Moçambique e a TV digital

É definitivo. Mas pode mudar.

Entendeu? Pois é.

Reportagem da Agência Brasil.

18/01/2011
Moçambique decide adotar padrão europeu de TV digital

Eduardo Castro
Correspondente da EBC na África

Maputo – Moçambique vai seguir a recomendação da Comunidade de Países da África Austral (Sadc) e adotar o padrão europeu de televisão digital (Digital Vídeo Broadcasting – DVB-T2).

“A medida foi tomada em reunião do Conselho de Ministros – ou seja, é uma decisão de governo”, disse o diretor-geral do Instituto Nacional das Comunicações de Moçambique (INCM), Américo Muchanga. Ele espera que a instalação da infraestrutura comece ainda este ano.

Em novembro, a Sadc aprovou recomendação para que seus 14 integrantes (África do Sul, Angola, Botsuana, Congo, Lesoto, Madagascar, Malawi, Ilhas Maurício, Moçambique, Namíbia, Suazilândia, Tanzânia, Zâmbia e Zimbábue) adotassem o sistema europeu. Mas, como a medida não é obrigatória, o Brasil e o Japão mantêm a esperança de conquistar alguns usuários para o seu sistema ISDB-T (Integrated Services Digital Broadcasting Terrestrial). Propuseram, inclusive, a realização de testes em países como Angola, Botsuana e Moçambique.

Mesmo se tratando de decisão de governo, Muchanga não desencoraja os testes com o padrão nipo-brasileiro, porque uma comissão do Ministério de Transportes e Comunicações ainda vai determinar como será a migração para o sistema digital. “As decisões de governo são dinâmicas e ainda não há nada instalado”, diz Muchanga. “A comissão de migração ainda vai se debruçar sobre todo o processo.”

O grupo vai desenhar a estratégia da migração do atual sistema analógico para o digital, que deverá estar completa em 2015. Deve ser criado pelo menos um órgão estatal para gerir o processo. Também será determinado se o país vai adotar o operador único de rede.“É melhor termos um único operador, para sinais públicos e privados, por questões econômicas”, diz o diretor-geral. “Mas isso ainda será objeto de análise”.

A Tanzânia e a África do Sul estão mais adiantados na digitalização da transmissão de rádio e televisão na África Austral. No continente como um todo, as Ilhas Maurício já completaram 90% do processo.

O diretor-geral do INCM não quis adiantar qual será o investimento necessário em Moçambique. Ele disse que a decisão pelo sistema europeu “não está baseada em nenhuma promessa.” Alguns países que já haviam optado pela padrão europeu, como a Colômbia, reabriram as negociações depois que a União Europeia não cumpriu promessas de financiamento.

Moçambique tem quatro emissoras de TV abertas, que atingem praticamente todo o território nacional – a TVM (pública), STV, Miramar (ligada à brasileira Record) e a TIM – além de canais locais e da emissora pública portuguesa, a RTP.

Segundo o censo de 2007, somente 467.536 lares do país tinham aparelho de TV. O diretor-geral do INCM estima que Moçambique esteja hoje com um número bem maior de televisores, por causa do crescimento econômico e da melhora na distribuição de energia nos últimos anos.

Edição: Graça Adjuto

TV digital na África

22/11/2010
Países do Sul da África discutem padrão de TV Digital

Eduardo Castro
Correspondente da EBC na África

Maputo – Começou hoje (22) em Lusaka, Zâmbia, a reunião dos ministros de Comunicações de 14 países africanos para decidir o padrão de TV digital. As nações reúnem uma população somada de quase 250 milhões de pessoas.

O padrão nipo-brasileiro Integrated Services Digital Broadcasting Terrestrial – ISDB-T disputa com o europeu DVB a possibilidade de equipar os televisores da região da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral formada pela África do Sul, por Angola, Botsuana, pelo Congo, Lesoto, por Madagascar, pelo Malawi, pelas Ilhas Maurício, por Moçambique, pela Namíbia, Suazilândia, Tanzânia, por Zâmbia e pelo Zimbábue. Uma terceira possibilidade é deixar a decisão nas mãos de cada país individualmente.

“A maioria está indecisa. Nosso sistema é melhor, comprovado por teste, mas a pressão comercial da Europa é muito grande”, disse André Barbosa Filho, assessor especial da Casa Civil da Presidência da República, que faz parte da delegação brasileira que acompanha o encontro.

As discussões de hoje e amanhã são técnicas. Os especialistas brasileiros, japoneses e europeus já começaram a tirar as últimas dúvidas dos africanos antes da reunião ministerial, decisiva, que será na quarta-feira (24).

Os países do Sul da África ensaiaram tomar uma posição sobre o tema em maio, mas preferiram analisar os dados levantados por uma força-tarefa técnica que trabalhou por dois meses antes de anunciar o padrão vencedor. O sistema nipo-brasileiro tem como principais apoiadores os dois países lusófonos do grupo (Moçambique e Angola) e Botsuana.

Além de Brasil e Japão, mais seis países adotaram o sistema ISDB-T: Argentina, Chile, Peru, Venezuela, Costa Rica e Equador. Na semana passada, a Colômbia admitiu repensar a decisão favorável ao DVB depois que a União Europeia não repassou U$ 40 milhões (aproximadamente R$ 68 milhões) prometidos há mais de um ano. Até o começo do mês que vem também é esperada uma decisão do Uruguai.

Segundo Barbosa, a promessa de financiamento é crucial na tomada de decisão.“Eles (os europeus) vão realmente conseguir cumprir? A crise lá está muito forte, e na América Latina já não conseguiram”.

A delegação brasileira na Zâmbia é liderada pelo embaixador João Inácio Oswald Padilha, representante do Brasil entre os países da região. Também estão no grupo o assessor da Secretaria de Telecomunicações do Ministério das Comunicações Flávio Lenz César, o gerente técnico do Laboratório de Desenvolvimento de Hardware do Instituto Nacional de Telecomunicações, Luciano Leonel Mendes e o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Zalkind Lincoln Dantas Rocha.

Ele pediu… tô fazendo.

Coletiva da SADC. Silêncio na pomposa sala onde se reúnem os ministros.

Pomposa mesmo: mesas altas, enfeitadas com arranjos de flores que não se vê nem nos melhores enterros. Sem contar aquelas plaquinhas com os nomes dos países e as respectivas bandeirinhas.

Na mesa, o ministro de negócios estrangeiros e o secretário geral da SADC. Tema seriíssimo: segurança no sul da África.

Os repórteres aqui são formalíssimos (tá cheio de “íssimo” esse texto!) com as fontes. Lembremos que Moçambique ficou independente só há 35 anos e saiu da guerra civil há 16. Sem contar que os africanos são muito formais sempre. E que há certa adoração reverencial pelos líderes políticos. No telejornal do Congo, por exemplo, só chamam o Excelentíssimo Senhor Presidente da República Professor Fulano de Excelentíssimo Senhor Presidente da República Professor Fulano. Fulano de Tal.

Todas as vezes. Todos os dias.

Pois bem, vai começar a coletiva. Silêncio na sala, como – psssssiiiiiiu – já disse.

Pois vira o secretário – por acaso também moçambicano, Thomaz Salomão (você já viu entrevista dele aqui – se não viu, clique aqui e veja) – e diz lá, apontando pra mim: “Fazfavor!”

Silêncio na sala.

Ele repete: “Fazfavor! O senhor brasileiro!”

“Eu?”

“É, sim, o senhor. Olhe, diga lá ao Dunga que não se pode não levar Ronaldinho ao Campeonato do Mundo, pá!”

E quebro o silêncio: “Podeixá, Excelência. Digo pra ele…”

E começa a coletiva. Com a formalidade (“ilíssima”) de sempre.

Desce o pano.

Viu, Dunga?

Recado dado, conforme o prometido ao sr. Thomaz Salomão.

Saída pra África? A usada pelo Brasil, diz especialista

Tomaz Salomão é doutor em economia pela John Hopkins University. Foi ministro dos transportes, educação e finanças de Moçambique. É secretário-executivo da SADC. E sugere aos países africanos não darem assim tanta atenção às regras impostas pelo países ricos.

O economista Tomaz Salomão com Lula em Gaborone, Botsuana

Ele deu entrevista pra TV Brasil. Veja aqui.

Salomão conversou comigo na sala VIP do aeroporto de Maputo, antes de embarcar de volta para Botsuana, onde ele vive há 4 anos. A entrevista rendeu duas matérias para a Agência Brasil, que eu já publiquei aqui no ElefanteNews.

Não lembra como foi? Clique aqui, então.

A Copa e os vizinhos

Reportagem da Agência Brasil. Publicada assim, na sexta-feira. Abaixo, o texto :

28/05/2010
Copa do Mundo movimenta países vizinhos da África do Sul

Eduardo Castro
Correspondente da EBC para a África

Maputo – A Copa do Mundo será na África do Sul, mas o evento movimenta praticamente todos os países da África Austral. Várias iniciativas foram tomadas nos últimos meses pelos governos dos membros da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral por causa do Mundial de Futebol.

A SADC (sigla em inglês para Southern Africa Development Coordination Conference) inclui, além do país-sede da Copa (África do Sul), Angola, Botsuana, República Democrática do Congo, Lesoto, Madagascar, Malawi, Maurício, Moçambique, Namíbia, Suazilândia, Tanzânia, Zâmbia e Zimbábue.

Nesta semana, chefes de polícia de 13 dos 14 países da SADC (Madagascar não participou) criaram uma força-tarefa para atuar durante a Copa. O foco é fortalecer a fiscalização das fronteiras e reforçar o corpo da guarda sul-africana com policiais dos demais países. As grandes preocupações são o deslocamento de bandidos, atraídos pelos turistas que devem vir para o Mundial, e o tráfico de pessoas.

No início do mês, o governo de Moçambique lançou a campanha Bassopa Moçambique (Cuidado, Moçambique em changana, a língua nativa mais falada no sul do país). O objetivo é alertar as famílias para a possibilidade de tráfico de seres humanos, especialmente de mulheres e crianças. E evitar o aliciamento delas pelas redes de prostituição e para trabalho barato ou ilegal na África do Sul.

Mas a Copa no país vizinho não traz só preocupações para esse grupo. Hoje (28) terminou o curso de capacitação para taxistas na capital moçambicana, Maputo. Eles aprenderam noções básicas de inglês e de como tratar os turista que, esperam eles, virão da África do Sul.

Maputo fica a cerca de 550 quilômetros de Joanesburgo por boa estrada. O trajeto é vencido em cerca de 6 horas, contado o trâmite para cruzar a fronteira. Três companhias aéreas fazem o trajeto Joanesburgo-Maputo, de 45 minutos, que custa cerca de R$ 500 o trecho.

O Instituto Nacional de Turismo de Moçambique apostou na Copa como chamariz. Aglutinou operadores locais e sul-africanos para conseguir preços melhores de hotéis, traslados e serviços. Os pacotes incluem a oferta de visitas a Maputo, aos parques de safári próximos (alguns a menos de 100 quilômetros) e as belíssimas praias de Vilanculo, no centro do país, e de Pemba, ao norte. Mas um novo terminal do aeroporto de Maputo, ainda em construção, não ficará pronto a tempo.

Até a estatal de energia elétrica moçambicana lucrou com a Copa na África do Sul. A Electricidade de Moçambique (EDM) vai alocar uma quota adicional de 50 megawatts ao vizinho entre 11 de junho e 11 de junho. Na última reunião da Souther African Power Pull – grupo que congrega as empresas de eletricidade da SADC – foi anunciado que todas se comprometeram a usar suas rede de produção, transporte de energia e competência técnica para apoiar a África do Sul, caso seja necessário.

Edição: Nádia Franco

É hora de acordar, África!

Fiz essa entrevista com Tomaz Salomão na sala VIP do aeroporto de Maputo, pouco antes dele voltar para Botswana, onde mora há 4 anos. Rendeu duas matérias na Agência Brasil (reproduzidas abaixo) e uma reportagem para a TV Brasil, que ainda será exibida (e quando for, vem pra cá também). (PS: já veio. Tá aqui, ó)

24/05/2010
África tem que acordar e dar menos atenção a organismos internacionais, defende especialista

Eduardo Castro
Correspondente da EBC para a África

Maputo (Moçambique) – É hora de a África acordar e deixar de ouvir com tanta atenção as receitas dos organismos econômicos internacionais. A opinião é de Tomaz Salomão, secretário executivo da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC, sigla em inglês para Southern Africa Development Coordination Conference), que engloba a África do Sul, Angola, Botsuana, a República Democrática do Congo, o Lesoto, Madagascar, o Malawi, Maurício, Moçambique, a Namíbia, Suazilândia, a Tanzânia, Zâmbia e o Zimbábue.

Para Salomão, a África não deve sujeitar-se a modelos criados por intelectuais que “não sabem que a África é um continente com mais de 50 países com realidades socioculturais diversas”. Para ele a crise internacional surgida nos Estados Unidos em 2008 ajudou a provar que o formato de ajustamento estrutural imposto pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial e por outros organismos não responde aos desafios dos países em desenvolvimento. Para ele, as política adotadas pela China, Índia e pelo Brasil servem de exemplo na atual crise.

Moçambicano, Salomão foi ministro das Finanças, Transportes e Comunicações de seu país. É doutor em economia pela Universidade John Hopkins, de Maryland, nos Estados Unidos. Leia a seguir os principais trechos da entrevista exclusiva à Agência Brasil.

Agência Brasil: Como é a crise econômica afetou e ainda afeta a África?
Tomaz Salomão: Em 2009, os mercados começaram a colapsar, nossos produtos perderam acesso e nossas exportações caíram drasticamente. As receitas fiscais também caíram e os governos se viram na obrigação de adotar planos de contingência para fazer face a isso, pelo menos não adiando aquilo que são as despesas urgentes e prioritárias, então começamos a sentir isso na pele. Obviamente que países com economias dependentes, sobretudo [os setores] de minerais, turismo e manufatureira, em particular a indústria têxtil, ressentiram-se. E julgo que até hoje, e nos próximos tempos, vamos continuar a sentir esses efeitos, que ainda não passaram. Basta ver o que acontece na Europa.

ABr: A Grécia precisou pegar dinheiro emprestado, a Espanha fez um corte drástico no orçamento, Portugal teve que aumentar impostos. Algo do gênero aconteceu na África?
Salomão: Os países estão tomando medidas extraordinárias. Botsuana teve que aumentar impostos, por exemplo. Não há qualquer tipo de dúvida de que as reformas que alguns países fizeram criaram alguma robustez para fazer face ao problema. O fato de alguns terem tido a capacidade de criar alguma reserva também ajudou-nos a aguentar isso, mas por quanto tempo? É a questão. É preciso olhar para as causas do problema. Nós estamos lidando com um modelo econômico que mostra claramente que não resolve os problemas de África, não resolveu no passado. Fizemos programas de ajustamento estrutural penosos do ponto de vista social para as nossas economias, sob o pretexto de que iriam criar condições para um desenvolvimento mais rápido. Tal coisa não aconteceu. E, pelo contrário, estamos agora a pagando um preço por problemas cuja origem é estranha e desconhecida. Somos economias mais frágeis, mais débeis e os mais afetados. Estamos pagando um preço elevadíssimo por isso.

ABr: Qual foi essa “receita que não deu certo”?
Salomão: Eu estou falando do modelo de ajustamento estrutural que está sendo aplicado na África, o apoio aos programas de ajustamento decorrentes das negociações feitas no quadro do Artigo 4 do Fundo Monetário Internacional e todos os entendimentos subsequentes. As pessoas vão sempre dizer ‘olha, vamos fazer ajustamentos aqui, ajustamentos acolá, vamos emendar aqui, emendar acolá’, mas, no essencial, tudo fica na mesma [condição]. Eu penso que está chegada a hora de os africanos despertarem. E não temos outra opção. O continente é rico em recursos e estamos a criar – e devemos criar – adicional capacidade humana para fazer face aos nossos desafios, em particular aos aspectos que se prendem com tecnologias de informação, investigação e empreendedorismo.

ABr: “Acordar” significa romper exatamente com o quê?
Salomão: Romper com o estigma e com o pensamento de dependência de ajuda. E passar para um modelo em que mobilizemos recursos para transformar nossa agricultura de subsistência em agricultura comercial, que nos transforme de “pedintes” ou importadores de produtos alimentares em grandes exportadores. Um modelo que nos ajude a mobilizar os recursos disponíveis para a modernização das nossas economias, em particular nos aspectos relacionados com a infraestrutura, porque vão gerar recursos que nos vão permitir pagar.

ABr: E como é que se sai dessa condição, que o senhor mesmo chamou de “pedinte”?
Salomão: É chegada a hora de os intelectuais, economistas, empresários e políticos deixarem as diferenças à parte, assentarem um modelo de boa governança, criar consensos onde é possível e dizer ‘este é o caminho que vamos seguir’. Seguir bons exemplos.

ABr: Quais?
Salomão: Temos a referência do Brasil, da Índia. Há países africanos que se encontram onde a China se encontrava há 20, 25 anos, e hoje todo mundo fala da China como um modelo. Então não devemos temer partir para esse desafio. Devemos preparar-nos com o necessário arcabouço técnico e científico, criando consensos onde for necessário. E eu estou seguro de que vamos mudar isso, e, seguramente, vamos ter amigos e países que apoiem esae novo pensamento, essa nova maneira de estar do continente.

ABr: Quando o senhor fala de amigos, está pensando no Brasil?
Salomão: O presidente Lula é um dos grandes apoiantes desse novo pensamento, que os africanos pretendem pôr em cima da mesa. E seguramente haverá o mesmo nos Estados Unidos, na Europa, na Grã-Bretanha… Pessoas que simpatizarão com esse novo posicionamento e o apoiarão. Cabe a nós ousar partir para esse desafio.

ABr: Como vai o relacionamento Brasil-África e como ele está comparado com outros momentos?
Salomão: Eu penso que está bem melhor. Nós podemos olhar para o Brasil como um parceiro que tem consciência dos desafios que a África enfrenta e está preparado a apoiar os países africanos para eles saírem, em longo prazo, da situação em que se encontram. Não há qualquer tipo de dúvida de que lidamos com um Brasil completamente diferente, que percebeu que uma das suas responsabilidades é apoiar a África a sair da situação em que se encontra. O Brasil, a África, Índia e China são fundamentais, porque todos nós sabemos o que é subdesenvolvimento. Mas alguns, como o Brasil, souberam adotar as políticas e estratégias corretas para sair da situação em que se encontravam.

ABr: O Brasil vai passar por eleições presidenciais este ano e o presidente Lula deixará o cargo. Isso pode afetar as relações Brasil-África?
Salomão: Acredito que é algo que os brasileiros devem assumir como uma responsabilidade. É uma conquista que os brasileiros fizeram. Cabe a eles consolidar, saberem que não há outra opção senão olhar para África como um parceiro, como um amigo com quem se pode estabelecer uma relação econômica para novas bases.

Edição: Juliana Andrade

24/05/2010
Países da África Subsaariana ainda sentem reflexos da crise financeira de 2008

Eduardo Castro
Correspondente da EBC para a África

Maputo (Moçambique) – A crise econômica internacional agravou a já difícil situação da economia dos países da África, abalada em 2007 e 2008 pela subida dos preços dos produtos alimentícios e pela crise energética. Além disso, a África depende fortemente de ajuda e doações internacionais.

Os efeitos foram particularmente fortes nos países da chamada África Subsaariana que formam a Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral, a SADC (sigla em inglês para Southern Africa Development Coordination Conference), que inclui a maior economia do continente – a África do Sul –, além de diversos países (Angola, Botsuana, República Democrática do Congo, Lesoto, Madagascar, Malawi, Maurício, Moçambique, Namíbia, Suazilândia, Tanzânia, Zâmbia e Zimbábue).

Os países do grupo têm uma população somada de cerca de 210 milhões de pessoas. Mais da metade dela não tem acesso a água potável e infraestruturas sanitárias. O Produto Interno Bruto (PIB) do bloco é de aproximadamente US$ 700 bilhões. Significativo para a região, especialmente levando-se em conta as economias dos países vizinhos. Mas equivale à metade do PIB do estado norte-americano da Califórnia. E é exatamente o valor que foi destinado, em 2008, pelo então presidente George W. Bush para salvar as instituições financeiras dos Estados Unidos, quebradas devido à especulação financeira.

O Produto Interno Bruto (PIB) dos países da comunidade africana cresceu apenas 2,7% em 2009, o que representa uma redução em relação à já baixa taxa de 4,8%, registrada em 2008. Nos cinco anos anteriores à crise, a África Subsaariana cresceu em média 6%, com taxas de inflação na casa de um dígito. O déficit fiscal da região aumentou para 5,5% em 2009, contra a 2% em 2008, por causa de empréstimos nos mercados interno e externo. A União Europeia (UE) é o principal parceiro econômico externo ao grupo. Mas parcela do mercado europeu abocanhada pelo grupo diminuiu nos últimos anos – cerca de 3% atualmente contra 7% na década de 1980.

Os países que mais sentem os impactos da crise são os que dependem da mineração, turismo e da indústria têxtil: Angola, África do Sul, Botsuana, República Democrática do Congo, Lesoto, Ilhas Maurício, Namíbia e Zâmbia.

Para Tomaz Salomão, as saídas para África seriam incrementar o comércio entre os países do continente (hoje quase insignificante); aumentar investimentos em infraestrutura de transportes, energia e telecomunicações; transformar a agricultura de subsistência (principal meio de vida em toda África) em parte do agronegócio internacional; compor um colchão de reservas para as contingências, reforçar os laços comerciais com países asiáticos como China, Índia, Malásia, Filipinas e a Tailândia.

No plano político, seria indispensável a estabilidade política e jurídica ao continente, além do firme combate à corrupção.

O assunto é TV, mas saiu na Agência

Reportagem sobre a TV digital. Houve um adiamento na decisão de 14 países africanos, que pode beneficar o sistema nipo-brasileiro. Clique aqui para ver como saiu na Agência. Ou leia o texto aí embaixo.

09:57
19/05/2010
África adia decisão sobre sistema de TV digital

Eduardo Castro
Correspondente da EBC para a África

Brasília – A Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral, conhecida por SADC (sigla em inglês para Southern Africa Development Community) adiou a decisão sobre qual padrão irá adotar para a implementação da TV digital no Sul do Continente Africano. A informação foi confirmada pela Embaixada do Brasil em Maputo (capital de Moçambique), uma semana depois de um encontro de ministros de telecomunicações do SADC em Luanda, Angola.

A decisão só sairá depois de uma análise de uma força-tarefa técnica que trabalhará por dois meses. A medida reabre as portas para que o padrão escolhido seja o nipo-brasileiro ISDB-T (Integrated Services Digital Broadcasting Terrestrial).“Neutralizamos a pressão europeia, que era muito forte pela adoção do sistema deles, o DVB”, disse o ministro-conselheiro da Embaixada do Brasil em Maputo, Nei Bitencourt. “Estamos mais otimistas porque a questão será tratada em nível técnico”, afirmou.

A SADC é formada por 14 países da África Austral – África do Sul, Angola, Botsuana, Congo, Lesoto, Madagascar, Malawi, Maurício, Moçambique, Namíbia, Suazilândia, Tanzânia, Zâmbia e Zimbábue. No total, eles têm populações somadas de mais de 210 milhões de pessoas. No encontro em Luanda foi reafirmada a decisão de que o padrão de TV digital deverá ser o mesmo para todos.

O adiamento também agrada ao Brasil porque, num encontro preparatório à reunião dos ministro da SADC em Angola, no Lesoto, o representante da União Internacional de Telecomunicações (UIT), David Botta, quebrou a esperada neutralidade ao fazer considerações técnicas contrárias ao sistema nipo-brasileiro. Botta também sustentou que um entendimento anterior entre a SADC e a UIT obrigava ao grupo adotar o sistema europeu. As alegações foram desmentidas pelos técnicos brasileiros e japoneses presentes.

A postura de Botta levou o governo brasileiro a fazer um protesto à UIT, que tem sede em Genebra, na Suíça. O Japão reclamou, mas pode juntar-se ao Brasil no protesto formal. Hoje (19) a embaixada japonesa em Maputo recebeu cópia da reclamação brasileira, que já foi encaminhada ao governo moçambicano. As representações brasileiras em Gaborone (Botsuana) e Pretória, (África do Sul) já fizeram o mesmo.

Também hoje (19), o embaixador japonês em Moçambique avisou à embaixada brasileira que o seu governo prepara a vinda de um grupo de técnicos a Maputo para reforçar as qualidades do ISDB-T aos especialistas moçambicanos e de outros países da SADC. Há dez dias, Japão e Brasil encaminharam um proposta formal de adoção do sistema à África do Sul, que responde por 35% do PIB da África, na tentativa de atrair o país e os países vizinhos para o sistema nipo-brasileiro.

Além de Brasil e Japão, mais seis países adotaram o sistema ISDB-T : Argentina, Chile, Peru, Venezuela, Costa Rica e Equador.

Edição: Talita Cavalcante