O Brasil quer a África. E a África quer o Brasil

A conversa com o sr. Raj (veja aqui) rendeu mais que uma xícara (ou chávena, como dizem os patrícios lusos) de chá.

Conforme publicado na Agência Brasil.

11/10/2010
Ilha de estabilidade na África, Maurício quer estreitar relações com o Brasil

Eduardo Castro
Correspondente da EBC para a África

Maputo (Moçambique) – Ilhas Maurício, considerado o país mais bem governado da África, quer estreitar os laços comerciais com a América Latina. E o local favorito para abrir a primeira embaixada no continente é o Brasil. “Somos uma história de sucesso no Continente Africano, e agora achamos que é possível buscar novos mercados”, disse o ministro de Negócios Estrangeiros, Integração Regional e Comércio Internacional, Arvin Boolell, em entrevista à Agência Brasil.

Segundo o ministro, o país busca espaço nos mercados emergentes. “Queremos ser uma plataforma para Índia e China. Estamos bem localizados e temos instituições consolidadas”. Pelo terceiro ano seguido, Ilhas Maurício apareceu em primeiro lugar no Índice de Governação da Fundação Mo Ibrahim, que mede a distribuição de bens e serviços públicos dos países africanos. O índice dá notas a indicadores tão variados quanto fornecimento de energia elétrica e água potável, gestão pública, acesso à educação, segurança jurídica e pessoal e respeito aos direitos humanos. A média africana foi de 49 pontos. Maurício obteve 82.

Além de Maurício, somente Líbia e Ilhas Seychelles têm Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) considerado alto em toda a África. “É algo que muito nos orgulha”, disse o ministro Boolell. “O resultado se deve ao respeito às leis e aos direitos humanos. Nossas instituições democráticas e políticas macroeconômicas são muito sólidas”.

O arquipélago foi descoberto pelos portugueses em 1505, colonizado por holandeses (que batizaram o lugar em homenagem ao príncipe Maurício de Nassau), controlado por franceses e, depois, por britânicos. A eles se misturaram indianos, africanos do continente e malgaxes (originários da Ilha de Madagascar). Hoje, 70% da população de 1,2 milhão de habitantes descendem de indianos e metade professa o hinduísmo. Cerca de 35% são cristãos e 15%, muçulmanos.

A independência da Inglaterra veio em 1968, mas o país tornou-se república somente em 1992. Desde então, as eleições são regulares, o governo é estável e os direitos humanos respeitados. A estabilidade atraiu grande volume de investimento estrangeiro, gerando a maior renda per capita da África (U$ 12,1 mil em 2008).

Primeira zona franca do Oceano Índico, o país saiu da base agrícola para a diversificação na indústria e nos serviços. Durante muitos anos, o crescimento anual não foi menor que 5%. São mais de 32 mil empresas offshore, a maioria voltada para o comércio com a Índia, África do Sul e China. Somente o setor bancário responde por mais de U$ 1 bilhão (R$ 1,66 bilhão) do produto do país. Mesmo assim, os percentuais de pobreza rondavam os 35% em 2008. Segundo o governo, a estimativa é fechar 2010 com menos de 30% e chegar a 2015 em 25%.

As ilhas também são um destino turístico conceituado na África. O arquipélago é famoso pelas praias de mar azul claro e areais brancas. “O turismo é um setor consolidado. E agora partimos para o chamado turismo médico, no qual os visitantes aproveitam para fazer uso de nosso parque clínico”, afirmou o ministro de Negócios Estrangeiros.

Com uma área agricultável naturalmente limitada, Maurício busca terras fora do próprio território para plantar. No ano passado, passou a administrar mais de 20 mil hectares em Moçambique para plantar arroz, em parceira com uma empresa de Cingapura. A ideia, explicou o ministro, é buscar “sinergia para produzir o que comemos e comer o que produzimos”. Híbridos de arroz também devem ser desenvolvidos para fazer negócios no mercado global.

O país já foi o terceiro maior produtor de açúcar do mundo. Mas, ainda hoje, mantem forte participação no setor. Mais de 90% das terras cultivadas nas ilhas são ocupadas pela cana-de-açúcar. “O Brasil veio estudar o uso de energias alternativas aqui, logo depois da Segunda Grande Guerra”, lembrou o ministro. “Agora, somos nós que devemos aprender mais com o Brasil, uma força nesse campo”, afirmando que a destinação da cana para produção de biodiesel também pode crescer. “Precisamos ver como podemos juntar forças para desenvolver esse potencial que há no Continente Africano”.

A abertura de uma embaixada no Brasil também ajudaria outro projeto das ilhas: fazer parte da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, a CPLP. Desde 2006, Ilhas Maurício já são observadores associados, como Guiné Equatorial e Senegal. “Estamos estudando como promover a língua portuguesa e encorajar o aprendizado da cultura lusófona.”

Com 70% da população de origem indiana, o inglês é um dos idiomas oficiais. Outro é o francês. A língua de comunicação habitual é o marisyen, uma língua crioula. Muitos dos imigrantes indianos e chineses ainda falam os idiomas de origem. Mas as novelas brasileiras fazem muito sucesso na televisão de Maurício. Todas traduzidas para o francês.

Edição: Vinicius Doria

Ilhas Maurício

Falei do país há alguns dias, quando da divulgação do Índice Mo Ibrahim, que o coloca em primeiro lugar na África (veja aqui).

Um país de imigrantes, miscigenado, sem confitos raciais, étnicos e religiosos, apesar da mistura toda e do território pequeno.

Nesta semana estive com o encarregado de negócios deles. Sentamos para um chá. Depois de falar de economia lá, aqui e no Brasil, biodiesel, eleições, etc, etc, o sr. Raj me conta que lá as novelas brasileiras também são o maior sucesso – apesar de traduzidas para o francês ou creole. Mas ele tinha uma dúvida:

“Por que, sr. Eduardo, num país tão grande e também de imigrantes, só tem branco nas novelas? Negros só aparecem em papel de empregado doméstico. Por que isso?”

Ao que eu respondi com uma pergunta: “Que delícia este chá de Ilhas Maurício não? Do que é feito mesmo?”

A África progride. Mas não em tudo.

Reportagem publicada na Agência Brasil.

Repare no começo: Ilhas Maurício (o feíssimo lugar na foto aí ao lado) lideram o índice. Em breve, se tudo der certo, você saberá muito mais sobre este país que – já adianto – é um voraz consumidor de novelas brasileiras, mesmo sem falar português.

Repare lá no meio: a África, economicamente, cresce quatro vezes mais rápido que a Europa. É claro que a base de comparação é baixa. Mas está crescendo.

Na versão que ainda ficará pronta para a TV, vou avançar na análise. E não será com economistas.

05/10/2010
Fundação divulga índice sobre distribuição de bens e serviços públicos em 53 países africanos

Eduardo Castro
Correspondente da EBC na África

Maputo – A África melhora na economia e no tratamento de saúde, mas ainda derrapa na defesa dos direitos políticos e na estabilidade legal. A conclusão está na versão 2010 do Índice da Fundação Mo Ibrahim, divulgado simultaneamente em Acra (Gana), no Cairo (Egito), em Dakar (Senegal), Joanesburgo (África do Sul) e Nairobi (Quênia).

As Ilhas Maurício, Ilhas Seychelles, Botsuana, Cabo Verde e a África do Sul são os países mais bem posicionados no ranking. O Chade, a República Democrática do Congo e a Somália estão nos últimos lugares. Angola, a Libéria e o Togo foram os que mais subiram com relação à medição do ano passado. A Eritreia e Madagascar, os que mais caíram.

Criado em 2007, o Índice de Governação da Fundação Mo Ibrahim mede a distribuição de bens e serviços públicos aos cidadãos dos 53 países africanos, levando em conta 88 indicadores, como a corrupção, o fornecimento de energia elétrica e água potável, a gestão pública, paridade de gênero, o acesso à educação, a segurança jurídica e pessoal e o respeito aos direitos humanos. Os indicadores recebem notas de 1 a 100. A média determina a posição dos 53 países no ranking do continente.

O índice médio do continente permanece em 49 pontos, como nos anos anteriores. O primeiro colocado, as Ilhas Maurício, tem 82. O último, a Somália, somou apenas 8.

“O quadro é misto”, diz o idealizador do índice, o empresário sudanês Mo Ibrahim, em um comunicado. “Enquanto muitos cidadãos estão mais saudáveis e com melhor nível de educação, com maior acesso a oportunidades econômicas do que cinco anos atrás, há muitos que se encontram menos seguros do ponto de vista físico e menos independentes politicamente.”

Segundo Ibrahim, a velocidade de mudança na África em termos econômicos é quatro vezes maior que na Europa. Um exemplo, lembra ele, é o crescimento exponencial no acesso à telefonia celular. Mas, acrescenta o empresário, muitos países ainda vivem guerras civis, “um problema que a África precisa deixar para trás”.

Os critérios são agrupados em quatro categorias (oportunidades econômicas sustentadas, desenvolvimento humano, segurança e Estado de Direito, participação e direitos humanos). Nas duas primeiras, houve melhora no índice geral, sem que fossem verificadas quedas significativas de nenhuma país: 41 nações registram melhorias econômicas, sendo dez significativamente. Mas nos dois últimos grupos, ligados aos direitos individuais e coletivos, viu-se um declínio de 35 países – cinco, de forma mais visível.

“As discrepâncias entre a governação política e a gestão econômica são insustentáveis a longo prazo”, afirma Salim Ahmed Salim, do conselho da fundação e ex-secretário-geral da Organização da Unidade Africana. “Se a África quer continuar a progredir, precisamos prestar atenção urgentemente aos direitos e à segurança do nosso povo”, afirmou no comunicado.

A Fundação Mo Ibrahim também costuma entregar anualmente um prêmio de reconhecimento a líderes africanos democraticamente eleitos. Em 2010 não houve vencedor, porque o júri considerou que ninguém fazia jus. O primeiro a receber a condecoração foi o ex-presidente de Moçambique Joaquim Chissano, em 2007.

Moçambique ficou na 20ª posição do índice este ano, com 53 pontos – acima da média continental (49), mas ligeiramente abaixo dos demais da Região Sul (57).

Patrono da instituição, Mo Ibrahim foi estudar engenharia elétrica no Reino Unido em 1974. Dez anos depois, era diretor técnico da empresa de celular BT Cell Net, mas sentia-se desmotivado.

Retornou ao Sudão, onde nasceu, e criou a própria empresa de telefonia na sala de jantar de sua casa. Fez fortuna vendendo serviços móveis na África, onde as grandes empresas relutavam em entrar, alegadamente por causa do mercado pouco atrativo e da corrupção. Ele defende que “conectar” o continente é uma grande arma contra corruptos. Hoje, Mo tem um patrimônio avaliado em US$ 2,5 bilhões.

Edição: Graça Adjuto