca de 20% da população. Em 20 anos, toda a América Latina estará eletrificada. Em menos tempo, já em 2015, a falta de luz elétrica não deve mais ser problema na China. Mas na África, em parte da Ásia, em especial na Índia, 1,2 bilhão de pessoas continuarão dependendo do carvão, de velas e de geradores a diesel para se aquecer, preparar a comida ou fazer uma máquina funcionar.
Os dados são da Agência Internacional de Energia (AIE), divulgados durante as reuniões das Nações Unidas sobre o cumprimento das Metas do Milênio, em setembro passado. “O impossível acesso a serviços modernos de fornecimento de energia cria sérios obstáculos para o progresso econômico e social. A questão deve ser superada se quisermos avançar nas Metas do Milênio”, alertou a AIE.
06/11/2010
Investimentos em energia na África não garantem fornecimento estável e de qualidade
Eduardo Castro
Correspondente da EBC para a África
Maputo (Moçambique) – Falando na abertura do All Africa Energy Week, o primeiro-ministro de Moçambique, Aires Ali, afirmou que o fluxo de investimentos no setor não tem acompanhado o crescimento das necessidades de consumo da população e das empresas africanas nos últimos 25 anos. De acordo com Ali, a saída é investir na diversificação da matriz energética e no uso de tecnologias de baixo custo. A maior parte do fornecimento do país ainda vem da queima da madeira e do carvão. Na média, as empresas sofrem 17 cortes no fornecimento de luz todos os meses.
Segundo o Ministério da Energia, Moçambique necessita de quase U$ 1 bilhão por ano para investir no setor, dinheiro que não está disponível no momento. Entre 2005 e 2009 foi gasto só metade disso, cerca de U$ 500 milhões de dólares, na construção de novas linhas de transmissão e na montagem de infraestrutura de geração e distribuição.
Dois projetos de geração de grande escala, a Usina Hidrelétrica de Mphanda Nkuwa e as termelétricas a carvão de Benga e Moatize, e um de recuperação das centrais de Chicamba, Mavuzi e Corrumana, estão sendo executados conforme o previsto, apesar de alguns problemas na obtenção de crédito.
“Mesmo tendo sol, vento, rios, ainda não temos ainda fundos necessários para ter a África completamente eletrificada”, lamentou Miquelina Menezes, presidenta do Conselho de Administração do Fundo de Energia de Moçambique (Funae). “Há zonas onde a energia não vai chegar tão brevemente e os moradores não podem simplesmente esperar por ela”.
O Funae apoia financeiramente projetos de produção, distribuição e conservação de energias renováveis e na zona rural. “Estamos no começo, mas já temos muitos projetos e a certeza de que as energias renováveis tem um impacto muito grande”, afirmou. “A chegada da luz muda completamente a forma de viver dessas pessoas, principalmente nas vilas mais afastadas.”
Em Moçambique, somente 14% da população têm acesso à rede principal de distribuição. Cerca de 1,8 milhão de pessoas (pouco menos de 10% da população do país) beneficiam-se de energias renováveis, graças a iniciativas que usam energia solar, pequenas centrais hidrelétricas ou pequenos projetos de geração eólica voltados à irrigação. “Muitos ainda não têm luz em casa, mas já se beneficiam da chegada dela nos núcleos urbanos, nos centros de saúde, nas escolas e na iluminação pública”, explicou Menezes.
Outros projetos já começam a produzir luz a partir de sementes ou plantas. “Sou apologista do biodiesel”, afirmo ela, que não vê problema em usar terras agricultáveis para produzir energia, mesmo em uma região onde a fome ainda é um flagelo. “Aqui há uma regulamentação de quais os produtos que podem ser usados na produção de biocombustíveis. E há espaço suficiente”, assegurou. “Queremos usar o biodiesel para os geradores nos distritos, para justamente baratear o preço da energia usada na agricultura. Também poderemos ter a mistura do biodiesel com os combustíveis fósseis para minimizar os custos de importação e usar nas grandes frotas”, explicou a presidenta da Funae.
A dificuldade de levar luz para todos não está apenas apenas na geração e no transporte. Muitas famílias simplesmente não têm renda suficiente para pagar a ligação da residência com a rede principal e, muito menos, para manter a conta de luz em dia. É o caso de Arnaldo Mabilane, que vive com a mulher Gina e duas filhas gêmeas de 3 anos de idade no bairro de Mahotas, na periferia da capital moçambicana, Maputo.
Os vizinhos da família Mabilane já têm luz em casa, porque a rede principal chegou ao bairro. “Mas eu ainda não reúno condições para arranjar interruptor, eletricista… e pagar a conta”, lamentou ele, que trabalhava como segurança, mas está desempregado há três meses. Na casa de um único cômodo, divido por uma cortina em quarto e sala, a família tem como diversão um rádio, ligado a uma bateria de carro. O fogareiro é a lenha e a lamparina, a querosene. O óleo, inclusive, é vendido por Arnaldo na vizinhança, uma forma que ele arranjou para sustentar a família desde que perdeu o emprego. No teto, um lustre pende à espera dos fios que um dia, diz Arnaldo, virão. “Hoje está aí para embelezar apenas. Ligar é o próximo passo”.
Edição: Vinicius Doria
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