Moçambique X Malawi na TV Brasil

A história foi ao ar no Repórter Brasil. Você assiste à reportagem clicando aqui.

E clicando aqui você lê como o mesmo assunto foi retratado na Agência Brasil.

Moçambique X Malawi

Neste continente de muita fome, muitas riquezas e democracias muito jovens, os focos de tensão – ahá – também são muitos.

No caso aqui, não deve passar disso. Mas convém ficar atento.

Abaixo, reportagem da Agência Brasil

28/10/2010
Projeto de hidrovia é o mais novo foco de tensão entre os vizinhos Moçambique e Malaui

Eduardo Castro
Correspondente da EBC na África

Maputo (Moçambique) – Personagens de um relacionamento historicamente delicado no Continente Africano, Moçambique e Malaui voltaram a trocar acusações nos últimos dias. O motivo foi a interceptação de um barco carregado com fertilizantes, que era esperado para a inauguração do porto malauiano de Nsanje, no Rio Chire, no último sábado (23). O porto é considerado por Malaui como primeiro passo para criar um corredor fluvial até o Oceano Índico. O país não tem saída para o mar e as mercadorias precisam, necessariamente, passar pelo Rio Zambeze, em território moçambicano.

O barco foi parado no Rio Zambeze, na região de Marromeu. O adido militar do Malaui, que estava a bordo, foi detido por 24 horas. Segundo o governo de Moçambique, o barco não tinha autorização para seguir viagem, pois o trecho ainda não é considerado navegável. Há 50 anos não há transporte comercial por ali. “Compreendemos a impaciência do Malaui, mas não podemos saltar etapas”, afirmou o ministro dos Negócios Estrangeiros de Moçambique, Oldemiro Baloi. “Achamos que o projeto não deve ser forçado a avançar sem os devidos estudos de viabilidade”.

Moçambique alega que as obras no Rio Chire podem impactar negativamente a Bacia do Zambeze, razão da necessidade prévia de um detalhado estudo de impacto ambiental, que está em andamento. Balói definiu como “repudiável” o fato de o governo do Malaui inaugurar o porto antes do fim dessa avaliação.

O alto comissário (denominação dos países da Commonwelth para o cargo equivalente ao de embaixador) do Malaui em Moçambique, Martin Kansichi, considerou as palavras de Baloi uma “provocação”. “Existem documentos que comprovam que existe um acordo que prevê a realização de uma viagem experimental”, disse o diplomata. “O processo começou em janeiro e acredito que o Malaui foi suficientemente paciente, além de ter seguido todos os procedimentos e declarações necessárias”. Moçambique confirma ter recebido os pedidos, mas afirma não ter dado a autorização definitiva.

O projeto de navegabilidade dos rios Chire e Zambeze começou a ser discutido em 2005, a partir de sugestão do Malaui. Um estudo de viabilidade foi feito no ano seguinte, mas considerado inconclusivo pelas autoridades moçambicanas. Em 2007, foi criado um comitê técnico entre Malaui, Moçambique e Zâmbia (também beneficiada pelas obras), que abriu, um ano depois, edital internacional para elaboração do estudo, ganho pela única concorrente inscrita. Em outubro de 2009, Moçambique acusou a empresa de não cumprir o contrato, que acabou suspenso.

O episódio do barco de fertilizantes ocorre vinte dias depois de o Malaui ter lançado uma licitação internacional para construção de um oleoduto ligando o distrito de Nsanje ao Porto da Beira, em território moçambicano. De acordo com o ministro de Energia, Salvador Namburete, citado pelo jornal estatal Noticias, Moçambique estava “totalmente aberto” ao projeto, mas, até aquele momento, “não tinha recebido qualquer comunicação oficial sobre o assunto”.

Atualmente, todo petróleo comprado pelo Malaui entra no país de caminhão, a partir dos portos da Beira e de Nacala, em Moçambique, e de Dar-es-Salam, na Tanzânia. Com a via fluvial direta para o mar, o transporte ficará mais barato para Malaui, porque não vai precisar pagar taxas aos portos moçambicanos.

O Malaui, ex-colônia britânica, tem boa parte do território cercada por duas províncias moçambicanas: Tete e Niassa. Também faz fronteira com a Zâmbia e a Tanzânia. Foi o primeiro país a tornar-se independente no Commonwelth, em 1964. Conhecido pelo grande Lago Niassa, o nono maior do mundo, Malaui tem 80% da população vivendo em áreas rurais, sendo 53% abaixo da linha da pobreza, de acordo com dados de 2004.

No poder desde 2004, o presidente Bingu Wa Mutharika luta sem grande vitórias contra a oposição que controla o parlamento malauiano. A economia depende basicamente da exportação de tabaco e de ajudas internacionais. Sofre com falta de energia e água, altos índices de corrupção, pobre infraestrutura de telecomunicações e alto custo dos serviços. As relações entre os vizinhos são cordiais, mas tensas há muito tempo.

“Malaui sempre esteve do lado que Moçambique considera o lado errado das coisas”, analisa o professor Antonio Gaspar, do Instituto Superior de Relações Internacionais de Moçambique. “Não ajudou na guerra colonial com Portugal e, depois da independência, apoiou a Renamo (Resistência Nacional Moçambicana, grupo guerrilheiro da década de 1980 e hoje o maior partido de oposição ao governo de Armando Guebuza). Um mês antes de morrer [em 1986], o presidente moçambicano Samora Machel chegou a ameaçar instalar mísseis apontados para lá”.

Segundo o especialista, a tensão baixou depois do fim da guerra civil, há 16 anos. Gaspar aposta no “esfriamento” das relações bilaterais. “Esfriamento significa que o relacionamento fica, sim, afetado. Mas acredito que a maturidade diplomática dos dois lados vai trazer os pontos divergentes para a mesa, para negociar e ver onde está mal. Afinal, um precisa do outro”.

Edição: Vinicius Doria

Xenofobia preocupa. De novo.

Ataques a estrangeiros na África Austral marcaram o ano de 2008. O medo de vê-los de volta tem mobilizado Moçambique, África do Sul, Zimbábue, Malawi.

Fui ver isso tudo de perto nesta semana. Foram quase 4 dias pra colocar a história de pé, porque todo mundo sabe, todo mundo está preocpado, mas quase ninguém quer falar.

O resultado da ida à fronteira é uma reportagem já publicada na Agência Brasil e outra que irá ao ar na TV Brasil.


Passada a Copa, fantasma da xenofobia volta a atemorizar imigrantes

Eduardo Castro
Correspondente da EBC na África

Ressano Garcia (Moçambique) – O ódio a estrangeiros na África do Sul voltou a mobilizar as comunidades de imigrantes e a preocupar autoridades em Moçambique, no Zimbábue e na própria África do Sul.

Há dois anos, a xenofobia foi responsável por um episódio que traumatizou a região sul do Continente Africano. Em maio de 2008, 62 pessoas morreram e mais de 10 mil deixaram a África do Sul depois de uma onda de ataques nos arredores de Joanesburgo.

Estima-se que 25 mil estrangeiros perderam suas casas e foram obrigados a buscar refúgio em igrejas, centros comunitários e em instalações da Cruz Vermelha. Centros de acolhimento foram montados na África do Sul e nos países vizinhos. As pessoas chegavam com a roupa do corpo, sem dinheiro e muitas vezes feridas. Pela primeira vez desde o fim do apartheid (regime de segregação racial) em 1994, o Exército sul-africano foi às ruas para restabelecer a ordem.

Logo na primeira semana pós-Copa do Mundo, estrangeiros foram alvo de violência nas proximidades de Joanesburgo e da Cidade do Cabo. Para a polícia, foram casos isolados, tratados como agressões ou brigas comuns.

Segundo o líder comunitário moçambicano Matias Ezequiel, que vive no subúrbio de Pretória, os estrangeiros são perseguidos por aceitar empregos de baixa remuneração e trabalhos pesados em um país que não tem colocação sequer para os próprios cidadãos. A taxa de desemprego na África do Sul é uma das maiores do mundo: ficou em 25% no mês de maio.

O comentário na cidade, contou Ezequiel, era que, tão logo terminasse o Mundial, os estrangeiros seriam expulsos de novo. A maior presença da polícia nas ruas e os empregos temporários oferecidos em função da Copa do Mundo ajudaram a amenizar um pouco a tensão. Mas, desde que acabou a Copa, a recomendação que ele dá aos compatriotas é que voltem para Moçambique.

“A situação vai ficar muito caótica”, previu Ezequiel. “Nós já testemunhamos isso. As pessoas que vivem nessas regiões [com população predominantemente imigrante] são as primeiras vítimas.”

Em Maputo, capital moçambicana, o clima é de apreensão entre as famílias que têm parentes na África do Sul. Moçambique, com 22 milhões de habitantes, tem quase 3 milhões de cidadãos vivendo no país vizinho – a economia mais forte da região, apesar das altas taxas de desemprego.

O marido de Olga Machava trabalha nas minas de carvão sul-africanas há 20 anos. Enoque Machava passa quase todo o ano fora. Periodicamente, Olga cruza a fronteira para arrumar a casa do marido, fazer companhia a ele e também trazer roupas para revender em Moçambique. As quatro filhas e o filho pequeno do casal ficam em Maputo. Olga voltou preocupada da última visita.

“Ele diz: não sabemos onde estaremos, o que vai acontecer. Mesmo porque, desde que o Mundial acabou, muita gente está a voltar. Agora, quando alguém bate à porta ou toca o telefone, não sabemos se é o papai que está a chegar.”

Em Ressano Garcia, cidade que faz fronteira com a África do Sul, o abrigo para repatriados mantido por irmãs de caridade já foi alvo de reclamações de xenofobia. A casa recebe semanalmente um ônibus com moçambicanos expulsos da África do Sul por falta de documentos ou visto de permanência.

Na semana passada, porém, a voluntária Vânia Mondlane notou algo diferente: mais de 40 mulheres e cerca de 300 homens desembarcaram, dizendo que fugiam. “Isso não é normal”, afirma ela. “Nunca apareceram 40 senhoras ao mesmo tempo. Sempre vêm três, quatro, seis no máximo. De verdade, é xenofobia.”

No Zimbábue, o governo montou três grandes tendas na cidade fronteiriça de Beitbridge para acolher quem volta da África do Sul. As agências das Nações Unidas doaram 10 mil cobertores, galões de água e sabonetes. O diretor da Defesa Civil, Madzudzo Pawadyira, informou à imprensa local que já foi criado um comitê específico no governo para acompanhar o tema.

Em Moçambique, o assunto é tratado com reserva. “Ainda não houve ações significativas de xenofobia. O que existe é uma forte ameaça”, afirmou Oldemiro Baloi, ministro dos Negócios Estrangeiros. “Sem querer criar alarme, podemos dizer que estamos em estado de alerta”.