Eu e o João

Minha menória pra coisas da infância é meio impressionante. Lembro de datas, lugares, frases, conversas. Recordo nitidamente do primeiro dia de escola, com 3 anos. E também o primeiro dia da nova escola, com 6. É como se estivesse vendo tudo de novo.

Não sei se é assim pra todo mundo. Pelo espanto das pessoas envolvidas nas coisas que relato – no geral, dizem aquela frase “agora estou me lembrando. Mas como é que você lembrava disso? – não deve ser.

Cito isso pra falar do João. João Carlos, aliás. Colega do Pentágono, de São Paulo. Fiquei lá do pré à terceira série do primário. Então foi num desses anos. Lembrar qual exatamente seria demais…

Pois o João era uma peste. Meio ruivinho, falante, estava sempre aprontando algo. Adorava me encher a paciência. Roubava meu lanche. Punha o pé pra eu tropeçar. Dizia que bom era o São Paulo, não o Palmeiras.

Um dia chamei meu pai para o conversa solene, sem a mamãe. Queria mudar de escola, porque não aguentava mais o João. Ele não iria parar, eu queria me livrar dele.

Tão solene quanto o momento, meu pai me disse que eu iria ficar na escola. Não iria me tirar. Porque, segundo ele, “sempre vai ter um João na sua vida. Onde você for vai ter pelo menos um”.

Ele estava certo. Tinha João no colégio, no time de basquete, na faculdade. Alguns na Rádio Trianon. Na Bandeirantes, um monte. Na EBC, muitos joões vieram das extintas Radiobras e TVE. Outros chegaram depois de mim. E uns fui eu mesmo que trouxe.

Tinha João nos Estados Unidos quando fiz intercâmbio, e também quando fui morar lá adulto. Tinha João no apartamento do Itaim e no do Sumaré em São Paulo. Tinha em Brasília, alguns com cargos importantes. Encontrei joões nos quase 40 países em que estive. Tem pelo menos um Maputo.

E aqui em Joanesburgo também tem. Mas não vou embora por causa dele. Por mais que, de vez enquando, dê vontade de largar tudo na busca do lugar em que João ainda não chegou.

Como dá.

3 comentários em “Eu e o João

  1. Estou um pouco acanhada para me meter entre esses comentários familiares rss, mas adorei este artigo! É que também tenho uma memória de 500 terabytes, no mínimo kkk. Então me identifiquei muito com os relatos e com os comentários também. Show! Quantos João e Maria encontramos pela vida afora e por isso seu pai estava certíssimo: o melhor é enfrentar cada um que encontrarmos pela frente! Melhor que eles não apareçam, que você chegue sempre em um lugar que ainda esteja livre deles, mas seja em Maputo, São Paulo ou Brasília, sucesso pra você vencer cada joão que você encontrar… Abraços

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  2. Filho querido.
    Desta passagem, não me lembro, mas sei que sua memória de infância é prodigiosa. Assim, quando lí João, lembrei-me de um livro sobre um caminhão de mudanças, que você gostava e retratava a perseverânça. Com a Copa, lembrei-me do craque Neto, escolhido como patrono na olímpiada do Pueri Domus e minha angústia no Parque São Jorge, será que ele vira? E êle veio!!!
    Um grande beijo. Papai

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  3. Pois é:
    Ontem ainda lembrei de um acidente, o primeiro, que tive com vc.
    Fomos ao terraço do Shopping Ibirapuera ver os aviões passarem.
    Na volta, eu estava com a Brasília da sua mãe, apertei seu dedinho na porta do carro.
    Fui correndo a uma farmácia fazer um curativo e levei uma gozação do farmaceutico pois disse-me êle que os ossos de criança são porosos e não quebram facilmente.
    Nem lembro que idade vc tinha mas era pequenininho, pequenininho.
    Diz seu irmão que eu não tenho memória e sim tenho uma vaga lembrança…….não é tanto asim!
    Porque eu lembrei disso? Apertei meu dedo na porta do armário e sua presença é sempre constante, constante, constante.

    Mil beijinhos……..saudosos: tia Memê

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