White ElefanteNews

O estádio de Mbombela estava vazio no sábado de manhã. Uns quatro guardas sonolentos protegiam (?) o portão do fundo, que estava aberto. Lá dentro, ninguém. Só a grama verde, que deu pra ver ao longe.

“Podemos entrar pra ver?” “Não”, disse o guarda, esfregando os olhos. Tiramos fotos e fomos embora, sem deixar um único rand no lugar que custou mais de um bilhão para ser construído.

Mbombela fica em Nelspruit, África do Sul, capital da província de Mpumalanga, a 200 quilômetros aqui de Maputo e com dois shopping centers. Como Moçambique praticamente não tem fábricas e muito do que consumimos aqui vem do país vizinho, muita gente vai daqui pra lá no sábado só para fazer compras. Vale a pena.

Pois bem. Mbombela é o estádio de Nelspruit. Foi um dos dez construídos na África do Sul especialmente para a Copa. O teto é suportado por colunas com formas que lembram girafas. As rampas e escadas serpenteiam pela lateral da construção para lembrar cobras. Os assentos são todos em preto e branco, numa referência às zebras que ocupam os parques e safáris na região.

Mas o troço já tinha cara de elefante branco desde antes de ficar pronto.

A obra durou dois anos, e parou cinco vezes, por causa de greves dos trabalhadores. Quase no fim da construção, um guindaste caiu sobre a cobertura, durante uma tempestade. O que – obviamente – fez ser necessário um acréscimo no preço.

Dos previstos 600 milhões de rands (150 milhões de reais) o custo total da obra subiu para o dobro. Tudo totalmente suportado pelo abastado contribuinte sul-africano.

Na Copa, Mbombela foi palco dos fantásticos clássicos entre Chile e Honduras (1a 0), Itália e Nova Zelândia (1 a 1), a Austrália e Sérvia (2 a 1) e o emocionante 3 a 0 da Costa do Marfim pra cima da Coréia do Norte.

Depois, em um ano, o lugar recebeu jogos do Mpumalanga Black Aces (time de futebol da primeira divisão sul-africana. Que, diga-se, encerrou a temporada ontem. Orlando Pirates campeão, mas com destaque para o jogo Vasco da Gama X Santos na última rodada). Uma copa terá sua final disputada lá em 28 de maio. E o time de rugby da província, os Pumas, também anunciou partidas para o estádio.

Muita vela para pouco defunto.

Nos anos 20, fazendeiros brancos tomaram as terras de Mbombela, e, com apartheid em vigor logo depois, os mdluli só conseguiram reclamar o terreno de volta no fim do século XX. Em 2003, recuperaram a área.

Três anos depois, repassaram uma parte do que receberam de volta (118 hectares) para a prefeitura, ao interessante preço de 1 rand (24 centavos de real, ao câmbio de hoje), diante da promessa da construção de uma escola para substituir as duas pequenas que havia ali, além da pavimentação de estradas, água encanada e energia elétrica.

Três pessoas ligadas de alguma forma à obra foram assassinadas. Outras três morreram em circunstâncias “suspeitas”. A gerência da construção foi e voltou das mãos do governo local para o provincial no meio do processo. Um pântano foi aterrado sem estudo de impacto ambiental. As escolas prometidas só ficaram prontas depois de três anos de espera e muitos protestos.

Com a demora, abriu-se uma guerra judicial sobre a posse do terreno e documentos contábeis – rá! – sumiram do processo. Acusações de corrupção – rá!, de novo – envolvem o negócio, nos vários níveis de governo. E – rá!, pela terceira vez – não achei na imprensa uma linha sequer sobre quem teria sido o corruptor.

Nos poucos minutos em que estive ali, andando na poeira do estacionamento, lembrei da visita que fiz ao estádio olímpico de Seul, durante a Copa de 2002. Depois de procurar e não encontrar alguém que pudesse me dar uma entrevista sobre o local, resolvi ir lá sem consultar ninguém.

Na entrada, vi a placa que lembrava os nomes dos medalhistas de ouro e achei a referência a Aurélio Miguel. Depois, sem ser ajudado ou importunado por absolutamente ninguém, entrei no estádio aparentemente abandonado. Lembro bem dos assentos de cimento cinza-claro. Não tirei fotos, mas não me recordo de cadeiras ou luxo. Desci as escadas e entrei na pista gasta. E vazia. Nada da Copa de 2002 aconteceu ali. O jogo de abertura foi noutro estádio – especialmente construído (rá, de novo) para o novo evento.

Pouco ali lembrava o cenário da final olímpica de 100 metros talvez mais badalada da história, entre Ben Jonhson e Carl Lewis, ali mesmo. A pira olímpica apagada, e a cruvatura do teto, famosa pela leveza. Só. Catorze anos depois, a pista do Estádio Olímpico de Seul quase não mais existia. Mal tinha linha de partida. Era um fim de linha, aliás. Restavam o gigante vazio, as pombinhas voando e o eco dos meus passos. Alguns anos depois, o estádio recebeu jogos de futebol da terceira divisão, até 2009. De lá pra cá, alguns shows. Só.

Não sou contra receber a Copa ou Olimpíada. Fará bem para a auto-estima do brasileiro, que sentirá estar – e estará mesmo – no centro das atenções do mundo. Os eventos também acabam, por interesse dos envolvidos, impulsionando obras que já deveriam ter sido feitas, como uma linha de trem, um terminal novo no aeroporto ou a despoluição de uma lagoa.

Mas estão longe de ser a redenção dos povos, ou solução para todos os problemas, como soa no discurso dos políticos ou dirigentes esportivos. Para nós não vai ser. Nem pra eles, espera-se. Só será, certamente, para as empreiteiras, fornecedores e patrocinadores.

Também enche essa coisa de achar que “só no Brasil” as obras – muitas até desnecessárias – atrasam para depois custar mais caro, são mal projetadas, super-financiadas ou sofrem modificações difíceis de explicar mas fáceis de entender. Não é.

Nem todas têm o mesmo fim. O Soccer Staduim (agora “FNB Stadium”), em Joanesburgo, já recebeu 23 eventos desde o fim da Copa, entre jogos, reuniões de igrejas e concertos, sendo o maior deles um show do U2. 40 mil turistas também estiveram lá, e cada um pagou 80 rands (20 reais) para conhecer a estrutura.

Eu mesmo estive em Pequim logo depois da Olimpíada de 2008 a enfrentei fila de padrões chineses para ver o “Ninho de Pássaro”.

Mas também estive em Mpumalanga.

Lá fica o famosíssimo Kruger Park, onde se é possível ver os “Big Five” em uma única tarde (leão, elefante, búfalo, leopardo e rinoceronte – os tais “mamíferos selvagens de grande porte mais difíceis de serem caçados pelo homem”).

Pois o parque estava cheio no sábado – como, aliás, já acontecia antes da Copa do Mundo. Voltarei lá daqui alguns meses para admirar, de novo, os elefantes africanos. Já no elefante branco, de Mbombela, no máximo, vou passar pela porta e, de longe, ver o guarda dormindo.

3 comentários em “White ElefanteNews

  1. Esta história de obras mal projetadas, super-financiadas (rá rss) acontecem em todos os lugares mesmo porque o discurso dos políticos ou dirigentes esportivos é igual no mundo todo, infelizmente! Muito bom o seu texto para mostrar que não é só o Brasil que faz tudo de última hora, para mostrar esse jogo de interesse e, o mais importante, para lembrar que obras custeadas pelos altos impostos pagos pelos cidadão poderão se transformar em um Elefante Branco 😦

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