Antológico, ontológico, sobrenatural

Retomo a publicação, aqui no blog, das minhas colunas no portal Fato OnLine – originariamente publicadas às sextas-feiras.

rio5

Publicado sexta, 13 de novembro (05:59) – Atualizado hoje às 12:33

E o que foi aquele gol de Neymar contra o Villareal? Segundo um reluzente periódico mineiro (a internet tá aí, pra perpetuar barbaridades), foi “ontológico”. Das duas uma: ou o redator queria escrever “antológico”- de antologia – e ficou com medo da anta cruzando sua palavra; ou, de fato, sabia o que estava fazendo e optou por filosofar na manchete. Afinal, ontologia é a parte da filosofia que estuda as propriedades mais gerais do ser, o “além do ser”, mais pra lá do fenomênico, o oculto, o divino. E esse gol, cá pra nós, tem parte com o oculto, é coisa do Mais Pra Lá.

Tem o pé do Sobrenatural de Almeida, personagem de Nelson Rodrigues que fazia gols inacreditáveis. Mário Filho, irmão de Nelson, escreveu uma (aí sim) antológica crônica sobre gols antológicos, ontológicos, sobrenaturais. Chama-se Gols Inesquecíveis, e cita uma série de obras de arte que nunca vimos, nunca veremos, e sequer ouvimos falar. Mas estão na antologia do futebol, que também têm parte com o oculto. “Há gols assim, que entram para ficar na nossa memória”, diz ele. “Podem passar os anos que a gente não esquece mais”.

Nelson Rodrigues chamava Mário de “Homero do futebol brasileiro”, comparando com o grego que escreveu Ilíada e Odisseia. “Hoje, eu e meus colegas andamos por aí, realizados, bem-sucedidos, temos automóveis e frequentamos boates; andamos de fronte erguida e nosso palpite tem a imodéstia de uma última palavra. Mas eu gostaria de perguntar: o que era e como era a crônica esportiva antes de Mário Filho? Simplesmente não era, simplesmente não havia. Sim, a crônica esportiva estava na sua pré-história, roía pedras nas cavernas.”

Mário nasceu em 1908, no Recife. Em 1915, mudou-se para o Rio, trabalhou em alguns jornais antes de dirigir o (também) antológico Jornal dos Sports. Com suas páginas cor de rosa, ele contou a história diária do futebol carioca entre 1931 e 2010. Entre 1936 e 66, tendo Mário como dono e responsável, foi praticamente o primeiro a acompanhar o dia a dia dos clubes fora do campo, informando sobre negociações em andamento, salários e valores de passes de jogadores.

Quando o Brasil foi escolhido como sede da Copa de 50, Mário protagonizou uma disputa feroz com o também jornalista e deputado Carlos Lacerda, que defendia que o novo estádio a ser construído na cidade fosse no então longínquo bairro de Jacarepaguá. Mário Filho queria que ficasse no Maracanã. Ganhou a parada. Por isso, o Estádio Municipal tem seu nome.

E foi no Maracanã que aconteceu o primeiro gol inesquecível descrito na crônica: “E lá vem ele, o gol do Joel, como pintado de fresco, brilhante, limpo, o cheiro de tinta vivo feito um perfume, solto, alado. Não era momento de gol, pelo menos não parecia, porque Ramiro ia chutar a bola, com Olavo junto, para qualquer lado. Eis que Joel se lança, feito um torpedo humano, esticado, a meio metro do gramado. Quando o bico da chuteira de Olavo ia tocar na bola, a cabeça de Joel a impulsionava para o fundo das redes.”

O texto segue, com outros lances inesquecíveis – que, obviamente, ninguém mais lembra simplesmente porque nunca soube ter existido: o de Friedenreich no Sulamericano de 1919, em Álvaro Chaves, contra o Uruguai (“patrimônio nacional”); o de Nilo Murtinho Braga no primeiro campeonato brasileiro de seleções, em 1924 (“Nilo emendou uma bola de cima da área, na linha branca, um pouco de lado, com aquele pezinho de moça que tinha, e não houve Nestor que evitasse o gol”). E o gol do Osvaldinho do América contra os escoceses do Motherwill? “Driblou um, e dois, e três, e quatro, e cinco. Aí o gol se abriu diante dele e ele colocou a bola lá no canto”.

Mário também descreve gols inesquecíveis de Petronilho pulando com um pé só (tinha quebrado a perna no lance anterior); uma bicicleta de Leônidas (esse você ouviu falar) pelo Flamengo, contra o Independiente de Buenos Aires, em 1939 (“foi tão bonito que Bello – do Independiente – saiu correndo para cumprimentar Leônidas”); o gol de letra de Isaías, pelo Madureira, contra o esquadrão do Fluminense que ganhou cinco campeonatos; o de falta de Lelé, no jogo da seleção contra o Uruguai, na despedida dos pracinhas brasileiros que estavam de partida para a Segunda Guerra (“era tão longe que o quíper uruguaio La Paz não quis barreira, não quis nada. (…) Não pôde fazer um gesto.”).

Mas tinha que haver um gol de Heleno, diz Mário. No estádio da Gávea, num Flamengo x Botafogo: “Heleno estava na linha da grande área, de costas para o gol. Parou a bola com o peito, virou-se com ela ainda no peito, e viu a área cheia de flamengos, o gol lá no fundo. Se deixasse a bola cair no chão, teria que travar combate com vários adversários, que já o cercavam, esperando justamente que fizesse o que qualquer um faria. Heleno de Freitas, então, curvou-se um pouco para trás, empinando o peito, deixando a bola onde estava e avançou assim, com ela no peito. Ninguém podia fazer nada contra ele. Se lhe quisessem tirar a bola, pará-lo, travá-lo, era pênalti. Perto do gol, Heleno de Freitas deixou a bola cair e fuzilou o quíper do Flamengo.”

Agora, releia o último parágrafo. Troque “Heleno” por “Neymar”, “flamengos” por “villareales”, “quíper” por “goleiro”. Veja, de novo, o gol de sábado passado. Diga que não é praticamente a mesma coisa. Antológicos. Ontológicos. Sobrenaturais. Inesquecíveis – enquanto não vierem os próximos, enquanto durarem na nossa memória.

Doutor Ross, minhas pílulas, por favor

Retomo a publicação, aqui no blog, das minhas colunas no portal Fato OnLine – originariamente publicadas às sextas-feiras.

tecflaPublicado sexta, 06 de novembro (05:59)

Sou um jovem senhor de idade, desde sempre. Meu ex-chefe Fernando Mitre dizia que nasci com 35 anos; na época, eu tinha uns 23, 24. E assim me mantenho, já passando dos 40, com alguns hábitos antiquados. Por exemplo: ler jornal. Aquele troço bem de antigamente, de papel. Mas não dá mais pra ler todo, porque parte da turma que escreve nele é mais parada no tempo do que eu.

Não perco tempo com capa, coluna ou primeiro caderno. Fundamentalmente, agrupam os fatos da véspera em duas seções: “Como o governo é ruim” e “Como o governo seria bom se fizesse o que eu mando”, um treco bem democrático. Vou direto às partes que podem ter alguma novidade.

Primeiro, claro, o horóscopo. Não acredito em nada daquilo, mas é preciso saber o que quem acredita vai fazer naquele dia. Quem já trabalhou em jornal – nos menores, principalmente – sabe como é feito o horóscopo. O Touro de amanhã é uma parte do Virgem de ontem e do Leão de hoje. As recomendações sobre “ter cuidado no amor” fazem todo sentido.

Depois de passar rapidamente pelo Hagar, o Horrível, chego ao caderno de esportes. Nesta semana, estava lá: “Flamengo suspende cinco que foram pra farra”. E o caderno de esportes passa a ser mais um que, como eu e as partes ditas sérias dos jornalões, pararam no tempo.

No caso, culpa dos dirigentes flamenguistas, que resolveram mostrar quem manda para cinco “craques consagrados” que foram fotografados numa festa: os geniais Pará, Alan Patrick, Everton, Paulinho e Marcelo Cirino. O motivo da indignação foi o dia da celebração cheia de carne (era um churrasco), uma terça-feira. “Deveriam estar concentrados, se preparando para o jogo”, disseram os disciplinadores. Faltou pedir pros caras usarem burca pra sair na rua e incluir as Pílulas de Vida do Doutor Ross na dieta balanceada.

Troço ridículo. São moleques de 20 e poucos anos, com alimentação saudável e regrada (ainda que sem as Pílulas de Vida do Doutor Ross, ao menos por enquanto), no auge do gás e da fama, com grana, no Rio de Janeiro. Por mais que se ajoelhem e mostrem os dedinhos pra cima a cada gol que marcam, não ficam lendo a Bíblia o tempo todo. E é normal que sejam assim. Sempre foi assim, sempre vai ser assim. Sobre bons e maus moços, João Saldanha dizia, nos longínquos anos 1960/1970 do século passado: “Não quero jogador para casar com minha filha; só que resolva dentro de campo”.

Claro que não pode exagerar, encher a lata de domingo a domingo. Precisam se preservar fisicamente, pois vivem disso. E – acorda, né? – convém desligar Feicebuque e Istagrão próprios e dos demais presentes nas farras, principalmente daquela querida que faz bocão e do lindo que publica fotos sobre o evoluir diário do bíceps.

Mas, prezados, desde que a Holanda, em 1974, levou esposas e namoradas para a concentração na Copa do Mundo, e os caras revolucionaram o futebol (não foram campeões porque a Alemanha tinha Beckenbauer e jogava em casa), que esse papo ficou mais velho do que eu – que nasci com 35 anos, justamente em 1974.

Sem contar que pune o time. Tá bom que, na lista de festeiros, não tem nenhum Zico ou Adílio (aliás, nunca vimos Romário numa lista dessas, por motivos óbvios), mas, dos cinco, três são titulares, e ausência deles iria atrapalhar o treinador a montar um time que precisa estancar uma fila de três derrotas seguidas. O técnico, claro, não gostou da decisão dos diretores do Flamengo. Oswaldo Oliveira achou exagerado.

Resultado: os dirigentes voltaram atrás. Ô, perdão, voltaram atrás nada: os meninos que “demonstraram arrependimento”, pediram desculpas e foram reintegrados. E já podem jogar contra o Goiás no fim de semana. Permanece a multa de 30% dos vencimentos “porque aqui tem comando, não é bagunça”. Tá bom.

Destarte, nenhum será visto na campanha publicitária da Sexlog.com, que os convidou para participar de uma “incrível festa que só nós sabemos fazer”, segundo a diretora de comunicação do treco, em troca 300 mil reais – mais ou menos a multa que vão pagar para o Flamengo.

Lembrei-me de João Saldanha, de novo: “Todo treinador que defende a concentração é candidato a corno”. Se, como eu, lesse o horóscopo, evitaria ser o Touro de amanhã.

E dá licença, que vou ali tomar uma Crush. Ajudam a engolir as Pílulas de Vida do Doutor Ross.

De Barbosa a Jefferson, a fila anda

jefferson

Publicado sexta, 23 de outubro (05:59)

(Nota: estou republicando aqui no blog ElefanteNews minhas primeira colunas no Fato On Line. Cheque a data antes de discutir velhas novidades…)

“Políticos e fraldas devem ser trocados de tempos em tempos, pelo mesmo motivo.” Alguns atribuem a frase a Eça de Queirós, outros, a Mark Twain. Incluo goleiros no rol dos que devem ser trocados de tempos em tempos. Por melhores que sejam, ou pareçam ser, para o bem deles mesmos. Que a fila ande. Por isso, não acho um absurdo Dunga ter trocado o goleiro da seleção brasileira nem bem começaram as Eliminatórias. Aliás, absurdo será se as trocas definitivas (tirando as por suspensão ou contusão) se resumirem ao goleiro. Tinha que trocar mais.

O time tem muito jogador mais ou menos que já não deu certo – deram, inclusive, vexame. Tem outros mais ou menos por aí, mas que ainda não deram errado. Mas falemos do goleiro, pois.

Jefferson não é ruim. “Manda bem”, como diz a moçada, garante resultados para o Botafogo, faz belas defesas. Mas não é inigualável, espetacular, maravilhoso, não é nenhum Dino Zoff, Gordon Banks, Ubaldo Matildo Fillol. Tomou um gol, no mínimo, discutível contra o Chile.

Testemos o próximo – Alisson, no caso – mais vezes. E bom seria testarmos outros próximos, como Cássio, chamado agora para os jogos contra Peru e Argentina, e até mesmo Marcelo Grohe, do Grêmio, presente nas partidas anteriores. Aliás, até os maravilhosos devem ser trocados, porque precisamos de mais de um bom e pronto para a posição. Não se pode depender de Neymar pra atacar; não se pode depender de quem quer que seja pra defender.

Desde Marcos que o Brasil não tem um goleirão, daqueles que não se discute. Julio César, da última Copa – pobres de nós e dele, que teve momentos bem melhores – não era titular, era uma teimosia de Felipão. Que achou, justamente, que pegar um e dizer “é meu, o grupo tá fechado” daria certo de novo, como deu com Marcos em 2002.

Talvez o caso mais emblemático, no futebol brasileiro, de goleiro que não foi trocado no prazo e virou problema seja o de Rogério Ceni, no São Paulo. Inegavelmente, o sujeito é um ídolo do clube (talvez o maior de todos). Mas, há tempos, anos, que toma mais frangos do que faz defesas espetaculares. O clube nunca preparou um substituto – até porque, dizem, Rogério nunca deixou – e, há algum tempo já, vive um problemaço: ninguém tem coragem de dizer a Ceni que o tempo dele já deu, por mais que ainda saia um gol de pênalti ou até uma bela defesa de vez em quando.

Parêntesis, pra explicar Rogério Ceni: é bom goleiro, excepcional atleta e espetacular marqueteiro. Tirar a atenção das defesas que deveria fazer para o ataque que ninguém mais faz, e virar ídolo com isso, é um “quêize” de sucesso fantástico. Tem seu lugar na história do São Paulo e na história do “márquetim”. Fecha parêntesis.

Não sei se Jefferson terá nova chance como titular. Dunga não deu nenhuma dica na entrevista coletiva desta quinta (22). Mas o banco não faz dele mau goleiro, não está “marcado para sempre” por causa de um lance. Chega de Barbosas no gol do Brasil. Pra quem não sabe, ou não lembra, Barbosa foi o maior injustiçado da história do futebol brasileiro. Campeão carioca invicto cinco vezes pelo Vasco, campeão nacional na seleção carioca, campeão sul-americano pelo Brasil, vice-campeão do mundo. Mesmo assim, é lembrado, por quem lembra, por um frango que não tomou: o segundo gol do Uruguai na final de 1950, chute cruzado de Gigghia, que entrou no canto.

Ele cansou-se de explicar que o chute foi de muito perto e que estava esperando por um cruzamento (como foi o lance do primeiro gol, feito por Schiaffino). Naquele tempo de gravação em filme com uma única câmera, é impossível ver se o goleiro teve culpa ou não. Certo é que frango não foi. Mas o que se ouviu pelo rádio é que “Barbosa não pegou”, e, em tempos futebolisticamente momentosos, isso bastou para fazer dele “o culpado de tudo”. “A pena máxima para crimes no Brasil é de 30 anos. Mas a minha já dura 47”, disse ele numa entrevista ao SporTV, pouco antes de morrer, no ano 2000. Mesmo com o peso da derrota nas costas, e fora da seleção, Barbosa seguiu jogando bem. Chegou à final do torneio Rio-São Paulo de 1959, contra o Santos de Pelé. Foi vice de novo – piadas contemporâneas à parte – pelo Vasco: “O velho Almirante, o do Caminho das Índias, se vivo fosse, estaria sentado num meio-fio, chorando lágrimas de esguicho”, escreveu Nelson Rodrigues, na crônica de 23 de maio da revista Manchete Esportiva. Mas destacou a atuação de Barbosa, uma “rocha oceânica, uma Bastilha invicta”. Ficou tão impressionado com a atuação que escreveu sobre o goleiro de novo, sete dias depois.

De certa forma, Nelson Rodrigues dá razão à tese de Eça de Queirós (ou Mark Twain) e sua aplicabilidade ao esporte bretão: “…mesmo sem jogar, mesmo lendo um gibi, o goleiro faz mais do que o puro esforço corporal. Ele traz consigo uma sensação de responsabilidade que, por si só, exaure qualquer um. Amigos, eis a verdade eterna do futebol: o único responsável é o goleiro, ao passo que os outros, todos os outros, são uns irresponsáveis natos e hereditários. Um atacante, um médio e mesmo um zagueiro podem falhar. Podem falhar e falham vinte, trinta vezes, num único jogo. Só o arqueiro tem que ser infalível. Um lapso do arqueiro pode significar um frango, um gol e, numa palavra, a derrota.

Vejam 1950. Quando se fala em 1950, ninguém pensa em um colapso geral, numa pane coletiva. O sujeito pensa em Barbosa, o sujeito descarrega em Barbosa a responsabilidade maciça, compacta, da derrota. O gol de Gigghia ficou gravado, na memória nacional, como um frango eterno. O brasileiro já se esqueceu da febre amarela, da vacina obrigatória, do assassinato de Pinheiro Machado. Mas o que ele não esquece, nem a tiro, é o chamado frango de Barbosa. Qualquer um outro estaria morto, enterrado, com o seguinte epitáfio: “Aqui jaz Fulano, assassinado por um frango”. Ora, eu comecei a desconfiar da eternidade de Barbosa quando ele sobreviveu a 1950. Então, concluí de mim para mim: “Esse cara não morre mais”. Não morreu e, pelo contrário, está cada vez mais vivo.

Nove anos depois de 1950, ele joga contra o Santos, no Pacaembu. Funcionou num time de reservas, contra um dos maiores, se não o maior time do Brasil. E foi trágico, amigos, foi trágico! Começa o jogo e imediatamente, Pelé invade, perfura e de três metros, fuzila. Fosse outro, e não Barbosa, estaria perguntando, até hoje: “Por onde entrou a bola?”. Barbosa defendeu e com soberbo descaro! Daí para a frente, a partida se limitou a um furioso duelo entre o solitário Barbosa e o desvairado ataque santista. Foi patético ou, por outra: foi sublime. E porque, na sua eternidade salubérrima, ainda fecha o gol, faço de Barbosa meu Personagem da Semana.

Por isso, Jefferson, não se abata, nem tome a ida para o banco como um tiro de bazuca, uma sentença definitiva. Trocar é necessário, para o seu – e nosso – próprio bem. Afinal, aprendemos todos que não há frangos de Barbosa. O dele, coitado, foi único.

Post Scriptum: feliz em ter escrito um texto que contenha a palavrinha “Pelé”, publicado num 23 de outubro, dia do 75º aniversário dele. Claro que poderia ter feito a coluna toda sobre ele, mas é até melhor assim. Porque prova que é inescapável citar Pelé ao se falar de futebol, por mais longe que o assunto pareça estar dele. Edson Arantes podia ter sido um pai melhor, podia ter sido um brasileiro mais firme contra a ditadura, um negro mais atuante na questão do racismo. Mas Pelé não poderia ter sido melhor jogador de bola, porque não há ou houve melhor jogador que Pelé. Nem vai haver.

http://fatoonline.com.br/conteudo/11090/de-barbosa-a-jefferson-a-fila-anda?or=h-opi-colu&p=l&i=0&v=0

Miranda, Jesus e a Fogueteira

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Publicado sexta, 09 de outubro (05:59)

(Nota: estou republicando aqui no meu blog ElefanteNews minhas primeira colunas no Fato On Line. Cheque a data antes de discutir velhas novidades…)

Escrevo antes de começar Chile e Brasil, primeiro jogo das Eliminatórias da Copa de 2018. Almocei há pouco num simpático quilo aqui no Flamengo. A TV estava ligada e apareceu Miranda (que, talvez, você não associe o nome à pessoa, é…), o capitão da seleção brasileira. Ele diz, de bracinhos cruzados em frente ao microfone fininho: “Se empatarmos, já vai ser um bom resultado”. Do meu lado, um senhor de camisa branca meneia a cabeça e vira o rosto na minha direção, sem dizer nada. Só me olha com aquela cara de “a que ponto chegamos”.

De fato. Lembro do tempo (e não estou falando de quando Dondom jogava no Andaraí, de meia na cabeça, chutando bola de capotão) em que ganhar do Chile era mais que premissa, era uma obviedade. Até acontecia de perder ou empatar, mas, “quando acontecia, era um acontecimento”.

Rosinery Mello morreu aos 45 anos, vítima de aneurisma Ronald Theobald/Estadão Conteúdo

Em 1989, foi mais que um acontecimento – foi uma série deles, e , mesmo assim, o Chile não ganhou. Eles tinham um técnico falastrão, chamado Orlando Aravena, que convenceu o país de que, daquela vez, dava pra não apenas se classificar, mas sim ganhar a Copa do Mundo. No mesmo grupo, estavam Brasil e Venezuela; na Venezuela, coitada, todo mundo batia. Restava tirar o Brasil em dois jogos, um lá, outro cá.

O primeiro foi lá, no mesmo Estádio Nacional da final de 1962 e do jogo de agora, 2015. Já antes de o jogo começar, Aravena falou qualquer coisa no ouvido do Romário, que revidou com empurrões. Contagiado pelo clima – ou por alguma outra coisa contagiante –, o preclaro Jesus Dias Palácios, árbitro colombiano (até bom), deu amarelo pra ele antes de a bola rolar. Com dois minutos de jogo, Ormeño, um dos que Romário havia empurrado, deu uma voadora em Branco. Romário foi tirar satisfações. O juiz tirou o vermelho do bolso. Me lembro bem de ter feito uma cara parecida com a que o senhor fez hoje pra mim, no restaurante. Jesus não estava nada brasileiro naquele dia. Muito pelo contrário.

Ainda no primeiro tempo, ele marcou um sobrepasso de Taffarel. Acho que foi a última vez que vi juiz marcar sobrepasso. Um chileno pegou a bola das mãos do goleiro e tocou rapidinho, dentro da pequena área. Tudo errado, porque a infração (mesmo que inventada, como foi) deveria ter sido batida na linha da pequena área. Gol do Chile. Parêntesis: graças a esse lance é que você aguenta Arnaldo César Coelho comentando arbitragem até hoje. No dia seguinte ao jogo, o então diretor da Globo, Armando Nogueira, ligou pra ele, perguntando do lance. Satisfeito com a explicação, convidou Arnaldo pra almoçar e o chamou pra trabalhar na Globo. Dias depois, Arnaldo anunciou que estava parando de apitar pra ser comentarista. Fecha parêntesis. O Brasil ainda conseguiu empatar a partida.

Rojas e Rosi

A partida de volta foi no Maracanã, no famoso “jogo da fogueteira”. Os mais novos não lembram, mas houve tempo em que se podia levar rojão pra dentro do estádio. Uma moça, chamada Rose, uma das 141 mil pessoas presentes naquele dia, acendeu um sinalizador marítimo, que caiu perto do goleiro Rojas (o mesmo que jogou no São Paulo). O Brasil ganhava por 1 a 0, gol de Careca, e o resultado tirava o Chile da disputa.

Rojas diria depois que o clima feito no Chile em torno da possível classificação ficou tão fora de controle que ele não teria coragem de voltar sem a vaga. Desesperado, enfiou uma lâmina na luva, esperando uma chance de simular uma contusão. Ao ver o foguete no gramado, caiu, tirou a lâmina discretamente e fez um corte na testa, como se tivesse sido atingido. O jogo parou, estabeleceu-se uma confusão, e o Chile saiu de campo carregando seu mártir. O jogo foi encerrado pelo argentino Juan Carlos Lousteau. O Chile saiu do estádio se dizendo classificado. Os brasileiros estava atônitos. E ninguém sabia o que iria acontecer.

Hoje em dia, fatalmente, algumas das trocentas câmeras em campo, ou mesmo um celular de torcedor, teriam mostrado o que ocorreu rapidamente. Mas os tempos – como disse lá em cima – eram outros. No dia seguinte, uma sequência de fotos do jornal O Globo deixava claro que o sinalizador havia caído a alguns metros de Rojas, sem feri-lo. O Brasil foi confirmado como vencedor. A seleção chilena, suspensa por quatro anos; Astengo, zagueiro, também. Rojas foi banido do futebol (anistiado anos depois, quando voltou a trabalhar no São Paulo como auxiliar), junto com o técnico Avarena, um médico da delegação e um dirigente chileno. A fogueteira, localizada, virou capa de Playboy, mas sumiu em seguida. Ela morreu em 2011, vítima de um aneurisma.

Nem com Jesus do lado deles e sinalizador chovendo em campo, o Chile nos punha medo. Hoje, como diz Miranda, se empatar, vai ser bom. Ponto. Parágrafo.

Dunga faz história

Agora escrevo depois da estreia do Brasil nas Eliminatórias. Depois da primeira vez em que o Brasil perdeu numa estreia de eliminatórias de Copa: 2 a 0 para o Chile. Tá: é o melhor Chile da história. Mas nós ajudamos.

O time de Dunga, aliás, parece que não saiu do Chile desde a Copa América. A mesma coisa modorrenta, sem criatividade, sem brilho. Transpirando no limite do necessário. É muito jogador mais ou menos numa seleção brasileira – todos vindos da Europa ou do time que levou de sete da Alemanha. Não entendo tanta insistência com essa turma. Também não entendo quem diz que são “bons jogadores”. Não são. São medianos.

Houve tempo em que mediano não cabia na seleção. Mais recentemente, o mediano tinha que se matar, suar sangue. Mas os tempos são outros. Na segunda etapa, entram dois do Santos – Ricardo Oliveira e Lucas Lima – e o time melhora. Pouco, mas sobe de produção. Não o suficiente. Nada garante que, se Neymar tivesse jogado, a coisa teria sido diferente.

A conversa agora é dizer que “o time comportou-se bem, mas está tudo muito equalizado”, uma versão mais moderna da velha frase, dita há uns 30 anos, que “não tem mais bobo no futebol”. Papo. Se eles melhoraram, os melhores deveriam ter melhorado também. Não, ficamos pra trás.

Que Miranda e seus colegas façam alguma coisa diferente já, agora, terça-feira (13), contra a Venezuela. Mas não tentem trazer Jesus pro nosso lado, nem comprar sinalizadores para espalhar na torcida. Muito menos simular contusão pra sair de campo coberto de glórias. Não funciona. Os tempos, definitivamente, são outros. A que ponto chegamos.

http://fatoonline.com.br/conteudo/10366/miranda-jesus-e-a-fogueteira?or=h-opi-colu&p=l&i=2&v=0

O monstro, o correto e o dispensável

ThSilva

Publicado sexta, 18 de setembro (08:17)

(Nota: nos próximos dias, republico aqui minhas primeira colunas no Fato On Line. Cheque a data antes de discutir velhas novidades…)

Agora sim: Tenho dificuldades em entender o desespero de alguns colegas por causa da ausência de Thiago Silva na convocação da seleção brasileira que joga em outubro as duas primeiras partidas das Eliminatórias da Copa de 2018. Repare: entendo acharem que Thiago Silva tem futebol para estar na seleção. Isso até que ele tem. Mas não tem todo o resto. E isso faz uma baita falta.

A zaga da seleção não é grande coisa mesmo. Focam convocados os corretos – nada além – David Luiz (PSG), Marquinhos (PSG), Miranda (Atlético de Madri) e Gil (Corinthians). Nenhum craque incontestável, nenhum insubstituível. O contrário, até. É o que temos.

Eu não convocaria David Luiz. Apesar de valer milhões lá pros empresários geniais da Europa (tem Coaf na União Europeia, aliás?), não passa de um jogador correto. Não é grosso; é correto, esforçado. Tem um cabelão engraçado (parecido com o Pshyco Bob, que vive querendo matar o Bart nos desenhos dos Simpsons), mas, principalmente, é ótimo de márquetim. Tão bom que, graças a sua enorme exposição, virou o jogador-símbolo dos Sete a Um.

Mas não é por que a zaga não é lá um portento que vamos chamar de volta quem já não funcionou. Thiago pode ter dado certo no Fluminense, no Milan, no Paris Saint-Germain. Mas, na seleção brasileira, não deu.

Vá lá: cite qual é a primeira coisa que vem à sua cabeça quando falamos de Thiago Silva. Meus colegas que sabem de cor o time reserva do Borussia Dortmund da temporada 2004/2005 e outras informações similares talvez digam que foi o melhor zagueiro do Brasileirão 2008, pelo Fluminense. Ou que é ídolo no Milan. Mas você, que, como eu, gosta mesmo é de torcer pelo seu time, aposto que vai dizer que lembra dele mesmo é chorando na beira do campo, nas quartas de final da Copa, contra a Colômbia, dizendo que não queria bater pênalti. E isso basta. “Ah, mas é um único momento numa carreira brilhante”. Sim, pode ser. Mas basta.

O sujeito era capitão da seleção brasileira, jogando uma decisão em casa. Podia ter jogado mal, podia ter feito gol contra. Mas não podia ter se mostrado incapaz de lidar com o momento. Quem é incapaz de lidar com pressão não pode jogar na seleção brasileira. E não consigo acreditar que tenha melhorado muito psicologicamente em um ano. Até porque, na Copa América, há dois meses, mostrou, de novo, que não tem no equilíbrio seu ponto forte. Meteu a mão na bola infantilmente, fazendo um pênalti que abriu caminho para o Paraguai empatar e tirar o Brasil da semifinal contra a Argentina. Tão ruim quando fazer, foi não admitir – disse que “não percebeu” que havia enfiado o bração na bola.

Tinha feito burrada parecida num jogo decisivo do PSG contra o Chelsea. Mas ali conseguiu, pelo menos, fazer um gol depois. Com a camisa do Brasil ele nunca fez o gol depois. “Monstro” (apelido dele na Itália) não falha desse jeito e por esse motivo na hora decisiva. Não adianta nada jogar bem o ano todo – a vida toda até – se não consegue fazer o mesmo quando mais se precisa que ele jogue.

Compare com Paolo Guerrero. Não é um gênio, não é um monstro – mas, quando o time precisa dele, não se omite, está lá. E faz. Foi assim no Corinthians, tem sido assim no Flamengo. Qual dos dois você prefere no seu time?

Há chances na vida que só se tem uma vez. Imagine a mocinha, na frente da igreja, linda, vestida de branco, de braço dado com o papai, pronta para realizar seu sonho. Só que a porta não abre, a marcha nupcial não toca. Daí alguém vem e fala: sabe o que é? É que o noivo não aguentou a pressão, começou a chorar na sacristia e diz que não quer mais brincar”. Monstro sim, mas veja só por qual motivo. A escolha é do casal, óbvio. Se eles quiserem, podem até tentar casar de novo. Mas o papai aqui não deixaria de alertar: “desculpa, anjo: esse cara vai te deixar na mão ali, na primeira dificuldade. Pense bem antes de entrar nessa fria”.

É assim com Thiago Silva. Mas, e daqui um tempo? Talvez. Depois que nos esquecermos do Sete a Um e de tudo o que levou àquilo. Você vai esquecer? Eu não.

http://fatoonline.com.br/conteudo/9191/o-monstro-o-correto-e-o-dispensavel?or=h-opi-colu&p=l&i=5&v=0

Minha coluna no Fato On Line

ec Fato on Line

Escrever coluna é algo novo pra mim. A idéia foi do Vinícius Dória, editor de esportes do Fato On Line e colega de longa data. Ele pediu pra falar sobre esportes, mas não ficar só em resultado e análise tática.

“Faz sentido”, pensei eu. Quem quer saber dessas coisas, vai procurar um site de esportes, passa o dia mudando a TV de canal da SporTV pra ESPN, da ESPN pra Fox, da Fox pro Esporte Interativo, do Esporte Interativo pra SporTV de volta. Ou faz como eu: vai ler a coluna do Tostão.

Foi desse papo, e de algumas trocas de mensagens posteriores, pra afinar o conteúdo, que nasceu o nome fixo da coluna: “Muito mais que quatro linhas”. Como internet não tem limite de toques, linhas ou páginas, tem dia que passa muito das quatro linhas. Mas, em termos de conteúdo, a idéia é sempre ir além. Propiciar uma leitura leve, informativa, opinativa até – mas sem muita firula, só no feijão-com-arroz mesmo.

Comecei em junho, informalmente. Como não sabia exatamente como a coisa iria fluir, não quis dar grande publicidade. Agora, já com a experiência de alguns meses e os primeiros aprendizados, me sinto mais à vontade para convidar mais gente a conhecer meus escritos.

Por isso, irei republicá-los aqui no ElefanteNews a partir de hoje. Vou colocar um ou dois por dia, até emparelhar com a data de publicação no Fato, que é sextas-feiras pela manhã.

Espero que gostem. Como tenho dito no Feicebuque, receber críticas faz parte da graça. É só a partir delas que eu consigo saber se estou atingindo o objetivo, agradando quem nós queremos agradar – não necessariamente só quem gosta de esportes, mas também quem curte uma boa leitura e quer se informar minimamente sobre esse tema, que ocupa a vida e é tão importante pra tanta gente.

O Som Ao Redor – Mais um 11 de Setembro

14 anos dos atentados de 11 de setembro de 2001.
É um dia complicado pra mim. Mistura muitas emoções e memórias, boas e ruins.
Não é bom lembrar da violência, do pânico, da dor, das mortes do dia.
Também é péssimo pensar nas causas e nos efeitos.
Hoje o mundo é mais preconceituoso, mais racista, mais complexo, mais intolerante, mais pobre e mais inseguro que em 10 de setembro de 2001.
Do outro lado, resta a lembrança do trabalho realizado em meio à incerteza, ao medo, a dor, a dúvida – que era de todos nós. Não sabíamos o que estava acontecendo, nem o que poderia acontecer em alguns minutos, horas, dias – ou 14 anos.
Me restava contar o que via – na TV, na minha janela (a foto que ilustra este post) e na minha frente.

Clique aqui para ouvir o relato ao vivo, na Rádio bandeirantes e na Bandnews TV

É a primeira vez que eu republico esses sons. Durante esses 14 anos, ficaram nos meus arquivos. O querido Milton Parrom, no seu programa Memória, mostrou o registro algum tempo atrás.
Transmiti ao vivo por quase 12 horas. No meio delas, tivemos que sair correndo do prédio, que ficava pertinho do Pentágono. Foi só um susto. Mais um, porque mais cedo, nós sentimos o impacto. Corri para a janela porque as janelas tremeram. Graças a isso, comecei a relatar o que ocorrida em Washington antes das primeiras imagens.
Foi marcante na minha vida, na minha carreira e na vida de muita gente.
Alguns dias depois de 11 de setembro de 2001, recebi um email (naquela época se usava email…) de um casal que estava com lua-de-mel marcada para a Disney. Queriam saber o que eu achava: se deveriam ir ou não.
Fiquei impressionado com aquilo, alguém confiar em mim para tomar uma decisão tão significativa pra eles. Também me ajudou muito a entender que o tom que usamos para contar as coisas, muitas vezes, tem mais força sobre o ouvinte/leitor/espectador que a mensagem em si. Afinal, eles ficaram preocupados com o “clima”. Não havia nada que indicasse que outros ataques poderiam ocorrer, nem que seriam na Disney.
Passei a me policiar mais nesse aspecto.
Quando se completaram dez anos do ocorrido, eu morava em Maputo, Moçambique, numa outra experiência de ter como obrigação trazer o mundo – um outro mundo, diga-se – mais perto dos brasileiros.
E recebi a mensagem que reproduzo aí embaixo, guardada com muito carinho.
Sinal de que valeu a pena – apesar de, hoje, ver que, para as empresas jornalísticas, no geral, fazer bem o nosso serviço faz pouca diferença.
Mas como se verifica aí embaixo, a gente não sai da memória do destinatário do nosso serviço: quem nos lê, nos vê e nos ouve.

“Prezado jornalista Eduardo Castro:

Meu nome é Edna Guisard Thaumaturgo, viúva, 68 anos, residente em Taubaté-SP,formação acadêmica em História.

Já faz bastante tempo que procuro me informar onde o senhor estaria trabalhando, visto que causou-me grande impressão a sua participação como correspondente nos Estados Unidos durante o episódio de 11/09. Nunca mais ouvi uma reportagem com tanta vibração, que me marcou profundamente pela veracidade e dedicação com que o senhor desenvolveu o seu trabalho jornalístico naquele fatídico dia. Procurei depois de algum tempo me informar sobre o seu trabalho mas foi difícil. Estou feliz de saber que o senhor continua trabalhando, agora em terras da Africa.

Parabéns por ter sabido ouvir a voz de seu coração e ter conseguido passar as informações que tanto marcaram a minha vida, como a de outros milhares de ouvintes assíduos da Radio Bandeirantes AM . Reconheço que estou um pouco atrasada em poder conversar por e mail com o senhor. O tempo passou mas a emoção é a mesma.

Seja feliz com sua família e em sua profissão. O senhor merece.”

11:09 pentágono

Mia Couto e as honoris causas

Mia Couto recebeu, esta semana, o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Politécnica de Maputo. Os jornais moçambicanos reproduzem, hoje, seu discurso na cerimônia.

Separei alguns trechos:

“Um dia destes, um jovem funcionário propôs-me o pagamento de um suborno para emitir um documento. Aquilo não correu bem porque ele, num certo momento, reconheceu-me e recuou nos seus propósitos.

Para se redimir o jovem explicou-se da seguinte maneira:

– Sabe, senhor Mia eu gostava muito de ser uma pessoa honesta, mas falta-me o patrocínio.

(…)

Escrevi uma vez que a maior desgraça de um país pobre é que, em vez de produzir riqueza, vai produzindo ricos. Poderia hoje acrescentar que outro problema das nações pobres é que, em vez de produzirem conhecimento, produzem doutores (até eu agora já fui promovido…) . Em vez de promover pesquisa, emitem diplomas. Outra desgraça de uma nação pobre é o modelo único de sucesso que vendem às novas gerações. E esse modelo está bem patente nos vídeoclips que passam na nossa televisão: um jovem rico e de maus modos, rodeado de carros de luxo e de meninas fáceis, um jovem que pensa que é americano, um jovem que odeia os pobres porque eles lhes fazem lembrar a sua própria origem.

É preciso remar contra toda essa corrente. É preciso mostrar que vale a pena ser honesto. É preciso criar histórias em que o vencedor não é o mais poderoso. Histórias em que quem foi escolhido não foi o mais arrogante mas o mais tolerante, aquele que mais escuta os outros. Histórias em que o herói não é o lambe-botas, nem o chico-esperto. Talvez essa histórias sejam o tal patrocínio que faltou ao nosso jovem funcionário.

(…)

E vou terminar partilhando um episódio real que foi vivido por colegas meus. Depois da Independência, um programa de controlo dos caudais dos rios foi instalado em Moçambique. Formulários foram distribuídos pelas estações hidrológicas espalhadas pelo país. A guerra de desestabilização eclodiu e esse projeto, como tantos outros, foi interrompido por mais de uma dúzia de anos. Quando a Paz se reinstalou, em 1992, as autoridades relançaram esse programa acreditando que, em todo o lado, era necessário recomeçar do zero. Contudo, uma surpresa esperava a brigada que visitou uma isolada estação hidrométrica no interior da Zambézia. O velho guarda tinha-se mantido ativo e cumprira, com zelo diário, a sua missão durante todos aqueles anos. Esgotados os formulários, ele passou a usar as paredes da estação para registar, a carvão, os dados hidrológicos. No interior e exterior, as paredes estavam cobertas de anotações e a velha casa parecia um imenso livro de pedra. Ao receber a brigada o velho guarda estava à porta a estação, com orgulho de quem cumpriu dia após dia: acabou-se o papel, disse ele, mas o meus dedos não acabaram. Este é o meu livro. E apontou para a casa.”

A íntegra do discurso de Mia está aqui: http://www.contioutra.com/o-livro-que-era-uma-casa-a-casa-que-era-um-pais-por-mia-couto/

E o Brasil (uma parte, claro) descobre que há refugiados no mundo

Reproduzo, abaixo, texto que escrevi para a Agência Brasil em 2010.
É sobre a vida dos refugiados em um campo que ficava entre Ruanda e Uganda.
A foto, tirada da janela do carro, mostra a curiosidade das crianças quando cheguei.
Mesmo sob as mais precárias condições, elas sorriam.

Os meninos checam quem chegou

garoto de Ruanda

As crianças querem ver a imagem que o Estevão está fazendo.

Em Ruanda, refugiados congoleses estão seguros, mas querem voltar para casa

Eduardo Castro
Correspondente da EBC para a África

Maputo (Moçambique) – A Agência Brasil visitou Gihembi, em agosto, um dos campos de refugiados que recebem congoleses em Ruanda. Localizado a 50 quilômetros (km) da fronteira com a Uganda e a 200 km do Congo, Gihembi foi criado em 1996 como solução temporária para receber congoleses que fugiam da guerra civil. Transformou-se em uma cidade de 20 mil habitantes, na maioria membros das etnias banyamulenge e banyamasisi, ligadas aos tutsi ruandeses.

Nos 60 km que separam o campo de refugiados da capital ruandesa Kigali é possível ver plantações de banana e arroz. A estrada é estreita e sinuosa, mas inteiramente asfaltada e sem buracos. Depois de uma hora e meia de viagem surgem casas de taipa enfileiradas nas encostas da colina mais alta da região. Na entrada de Gihembi não há cancelas ou portões. Uma corrente separa o campo da pequena cidade de Byumba. Os refugiados podem circular apenas pela vila. Para ir mais adiante, precisam de autorização do serviço de imigração ruandês. Para facilitar as idas e vindas, cartões de identificação devem ser distribuídos.

O campo também tem uma escola primária – que atende a 4 mil alunos – feita de paredes de barro e telhado de zinco coberto de poeira marrom. Assim também são todas as casas, erguidas pelos próprios moradores. Muito plástico, pedaços de zinco e tábuas dominam o cenário geral. O chão é de terra batida. Há torneiras pelo campo, onde os moradores buscam água em baldes e garrafões. As construções são mais sólidas do que as barracas de lona vistas em outros campos de refugiados da África Central.

Em uma área fechada por cercas de caniço há salas de consulta médica e atendimento psicológico, onde um médico e cinco enfermeiras recebem os doentes. Casos graves são encaminhados à cidade. Também está instalada uma farmácia, que distribui os medicamentos receitados, inclusive para aids, muito comum em toda a região. Só no campo de refugiados, 248 pessoas estão em tratamento contra a aids.

Anemia a carência nutricional em adultos são casos comuns. Ao lado dos consultórios, uma cozinha com fogões de lenha reforça a alimentação de 148 crianças desnutridas. Lactantes (300) e mulheres grávidas (86) também recebem complemento alimentar. Cada refugiado tem direito a 2.200 calorias por dia. Arroz, milho, feijão e óleo são distribuídos uma vez por mês.

No dia que a equipe da EBC visitou o campo de refugiados de Gihembi, em agosto, era dia de distribuição do suprimento de lenha, que deve durar dois meses. A distribuição é feita em uma praça central, onde também estão montadas bancas de frutas e verduras. A movimentação é intensa. Centenas de mulheres e crianças subiam as ruas de terra com toras de madeira equilibradas na cabeça.

As mulheres, maioria visível em Gihembi, vestem panos coloridos amarrados na cintura e na cabeça. Fogem da câmera, assim como os homens mais velhos. Alguns vestem roupas com marcas conhecidas – piratas ou verdadeiras, vindas de doações distribuídas por toda África.

Já as crianças mostram-se curiosas com os visitantes. Sorridentes, fazem poses para a câmera e puxam o repórter pelo braço. Gritam “muzungu, muzungu” (“branco, branco” em kinyarwanda, língua predominante na região) e acompanham de perto o trabalho do cinegrafista da TV Brasil. A maioria fala ou, ao menos, entende francês. E na escola ensina-se inglês. São muitos cumprimentos de “good morning, muzungu (bom dia, branco)”.

Elas correm pelas ladeiras de terra, jogam basquete em uma quadra perto da entrada do campo. Também gostam de futebol. Adolescentes mais arredios aproximam-se ao ver a bandeira verde-amarela no colete da TV Brasil. E tentam se comunicar enfileirando nomes de jogadores brasileiros – alguns com sobrenome: “Kaká, Robinho, Ramires, Ronaldo Nazário de Lima”.

Como a vila vizinha é pequena, poucas são as oportunidades de emprego – tanto para ruandeses quanto para refugiados. Por isso, poucos congoleses vão à cidade. Além das barracas de frutas e verduras, pequenos comércios vendem refrigerante e crédito para telefone celular pré-pago, além de algumas poucas conveniências.

Alguns refugiados conseguem dinheiro (pouco) fazendo melhorias nas casas dos vizinhos. As enfermeiras também são moradoras e recebem uma pequena contribuição pelo trabalho, bem como os professores. Segundo os moradores, há gente com diploma que vive ali, sem perspectiva, esperando há anos para poder voltar para casa. O máximo que consegue é dar aulas na escola primária.

“Aqui estamos totalmente seguros”, diz Gerard Damascene Toma, um dos indicados pelos representares do governo de Ruanda e das Nações Unidas para falar com a Agência Brasil. “Fomos expulsos de nossa terra pela guerra. Espero pelo acordo de paz para retornar e ver o que sobrou”, afirma ele, que vive desde dezembro de 1998 em Gihembe. “Não é bom, mas é melhor que lá”.

Jean Paul está no campo desde 1997, quando conseguiu escapar da República Democrática do Congo. No campo de refugiados, se sente em segurança. Mas não pensa em ficar. “Não podemos estar satisfeitos. Recebemos comida e abrigo, mas queremos voltar para nossos lugares.”

Edição: Vinicius Doria

É esquema? Não acho. Mas não é mimimi. Tá demais.

Uns dias atrás, escrevi sobre os erros – frequentes e decisivos – dos senhores árbitros no atual campeonato brasileiro, na minha coluna semanal no Fato On Line.
Segue atualíssima. Ó:

“No fim de semana passado, os árbitros protestaram antes do início das partidas do Campeonato Brasileiro. Usaram tarja preta no braço, fizeram um minuto de silêncio e até levantaram aquelas placas eletrônicas que informam as substituições com mensagens que só eles entendiam: “05” (indicando o meio por cento que reivindicam do total arrecadado com direito de arena e que foi vetado na transformação da Medida Provisória do Futebol em lei), ou “671” (o número da tal MP). O veto teve motivos técnicos, segundo o Palácio do Planalto.

Juiz é parte marginal do espetáculo (tanto quanto treinadores, dirigentes e jornalistas, por exemplo). Como ninguém vai ao campo ver juiz, acho que não fazem jus ao pixulé (nâo confundir com pixuleco). Devem receber prebenda compensadora, diria o douto – de preferência, mensal e pré-definida, independentemente de bons ou maus resultados nos jogos, deles próprios ou dos contenedores de fato. Porém, os senhores e senhoras árbitros andam errando tanto, influindo tanto nos resultados – e aparecendo tanto – que, a continuar assim, em breve vão merecer percentual na renda, camarim com estrela e nome na porta, citação na propaganda e toalhas brancas no vestiário”.

Leia o resto do treco clicando aqui, por favor…

http://www.fatoonline.com.br/conteudo/7732/na-duvida-apito-e-para-os-fortes?or=he-espo&p=od&i=2&v=0