Suazilândia também?

Nossa ignorância sobre a África é tanta que, há relativamente pouco tempo, eu imaginava que o continente era repleto de monarcas, vestidos de pele de animais e com coroas de dentes e ossos.

Não é. Sabe quantas monarquias tem a África? Só duas, em 53 países. Marrocos, de regime constitucional, e a Suazilândia – a única com rei que se veste de peles de animais e coroa de dentes e ossos.

(Parêntesis: há também as chamadas “monarquias subnacionais”. Ashanti (Gana), Ankole, Toro, Buganda, Bunyoro e Busoga (Uganda) são exemplos. Na África do Sul, seis das 13 monarquias tradicionais foram extintas no ano passado, por “falta de legitimidade histórica”. Foram criadas pelo antigo apartheid, para controlar determinadas regiões mais facilmente. Os reis xhosa, Zwelonke Sigcawu, e zulu, Goodwill Zwelithini, conservaram os títulos. Fecha parêntesis.)

A Europa, por exemplo, tem muito mais gente ungida por Deus para ter seus gastos pagos pela plebe, em nome da “tradição e estabilidade”. Aliás, em uma dessas famílias está marcado um espetáculo quase disneylândico para o mês que vem: o príncipe britânico vai casar!

Enfim, voltando às peles e dentes: a Suazilândia, única monarquia absolutista da África, vai passar por protestos que pedem a deposição do rei. A oposição marcou o ato para o dia 14 de abril.

O Rei Mswati III tem 43 anos. Nasceu quatro horas antes da Suazilândia tornar-se independente da Grã-Bretanha. Assumiu o trono aos 18 anos, depois do pai morrer de pneumonia.

É famoso pelo número de mulheres (atualmente 14 – serão 15 depois da próxima cerimônia de “escolha da virgem”). Cada uma – como sói acontecer – é tratada como “uma rainha”.

Em 2005, o rei comprou um BMW série 5 para cada uma de suas (então) dez esposas. E gastou 14 milhões de euros (R$ 32 milhões) para construir novos palácios para elas. O país já era – e ainda é – o proporcionalmente mais afetado no mundo pela AIDS. Para o tratamento – a vá? – falta dinheiro.

A área é pequena (17 mil km2 – pouco mais que a metade de Sergipe, o menor estado brasileiro em extensão), a população também (1,2 milhão de pessoas).

Graças à crise, o rei foi obrigado a reduzir os gastos: cortou no salário dos funcionários públicos.

Ele também é conhecido pela pouca paciência com esse troço de reclamar dele: prendeu 50 opositores no ano passado.

Falando em manifestação, amanhã tem uma em Angola – convocada pelo governo. Uma “marcha patriótica” para “reforçar a democracia e a paz”.

O partido do presidente José Eduardo dos Santos, o MPLA, espera “mais de um milhão de pessoas. Os partidos de oposição e as igrejas também foram convidados.

Outra marcha, convocada pela internet, está marcada para segunda-feira. (Falei dela aqui – clique para ler).

O maior partido oposicionista, a UNITA, não vai a nunhuma delas. Para o partido, a manifestação anti-governo “não tem credibilidade”. Seria “mais um artifício para proteger o regime”. O líder Isaías Samakuva chegou a dizer que “essa manifestação não existe, nem nos parece que seja coisa séria, nem acredito que se vá realizar.”

Partidos menores aderiram à marcha. ONGs também.

Hemos de ver no que vai dar, pá.

Angola também?

23/02/2011
Clima de revolta social no Norte da África pode chegar ao centro da região

Eduardo Castro
Correspondente da EBC na África

Maputo (Moçambique) – O clima de revolta social no Norte da África pode começar a ser sentido no centro do continente, caso a convocação de um grupo angolano dê resultado. “Sem falta, a manifestação antigovernamental em Angola vai começar à 0h do dia 7 de março de 2011, de Cabinda a Cunene”, diz texto divulgado em uma página da internet.

A convocação é assinada por alguém identificado como “Agostinho Jonas Roberto dos Santos” – uma clara referência a figuras históricas do movimento de independência do país (Agostinho Neto, Jonas Savimbi, Holden Roberto e Wilson dos Santos).

Por e-mail, o autointitulado líder do Movimento Revolucionário do Povo Lutador de Angola (MRPLA) disse à Agência Brasil que infelizmente, por segurança, não pode revelar quem faz parte do grupo. “Mas, estamos na fase final de mobilização do nosso povo para o grande dia”.

Segundo “Agostinho Jonas”, a manifestação não está ligada a nenhum partido politico angolano. “Isso foi uma iniciativa de um jovem. E, como vês, está num bom caminho, porque Angola toda já recebeu a nossa mensagem e temos o apoio de muitos angolanos na diáspora (na França e no Canadá)”, assegurou.

O site convoca a população para uma marcha a partir do Largo da Independência, em Luanda, exigindo a saída do Zé Dú (o presidente angolano José Eduardo dos Santos) e seus ministros. De acordo com a mensagem, “os angolanos estão cansados da pobreza extrema, da cultura de medo e intimidação, da miséria, da autocracia e outros males (…)”.

As reclamações são focadas na figura do presidente (há quase 32 anos no poder), na mudança constitucional que acabou com as eleições diretas para o cargo e o “controle dos recursos” do país, segundo maior produtor de petróleo da África.

A página foi criada em 4 de fevereiro, “tendo como fonte de inspiração as manifestaçõeses no mundo árabe”, segundo o próprio autor. De acordo com ele, até agora o governo não o procurou, apesar do espaço que o assunto tem ganhado em discussões na internet e até em alguns veículos angolanos.

“Estamos muito cautelosos na campanha de mobilização nos nossos bairros e em toda Angola”, afirmou o líder. “Estou a ser diariamente alertado que o MPLA (partido do governo) está à minha procura”.

O secretário de Informação do MPLA, Rui Falcão Pinto de Andrade, não acredita que situação semelhante à dos países do Norte da África se repita em Angola. Citado pela Voz da América (serviço oficial de radiodifusão do governo dos Estados Unidos), Andrade disse acreditar que “José Eduardo dos Santos é um fator de estabilidade para o partido no poder”.

Em entrevista à Rádio Nacional de Angola, o secretário-geral do MPLA, Dino Matross, afirmou que o governo trabalha para a estabilidade do país e alertou que “o poder não pode estar nas ruas”. Para ele, o que for considerado abusivo não será tolerado.

“Nós temos uma nova Constituição, temos leis, e é com base na nova Constituição e nas leis que vamos agir”, disse. “Sabemos o que aconteceu (na guerra civil), perdemos vidas, a infraestrutura foi destruída, quase não havia empregos para as pessoas”.

“Agostinho Jonas” disse que espera pela ação da polícia, caso o protesto convocado por ele para o dia 7 de março realmente ocorra. “Mas estamos a apelar à nossa Polícia Nacional e às Forças Armadas angolanas que juntem-se ao povo, como foi no Egito” acrescentou, na entrevista por e-mail. “Eles não têm nada a perder porque estão na mesma miséria, pobreza e sob um regime que nem se interessa pelas necessidades deles. São benvindos à nossa manifestação”.

A página já provocou várias discussões em outros blogs, onde “Agostinho Jonas” e seu movimento são chamados, entre outros adjetivos, de “aberração”, “logro”, “estranho” (por ter criado um movimento com sigla tão parecida com a do partido do governo), “pouco inteligente” (por ter feito uma convocação pública com muita antecedência). Ele também foi definido como “corajoso” e recebeu palavras de apoio.

“Nós apenas daremos fim a essa manifestação quando [José Eduardo dos] Santos, seus ministros e companheiros renunciarem ao poder e saírem de Angola”, afirmou.

A Embaixada de Angola em Brasília está sem adido de imprensa e não confirmou nem desmentiu as informações sobre uma eventual mobilização no país.